Gracinda Ramos
Professora de artes, pintora e motociclista de todos os dias.
OPINIÃO
Passeando pela Grécia/Balcãs – Bulgária e a bela Plodiv
Foi com uma profunda sensação de perda que acordei e saí para a rua…
andardemoto.pt @ 4-5-2024 17:30:00 - Gracinda Ramos
Eu detesto quando as pessoas começam a chamar “regresso” à minha viagem, mas a realidade é que aquele era o ponto em que até eu sentia que começava a regressar…
Se nada me tivesse acontecido o meu caminho seguiria para a Turquia e teria uma infinidade de coisas para descobrir. Mas na realidade era hora de seguir para a Bulgária e deixar a Turquia para outra viagem, tentando ignorar que estava a menos de 500km de Istambul.
Depois de 3 PanEuropeans e 2 Crosstourers com veio de transmissão, ter uma moto com corrente deixava-me um bocado apreensiva. Eu já inspecionara se o Scottoiler tinha óleo e se a corrente estava em boas condições, mas não há nada mais persistente que uma cisma e, quando vi um stand da Honda, fui lá pedir para darem uma olhada à saúde da minha motita.
Ter uma moto com corrente, e que deu um trambolhão há pouco tempo, requer que lhe dedique alguns mimos. Vamos ver se está tudo bem…
Na época havia muito poucas motos novas nos stands e muita gente estava há meses à espera da sua NT1100, mas ali havia uma toda vaidosa na montra!
Uma mana da minha Penélope à venda, novinha.
A minha motita estava ótima, não precisava de nada, eu é que não consigo ver direito a pressão dos pneus, com esta mão marota a não ajudar nada.
A minha motita foi recebida com muita admiração por ter 20.000km, ainda não tinham visto uma NT1100 tão rodada. E ao verem a minha incapacidade na mão da embraiagem, quase me pegaram ao colo e me mimaram! Chamaram-me super woman.
Percorrendo a Macedónia grega, aquela que obrigou que a Macedónia país se chame Macedónia do Norte, para que não se confundam.
Logo à frente apareceu Xanthi, a cidade das mil cores, dizem.
A mim pareceu-me uma cidade muito alegre e animada, cheia de sol, de gente e de movimento. O sítio ideal para parar e comer qualquer coisa, que o alojamento não tinha pequeno-almoço.
E lá estava a catedral: Καθεδρικός Ναός Αγίας Σοφίας Η Σοφία του Θεού
Sim, este é o nome da catedral de Xanthi! E Xanti escreve-se Ξάνθης
Como não nos sentirmos analfabetos num país daqueles? Será que esta é uma das aflições que deu origem à expressão “viu-se grego”? Pessoalmente eu vejo-me sempre grega naquele país, e dizem que os gregos são eles!
Em língua que se leia o nome da catedral de Xanthi é: Catedral de Santa Sofia a Sabedoria de Deus
As igrejas ortodoxas são sempre fascinantes por dentro, mesmo as mais pequenas e mais modestas, por isso, seguramente, a catedral também tinha de ser linda.
E, mesmo estando a contar com exuberância, sempre me espanto! Com as cores vivas, os detalhes decorativos, os muitos desenhos e pinturas e, claro, os dourados.
Felizmente não havia lá ninguém, sempre me sinto incomoda perturbando as orações das pessoas com a minha presença curiosa, mesmo que me tente tornar invisível. Todo aquele ambiente me impressionava, eu tinha de ter tempo para ver tudo com calma.
Os caminhos para a Bulgária não são muitos naquela zona. É preciso decidir entre uma grande volta pela esquerda ou uma grande volta pela direita e eu tinha escolhido ir pela costa do mar Egeu.
Eu sabia que havia lago e mar, mas, estranhamente, a sensação que tinha era de circular por um grande lago, com zonas pantanosas.
Logo à frente fica Porto Lagos, tão português escrito numa placa, depois de tanto tempo a ler coisas esquisitas por todos os lados!
Porto Lagos fica na barra que separa o segundo maior lago de toda a Grécia, o Lago Vistonida, do Mar Egeu e eu tinha dificuldade em distinguir um do outro, já que tudo parece lago por ali.
E lá estava o Santo Mosteiro de Agios Nikolaos!
Aquele mosteiro é uma dependência do Mosteiro de Vatopedi no Monte Athos. E é único, pois foi construído sobre duas pequenas ilhotas e parece estar a flutuar no Lago Vistonida.
A sensação de encontrar algo que procuro, algo que vi em fotos, livros ou documentos, e descobrir que tudo é exatamente como eu imaginara, é de puro êxtase.
No primeiro ilhéu encontra-se a igreja de Agios Nicolaos e no outro a capela Panagia Pantanassa.
