Comparativo Sport Touring - Moto Guzzi V 100 Mandello S vs Honda NT 1100 DCT vs Yamaha Tracer 9 GT

A Yamaha Tracer 9 GT e a Honda NT 1100 vão dar as boas-vindas à bela italiana e ajudar-nos a enquadrar a sua personalidade. Abram o mapa e escolham um destino. Elas estão prontas para partir!

andardemoto.pt @ 21-3-2023 00:09:44 - Texto: Pedro Alpiarça | Fotos: Luis Duarte

Viajar. Pegar numa moto e rumar ao horizonte longínquo sem olhar para trás. Dias grandes passados aos comandos destas máquinas que tanto amamos estão no topo da lista das coisas que mais gostamos de fazer. Equipados a rigor, enfrentámos os elementos e aquecemos os motores para mais um grande jornada a Andar de Moto.

O dia estava frio e cheio de intenção de nos fazer sofrer as extremidades. A ideia de conduzirmos até onde a estrada acaba levou-nos inevitavelmente a um local icónico, ponto de encontro de motociclistas há muitos anos, o fantástico Cabo Espichel.

Motos paradas, o fotógrafo a dar tudo, e começaram as trocas de impressões sobre qual destas levaríamos para casa. Foi um dia inteiro sem conseguirmos achar consenso, até porque são as três bem diferentes, assim como nós.

Comecemos pela recém-chegada, a italiana Moto Guzzi V100 Mandello S. O orgulho que ostenta nas suas linhas faz-nos dedicar tempo a admirá-la. Começando no monobraço traseiro (servindo uma transmissão por veio) expondo a jante de 5 raios com o pneu 190, e terminando nas proeminentes cabeças de cilindro, há aqui uma clara definição de carácter, uma ostentação mecânica propositada.

As forquilhas douradas denunciam umas Öhlins semi-activas (sistema Smart EC 2.0) e de repente o “S” no nome começa a fazer sentido, onde os punhos aquecidos, o quick-shifter e a ligação à App MIA da Moto Guzzi estão incluídos. Continuando a navegar nas suas linhas, encontramos uns estranhos entalhes no topo do depósito de combustível.

São os famosos defletores aerodinâmicos, que prometem retirar cerca de 20% do fluxo de ar do corpo do condutor. Embora tenhamos sentido algum efeito, não conseguimos quantificar este valor na práctica, mas temos a certeza de que o factor cool deste pormenor lhe rende muito mais do que isso numa conversa de café. 

Em andamento, rapidamente percebemos o intuito desta máquina. A posição de condução, embora bastante confortável devido ao bonito assento em pele, tem claramente um pendor mais desportivo que turístico, a V100 quer apelar à velocidade.

O pequeno ecrão frontal tem ajuste eléctrico, mas não consegue esconder a sua dimensão, sobretudo nestes dias frios, onde cada centímetro conta. Todo o envelope electrónico é de topo, temos ajudas associadas a uma IMU de 6 eixos (gerindo o Controlo de tracção, Cornering ABS, Travão Motor e iluminação de assistência em curva), mas o que mais impressiona são as inúmeras possibilidades de afinação da suspensão.

Compressão, extensão, pré-carga, anti-afundamento, tudo isto associado aos modos de condução (Tour, Rain, Road e Sport, todos parametrizáveis), ou até como pré-definição manual ao gosto do condutor. Um verdadeiro luxo. A estrada da Lagoa de Albufeira está cheia de imperfeições e ressaltos, e nós demos água pelas barbas ao algoritmo, correspondendo este com brilhantismo.


A Guzzi é uma moto física, sente-se grande na sua distância entre eixos e temos de trabalhar para a fazer deitar, mas a sua estabilidade é à prova de bala… ou de raízes de pinheiro, neste caso.

O seu motor (um bicilíndrico transversal em V a 90º de 1042 cc, debitando 115 cv às 8700 rpm e 105 Nm às 6750 rpm) gosta de viver do seu binário, tem volume na resposta e não se esconde atrás de hipocrisias ditadas pelas normas europeias.
De facto, com esta Moto Guzzi esbanjamos a palavra carácter. E aplicamos o estigma a este bloco, que gosta de mostrar músculo nos médios regimes. Vibrante, cheio e contundente na entrega, comunica connosco com voz grossa e precisa de ser acarinhado para fazer o quick-shifter funcionar. Se podemos indicar alguma peça fora do puzzle, esta será a tal.

