Intempérie entre Bragança e Viseu não arrefeceu o entusiasmo do 25.º Portugal de Lés-a-Lés - 2023
As ameaçadoras previsões de instabilidade meteorológica alertaram os 2250 participantes no 25.º Portugal de Lés-a-Lés para uma etapa que poderia ter uma dose extra de aventura.
andardemoto.pt @ 8-6-2023 22:59:00
De Bragança a Viseu, a caravana do 25.º Portugal de Lés-a-Lés percorreu 304 quilómetros de estradas panorâmicas, muitas delas inéditas nos mapas das anteriores maratonas mototurísticas organizadas pela Federação de Motociclismo de Portugal.
Apesar de ninguém ter conseguido escapar às fortes bátegas de água, a chuva que por vezes caíu muito forte de um céu sempre em tons de cinza carregado os semblantes dos participantes mantiveram-se sorridentes apesar da maior dificuldade.
A partida foi madrugadora, com as primeiras motos a lançarem-se à estrada ainda noite cerrada, quando batiam as 6 horas no relógio da Catedral de Bragança, aquela que foi a primeira a ser inaugurada em Portugal no século XXI. As serpenteantes estradas da serra de Nogueira, completamente desertas numa manhã de feriado, acordaram com a passagem de mais de 2000 motos.
A chuva caída durante a noite levou muita terra e detritos para a estrada, exigindo cautelas redobradas, sem no entanto roubar a oportunidade de poder apreciar os densos bosques de carvalho-negral (Quercus pyrenaica), naquela que é a maior mancha europeia desta espécie bem-adaptada à altitude.
Soutos de monumentais castanheiros transmitiam a tranquilidade que estava prestes a ser ‘perturbada’ em Celas, onde os Conquistadores de Guimarães protagonizavam a primeira traquinice do dia, oferecida juntamente com um café bem quente.
Foi o ‘clero’ em peso até à estrada, com direito a bênção do bispo, com água mundana como a chuva que caía, e aos furos na tarjeta que atestaria o bom cumprimento do percurso, a cargo das freiras.
Mais animada seguiu a caravana, continuando a desfrutar de paisagens soberbas típicas de qualquer Lés-a-Lés’. Podence, terra de caretos, ficava no caminho, e houve quem não desperdiçasse oportunidade de tirar uma ‘selfie’ com o presidente Marcelo ou com o craque Ronaldo. E se as paisagens eram um verdadeiro conforto para a alma, os participantes pediam algo mais para o estômago.
O aconchego estava à espera no Oásis de Macedo de Cavaleiros, no mesmo local onde começou, em 2005, o 7.º Lés-a-Lés. Seguia-se uma passagem bem próxima do ‘umbigo do Mundo’.
Morais, aldeia do concelho mogadourense, revela de forma única a dinâmica geológica dos continentes, sendo o local exato onde, há mais de 400 milhões de anos, muito antes de surgirem os dinossauros, se deu a colisão de massas que originou uma cadeia de montanhas, designada pelos cientistas por sutura do Orógeno Varisco.
Existem apenas cinco lugares com características semelhantes a este, mas, em Morais, as sequências estão contidas num espaço menor e os testemunhos são mais percetíveis. Testemunho da colisão dos dois continentes então existentes, Laurússia (América do Norte, Europa e Ásia do Norte) e Gondwana (África, Madagáscar, Índia, Austrália e Antárctida), e do único oceano, o Rheic, que terá estado na origem do Oceano Atlântico.
O choque fechou o oceano criando um supercontinente, dando início à reorganização que, milhões de anos mais tarde, deu origem à actual cartografia do Mundo, dividido em cinco continentes. Morais oferece, pois, uma viagem aos primórdios do planeta Terra, concentrando em poucos quilómetros aquilo que, normalmente, só se vê em milhares de quilómetros de extensão.
Enfrentando alguns raios de sol e monumentais cargas d’água, os motociclistas não deixaram de desfrutar da espetacularidade da passagem pelo vale do Sabor e do seu afluente, o Azibo, cuja albufeira reforça os argumentos desta região enquanto excelente destino turístico, destacando-se o belíssimo parque de merendas de Vale da Porca, onde os mais corajosos se lançaram na travessia a vau do ainda baixo caudal do rio Azibo.
E seria também o local da primeira passagem por terra, com 600 curtos metros, não fosse a chuva ter desaconselhado este desvio, mantendo a caravana em estrada firme.
Estradinhas de deliciosas curvinhas, com passagem por Chacim e pelo Real Filatório (fábrica do fio de seda mandada erigir pela Rainha D. Maria, em 1788, com amoreiras para alimentar os bichos-da-seda), até Alfandega da Fé. Onde foi possível provar as cerejas cultivadas nas faldas da serra de Bornes, a que se juntariam as famosas amêndoas de Torre de Moncorvo.
