Johan Pereira

Johan Pereira

Motociclista, peregrino da liberdade.

OPINIÃO

De Portugal à Finlândia - 10º e 11º dia

20 de abril de 2024

No décimo dia da nossa odisseia, despertámos ao romper da aurora, desafiados a percorrer 300 quilómetros até uma cidade um pouco além de Varsóvia.

andardemoto.pt @ 23-4-2024 09:39:00 - Johan Pereira

Dia 10 – 20 de abril de 2024

O céu, pesadamente carregado de nuvens que antecipavam chuva, parecia espelhar a inesperada reviravolta nos nossos planos: a demorada visita a Auschwitz havia-nos atrasado um dia em relação ao itinerário originalmente previsto. Assim, ao invés de seguirmos diretamente para a Letónia, como planeado, o objetivo foi reformulado para nos aproximarmos tanto quanto possível da fronteira com a Lituânia. Contudo, o destino teceu outras intenções.

A viagem, sob um ininterrupto véu de chuva, transformou-se numa luta contra os elementos. As autoestradas, longe de serem nossas aliadas, revelaram-se como labirintos de água e luz, onde o reflexo do asfalto molhado ameaçava a cada instante engolir-nos na sua luminosidade traiçoeira. Varsóvia, com o seu caos de tráfego e condições meteorológicas ainda mais adversas, testou a nossa resiliência e quase nos levou ao limite do desespero. A separação momentânea do meu pai, perdido no meio da tempestade e no mar de veículos, acrescentou uma camada extra de tensão à jornada, até que o trânsito parado permitiu reencontrar-nos.


As paragens frequentes em áreas de serviço tornaram-se não apenas necessárias para a manutenção das nossas motos e do nosso ânimo, mas também momentos para encontros fortuitos. A conversa com motociclistas polacos, cuja viagem até Fátima ressoava com as nossas próprias aspirações de aventura, injetou-nos o ânimo necessário para continuarmos. A generosidade de estranhos, manifestada através da oferta de um rolo de papel industrial e de um pano de fibra num momento de necessidade, teceu uma tapeçaria de solidariedade humana ao longo do nosso percurso.

No entanto, a natureza, na sua imprevisibilidade, forçou-nos a reconhecer as nossas limitações. O pinlock defeituoso do capacete do meu pai, que permitia a entrada de água, serviu como um lembrete tangível das adversidades com que nos deparávamos. E assim, com o frio a penetrar nos ossos e a chuva a não dar tréguas, vimo-nos compelidos a parar antes, em Łomża, reconhecendo a necessidade de preservar a nossa segurança e bem-estar acima de tudo.


Dia 11 – 21 de abril de 2024

No décimo primeiro dia da nossa odisseia, despertámos bem cedo, cientes de que um erro logístico nos impunha um desafio colossal: chegar a Tallinn no mesmo dia para apanhar o ferry na manhã seguinte. Um trajeto de quase 900 quilómetros aguardava-nos, uma proeza que testaria os limites da nossa resistência e das nossas motos, já com quase 4000 quilómetros percorridos. Contudo, decidimos abordar o dia com calma, permitindo-nos usufruir da viagem sem pressa, apesar da urgência.

O almoço surpreendeu-nos ainda na Polónia, perto da fronteira. Uma experiência curiosa ocorreu quando as funcionárias do estabelecimento, por motivos desconhecidos, deram-nos prioridade, instruindo um cliente que estava à nossa frente a passar para trás de nós. A situação, embora nos deixasse um pouco confusos e apreensivos por potenciais mal-entendidos, foi recebida com gratidão. Ficámos maravilhados com a generosidade da oferta: uma refeição completa por apenas 15 zlotys, algo impensável em Portugal, refletindo a diferença de custo de vida.


A nossa breve fama surgiu de forma inesperada quando um entusiasta das motos, fascinado pela nossa aventura, aproximou-se para nos fotografar e conversar. Por momentos, sob o foco da sua atenção, sentimo-nos como celebridades, uma sensação nova e divertida que contrastava com a rotina de estrada, frio e fadiga que nos acompanhava.

Atravessámos a fronteira para a Lituânia cerca das 13 horas, e após uma tarde de estradas que se estendiam à nossa frente, entrámos na Letónia ao anoitecer, por volta das 21 horas. A escolha de pernoitar em Riga revelou-se acertada; a capital letã oferecia o repouso necessário antes do nosso último esforço para chegar a Tallinn. Amanhã, o Mar Báltico aguarda-nos, e com ele, o ferry que nos transportará ao próximo capítulo desta epopeia.


andardemoto.pt @ 23-4-2024 09:39:00 - Johan Pereira


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