Muito embora tenha um accionamento mecânico suave e directo, foi o seu cérebro digital, que bastantes vezes parecia estar a fazer uma pausa para jogar Sudoku, pregando-nos valentes esticões associados a delays, ou até mesmo negando-se a funcionar nas reduções mais quentes. Uma actualização de software resolverá esta questão, acreditamos.

A travagem patrocinada pelos Brembo está acima de qualquer suspeita, implacável na resposta e no feedback.

Moto Guzzi V 100 Mandello S


Quem não tem problemas no departamento da caixa de velocidades é a Honda NT. O grande ex-libris desta moto é o DCT (que conseguimos “espevitar” ainda mais no seu modo S, de três níveis), onde tudo funciona um passo à frente do nosso pensamento.

Pegando neste mote, poderíamos afirmar que esta é uma moto para se conduzir sem pensarmos muito. Toda a sua postura respira tranquilidade e conforto. Vamos sentados direitos, com perfeito controlo sobre os acontecimentos, embalados por um motor (um bicilíndrico paralelo de cambota a 270º, com 1084 cc, debitando 102 cv às 7500 rpm e 104 Nm às 6250 rpm) linear e previsível.

Isto se conseguirmos evitar o ataque de pânico ao olharmos para o interminável número de comutadores no punho esquerdo, que pode perfeitamente ser utilizado como um trunfo na manga para a tal conversa de café. Isso e o ecrã táctil, herdado da Africa Twin (um TFT 6,5”, com conectividade ao smartphone).

A suspensão acompanha esta bonomia, é suave e complacente, entrega um acerto dinâmico correcto para o que esta máquina propõe, longos quilómetros sem preocupações com o físico.

Todo o equipamento de série gira em torno deste propósito (temos punhos aquecidos, descanso central, malas laterais de série) e a electrónica disponível muda-lhe apenas o sotaque, sendo que a personalidade mantém a sua coerência.

São três os mapas de condução (Urban, Tour e Rain), e temos mais dois onde podemos regular o nível de entrega motriz, a intensidade do travão motor e a quantidade de intervenção do controlo de tracção.

A Honda aponta a mira àqueles clientes que procuram uma imediata familiaridade com a máquina, porque todo o seu conjunto respira facilidade de utilização.

Muito embora não sejamos fãs do sistema de ajuste do ecrã frontal, a protecção aerodinâmica da NT é qualquer coisa de notável. Arriscamos dizer que está ao nível de máquinas de turismo referenciais no mercado, e bem mais caras. O assento é cómodo e espaçoso para ambos os ocupantes e a sensação geral de conforto convida-nos a passar muitas horas a rolar na mais perfeita serenidade.

Honda NT 1100 DCT


Se até agora tínhamos caminhado nos extremos da oferta de adrenalina, na Yamaha Tracer 9 GT encontramos um oásis de bom-senso e de enquadramento sport-touring. 

Esta última versão está a milhas de distância da anterior, muito por culpa da nova geometria de quadro (com a mesa de direcção mais baixa 30 mm e um novo braço oscilante), onde o enfoque sobre o eixo dianteiro debelou por completo os crónicos problemas de instabilidade que a geração anterior apresentava.

Esta Tracer está mais adulta, mais refinada, mas mantém um certo simplismo dinâmico que muito nos agradou. Mas vamos por partes. A sigla GT é sinónimo de suspensões Kayaba semi-activas, quick-shifter, punhos aquecidos e malas laterais de série.

Os 4 mapas de motor não têm nomes, mas sim números associados à sua desportividade, e este é o paradigma para a afinação electrónica de todas as ajudas (Controlo de tracção, Controlo de deslizamento da roda traseira, Anti-wheelie, Cornering ABS e iluminação de assistência em curva, todas elas associadas a uma IMU de 6 eixos), uma linguagem directa que traduz a filosofia da moto. 

A posição de condução é confortável muito graças aos ajustes possíveis dos apoios do guiador e dos poisa-pés, até porque o assento, algo rijo, não irá agradar a todos. Temos também um vidro frontal amplo e ajustável manualmente, de operação fácil e directa, mesmo em andamento, oferecendo uma protecção aerodinâmica francamente boa. O motor CP3 (um tricilíndrico em linha com cambota a 270º, de 890 cc, debitando 119 cv às 10000 rpm e 93 Nm às 7000 rpm) é um portento de força e vitalidade, e tanto consegue ser simpático e compreensivo a baixas velocidades, como explosivo e entusiasmante quando lhe pedimos respostas, ajudado por um quick-shifter absolutamente infalível.