Não sem que antes a caravana passasse em Eucísia, uma pequena aldeia que encerra uma lenda curiosa sobre um sacerdote do arcebispado de Braga que, incumbido de verificar se tudo corria bem na paróquia, ali jantou e dormiu.
Como era pouco resistente aos pecados mundanos da comida e da bebida, terá abusado da boa pinga e, a meio da noite, para satisfazer as necessidades fisiológicas, dirigiu-se às cavalariças onde, embalado pelo sono ou pela bebida, se deixou adormecer. De manhã bem cedo, quando a população o viu em tais preparos, justificou-se que ali havia sido colocado pelas bruxas.
E foi assim que Eucísia ficou conhecida como a terra das feiticeiras…
Mas mais reais são as alterações ao rio Sabor, entre Alfândega da Fé e Moncorvo, causadas pela construção da barragem que todos puderam apreciar antes de provar as deliciosas amêndoas caramelizadas típicas da terra.
Um pitéu oferecido por ‘nobres’ do Moto Clube do Porto, trajados a rigor, ali muito perto da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção cujo início da construção remonta ao século XVI, no tempo do Infante de Sagres e se ergue no local onde antes existiu um templo paroquial primitivo da Idade Média e que é, desde janeiro do ano passado e por decreto assinado pelo Papa Francisco, Basílica Menor de Torre de Moncorvo.
Deixando a História e voltando à estrada, degustando as amêndoas na descida até ao Pocinho, houve tempo para desfrutar da estrada nacional 220 e atravessar o Douro na barragem inaugurada em 1982, no fim da qual estavam os minhotos do Moto Clube de Prado, com deliciosas bifanas para aquecer os estômagos mais protestantes, enquanto se apreciavam as quintas da D. Antónia, onde é produzido o famoso vinho Barca Velha.
Entrando no distrito da Guarda, por Vila Nova de Foz Côa, foi a caravana apreciando a mudança de paisagem, com muitas belezas para apreciar, como foi o caso Freixo de Numão, antiga sede de concelho, ou a muito panorâmica estrada até Mêda, em região onde abundam fortificações, então mais importantes que a agora sede de concelho.
Era o caso de Longroiva, Ranhados ou Casteição, bem como da pequena, mas muito interessante, Marialva, dotada de castelo e pelourinho, cruzeiro, igrejas e capelas, solares, cisternas e postigos.
Claro que não podíamos esquecer a importância arqueológica de Moreira de Rei, aldeia onde, em 2018, foi descoberta a maior necrópole de sepulturas antropomórficas da Europa, com 600 sepulturas de adultos e crianças, em redor da igreja de Santa Marinha (Séc. XII).
As obras desaconselharam a visita, mas houve curiosos que não resistiram, assim como também quiseram sentir o ambiente do palco da Batalha de Trancoso que, a 29 de maio de 1385, marcou a reviravolta na luta contra a invasão castelhana.
A monumental vila de Trancoso foi palco para a aparição da corte dos Moto Galos de Barcelos, que não quiseram perder oportunidade de ‘armar cavaleiros’ enquanto picavam as tarjetas.
Logo a seguir foi tempo de parar em Celorico da Beira. Na terra que viu nascer Sacadura Cabral, herói nacional que em fez a primeira travessia aérea do Atlântico Sul com Gago Coutinho, reinou a boa disposição entre petiscos, com o queijo da serra de que esta vila se intitula ‘capital’, juntamente com doces e tostas com azeite além de boa companhia musical.
Seguindo a N16, ao cruzar o rio Mondego a caravana entrava no distrito de Viseu com passagem por Mangualde, onde foi inaugurado em 1962 o primeiro centro de produção automóvel no nosso País, efeméride lembrada por um Citroën DS colocado numa rotunda.
Desde 1964 Mangualde fabricou mais de 1,5 milhões de viaturas a começar pelo mítico 2 Cavalos e, em 2025, será a primeira fábrica em Portugal a produzir furgões totalmente elétricos (Citröen e-Berlingo, Fiat e-Dobló, Opel Combo-e e Peugeot e-Partner) nas versões de comerciais ligeiros e de passageiros.
Cruzar o rio Dão, rumo ao centro da cidade de Viseu, permitiu descobrir o centro histórico, a Sé Catedral (Séc. XII), começada a erigir no reinado de D. Afonso Henriques, e o Museu Grão Vasco.
Isto mesmo antes da subida ao palanque, situado à porta dos Paços do Concelho, na melhor sala de visitas viseense, após mais de nove horas e meia a rolar, e na véspera de um dia que irá levar a caravana até Ourém, após mais 240 km muito exigentes em termos de condução.
andardemoto.pt @ 8-6-2023 22:59:00
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