Não há muito mais que se possa dizer sobre esta obra de engenharia, este é um dos melhores motores do mercado, sobretudo quando lhe tentamos dar esta polivalência de utilização, apimentando tiradas longas na esperança de chegar àquele troço mais revirado. E toda a ciclística ajuda a enaltecer-lhe as valências…
Esta versão GT tem como ex-líbris as suspensões electrónicas da Kayaba. Temos dois modos. Um mais desportivo e um mais suave e lento nos movimentos, tipicamente orientado para as tiradas maiores. A Tracer deriva de uma naked desportiva e isso nota-se. Sabemos exactamente o quanto a borracha está a sofrer, é extremamente directa a passar todo o feeling mecânico ao condutor sem que se torne demasiado seca ou brusca nas reações, sobretudo no modo mais desportivo.

Yamaha Tracer 9 GT


E assim desenhamos o panorama que vos apresentamos como comparativo, porque os punhos aquecidos e o cruise-control de série nos três modelos já dizem muito sobre o contexto onde se sentem à vontade.

Numa utilização quotidiana, onde a realidade urbana prevalece, a Honda NT tomará vantagem graças à sua impecável protecção aos elementos e à magia da caixa DCT, tudo acontece sem grande esforço. O seu centro de gravidade baixo também será uma mais-valia nas alturas em que as manobras se tornam mais exigentes.

A Tracer 9 consegue uma convivência pacífica na urbe, mas o seu guiador largo penaliza-lhe os movimentos, e a virilidade intrínseca da Moto Guzzi faz mais sentido como objecto de adoração nas esplanadas do que a fazer pontos de embraiagem no trânsito, com os pulsos doridos. 

A V100 gosta de estrada aberta, tem uma comunicação que requer tempo e dedicação para conseguirmos retirar todo o seu sumo desportivo. Num dia solarengo, numa estrada de eleição, seremos felizes a desenhar linhas no asfalto, usando o corpo para ajudar na entrada em curva e saindo em potência ao som de um motor cheio de história.

A exclusividade desta versão S (a Moto Guzzi V 100 Mandello S está disponível desde 18.499 €) é justificada pelas suspensões Öhlins, mas o carisma desta moto ultrapassa largamente as restantes, independentemente do uso de material topo de gama. 
A Yamaha Tracer 9 GT (modelo 2021 disponível desde 14.650 €) consegue ter pequenos vislumbres deste brilhantismo, muito por culpa do absurdo tricilíndrico e da comunicação directa que tem com o condutor. Chamar-lhe canivete suiço seria demérito, porque ao fim de uns quilómetros estamos siderados com o que conseguimos fazer com ela. É sem dúvida uma moto que nos massaja o ego, e isto é um enorme elogio. 
Mas se quisermos deixar de lado a testosterona e usufruir do simples prazer de uma grande viagem de moto, a Honda NT (versão DCT disponível a partir de 15.720 €) liberta-nos os sentidos para o fazer.

O seu conforto ímpar, o seu motor afável e disponível, e a maneira como tudo funciona de modo natural, faz dela uma daquelas motos que vamos encontrar daqui a uns anos com centenas de milhares de quilómetros nos odómetros. E os seus proprietários terão muito mais histórias relacionadas com paisagens do que com momentos de pilotagem épicos. 

E a grande vencedora é… a estrada e as suas infinitas possibilidades de nos levar a conhecer novos mundos.

A ferramenta para viajar podia ser qualquer uma destas máquinas, desde que sejamos criteriosos com o que lhes pedimos. A NT nunca poderá revirar uma Serra com a mesma atitude desportiva da V100, mas se forem 3 serras seguidas, vamos gabar-lhe o conforto e a facilidade de utilização.
O que a Moto Guzzi esbanja em carácter e purismo mecânico, a Honda esconde numa falsa modéstia, para mais tarde provar que endurance também pode ter performance.

Neste jogo de antagonismos, temos no meio uma moto que aparentemente consegue fazer tudo bem. A Tracer tem a displicência de não se preocupar com rótulos porque vive numa permanente inquietação. Será aquela que encaixa melhor a definição de Sport Touring, onde velocidade e conforto se juntam numa simbiose para nos proporcionar grandes dias a despachar quilómetros.

Três motos muito diferentes, três maneiras diferentes de se fazer à estrada. Esperamos ter-vos ajudado a partir…

Opinião Rogério Carmo - Comparativo Sport Touring

Destas 3 motos, todas elas potenciais candidatas a uma grande viagem, a Honda NT1100 é aquela em que fiz mais quilómetros, provavelmente mais de 10.000. Conheço bem tanto a sua versão DCT como a normal, aprecio o seu conforto, a segurança que transmite, a capacidade de transportar um passageiro com toda a dignidade, enfim, é uma turística de gema, capaz de proporcionar uma excelente companhia que é tanto mais apreciada quantos mais quilómetros nela fizermos.

A Moto Guzzi V100 Mandello S era, no início deste teste, uma vaga memória, depois de ter estado presente na sua apresentação internacional, inesperadamente encurtada por atrasos na viagem causados pelo caos instaurado nas companhias aéreas e pelas condições meteorológicas. Depois de 3 dias a rolar com ela, já por terras lusas, redescobri o charme das suas linhas e da sua postura no asfalto. Bem plantada, exigente na escolha da mudança certa para fazer subir rapidamente os níveis de adrenalina, a inebriante banda sonora emitida pelo escape, a excelente qualidade de construção, a excelência dos componentes e o nível de acessorização justificam perfeitamente o valor indicado na etiqueta. Não sendo a mais turística deste grupo, é seguramente a mais entusiasmante.

A Yamaha Tracer era uma recordação muito vaga, que na apresentação da sua versão anterior me tinha deixado convencido de que o motor CP3 ainda não tinha encontrado uma ciclística à sua altura. E agora que tivemos à nossa disposição esta nova versão, confesso que de início até a preteri face às demais. Quando me sentei nela pela primeira vez, para algumas das últimas passagens à frente da lente do fotógrafo, estranhei a sua leveza e a posição de condução mais elevada e exposta relativamente à Honda e à Moto Guzzi. Mas mal comecei a curvar, fez-se luz.

Finalmente o CP3 recebeu uma ciclística à sua altura. Das 3 motos que aqui conjugamos é a mais polivalente, a mais fácil de conduzir e aquela que se revelou mais divertida. Se tivesse espaço na garagem ficava com as 3, a Honda para as grandes viagens, a Moto Guzzi para ir à esplanada fazer inveja com a sua aerodinâmica adaptativa e a Yamaha para ir aliviar o stress numas curvas de montanha.

Opinião Helder Monteiro - Comparativo Sport Touring

À primeira vista estas viajantes são três motos muito diferentes e, apesar de se inserirem no segmento das sport touring, todas elas nos podem levar longe, com conforto e com prestações apreciáveis. Mas no campo do conforto a NT1100 está uns pontos à frente, com uma posição de condução e protecção aerodinâmica referenciais até quando comparada com motos de maior cariz turístico e mais caras.

Com uma caixa automática DCT, da qual pessoalmente não sou grande apreciador, reconheço que neste modelo é onde ela faz mais sentido, com uma resposta pronta e vigorosa do motor em qualquer rotação (o seu funcionamento está francamente melhor), mas, na minha opinião, ainda é demasiado intrusiva nas abordagens às curvas, apesar de os diferentes modos serem parametrizáveis e de contar ainda com o accionamento manual através das patilhas no punho esquerdo. Apesar disso, a Honda NT1100 apresenta um comportamento dinâmico bastante neutro mas que requer habituação. 

Sem o mesmo nível de conforto vem de seguida a reguila do grupo, a Tracer 900 GT equipada com o motor CP3 da Yamaha, do qual é difícil não gostar e, mais difícil ainda, andar em velocidades legais, tal a explosividade dos quase 120 cv disponíveis que dão vontade de acelerar até ao fim do mundo, sempre com um sorriso nos lábios e aproveitando o carácter desportivo de todo o conjunto. 

Num outro extremo temos a Moto Guzzi, uma moto com M grande, que apesar de difícil (não é para motociclistas inexperientes), retribui em dobro todo o esforço que aplicamos para a conduzir. Tudo é diferente na V100 Mandello, em que o fabricante apostou na nostalgia da marca e na envolvência proporcionada por um conjunto cheio de carácter.

Um motor potente e cheio em todas as rotações, ajudado por uma parafernália de ajustes electrónicos que não retiram a essência nem o prazer de condução. A V100 era, sem dúvida, a que eu levava para casa!

andardemoto.pt @ 21-3-2023 00:09:44 - Texto: Pedro Alpiarça | Fotos: Luis Duarte


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