A igreja foi construída para substituir uma anterior destruída num desastre, é dedicada a São Nicolau porque uma imagem de São Nicolau foi encontrada ali.
Não consegui deixar de lembrar-me do nosso Alentejo ao apreciar as paredes brancas, com janelas contornada a azul.
Uma ponte pedonal de madeira conduz ao primeiro ilhéu e uma segunda ponte liga os ilhéus entre si.
Reza uma lenda que, quando aquela zona estava sob o domínio turco, em Porto Lagos vivia um monge santo asceta que curou a filha do senhor daquelas terras. Este, num gesto de gratidão, ofereceu a área ao mosteiro de Vatopedi, no Monte Athos.
Uma outra lenda mais antiga conta que o mosteiro de Agios Nikolaos foi inaugurado com a presença do Imperador Bizantino Arcádio, para agradecer à Virgem Maria por tê-lo protegido de um naufrágio no regresso a Roma.
Tudo é tão bonito e acolhedor por ali que tinha quase um toque de espaço de recreio e não de oração. Felizmente não estava ninguém por lá enquanto andei a explorar, mas essa realidade estava prestes a mudar. Ao longe ouvia autocarros a chegar e muita gente a preparar-se para invadir as pontes até ao mosteiro.
Felizmente as pessoas eram respeitosas e foram-se chegando aos poucos sem perturbarem demais a calma do lugar. Seguramente era turismo religioso, pois havia uma atitude de respeito, que não perturbou o lugar.
E enquanto elas se amontoavam no velário eu pude ainda apreciar em paz todos os recantos que me fascinavam, com direito a picnic em local privilegiado e tudo. Pode-se dizer que foi um picnic sagrado!
Ao longe o mosteiro parecia um pequeno recanto de férias…
Eu adoro conduzir, mas também gosto muito de parar, por tudo e por nada. Estava calor e aproveitei para parar numa estação de serviço para me refrescar e tomar um café, que costuma ser bastante decente em terras gregas. Não valia a pena pôr gasolina naquele momento, já que a gasolina na Grécia era bastante cara e na Bulgária seria bem mais barata. Encostei-me por ali a ver os comentários dos meus amigos facebookianos, que estavam a acompanhar a minha viagem. Então, uns fulanos aproximaram-se de mim e da minha moto!
Fico sempre surpreendida quando alguém me vem ensinar a viajar, como se existissem fórmulas decretadas para o efeito. Mas a verdade é que dois tipos meteram conversa comigo e um foi logo criticando isto e aquilo, assim que percebeu que eu tinha planos. Eu tentei dar a conversa por terminada, mas tive de ouvir que é uma parvoíce planear muito, que o certo é ir rolando e curtindo a estrada, dormir no hotel mais perto e aproveitar a vida. Tive de ver um vídeo que fez em alta velocidade (140km/h valha-me a santa, se isso é tão alto assim!)
Pois é amigo, para curtir a estrada eu não precisava de vir para a Bulgária, não faltam estradas boas em Portugal, os 40.000km que faço por ano são feitos de todas as maneiras, por todos os lados e como me apetece!
“40.000km? Ninguém faz tanto quilometro num ano!!!!” Exclamou com ar de gozo…
Claro que não, eu compro as motos já com os km feitos...
Vamos lá embora para a Bulgária que não me apetece aturar mais maluco nenhum, sobretudo malucos que me vêm ensinar a viajar, mas nunca saíram do seu país!
A perola mais encantadora que recebi foi um “ah, Portugal não é um país grande! A Grécia é muito maior, uma voltinha por aqui é muito mais que uma volta por lá!” disse o super-herói sorrindo.
“Claro que sim, mas eu estou cá neste momento e farei mais de 4.000km só para chegar lá!” – Acho que ele não tinha pensado nisso!
Sempre me sinto privilegiada quando cruzo com uma placa que aponta um país longe de minha casa. Isso fazia-me lembrar da primeira vez que passei por aquela zona. Saía da Turquia na direção da Bulgária, e cruzei-me com uma placa que dizia “Bulgaristão”. Experimentei de novo a sensação de euforia que senti da primeira vez, só por estar ali de novo.
O encanto quebrou-se quando alcancei carros em fila, parados. Mas a fronteira ainda era longe, não podia ser fila para lá. Seriam obras? Um acidente? Não me apetecia ficar ali parada, quando havia tanto espaço para ir furando.
E sim, era a fila para a fronteira, vários quilómetros de fila. A cada curva eu podia vê-la sem fim, a perder de vista na curva seguinte, até finalmente chegar verdadeiramente à portagem.
De onde vinha aquela gente toda, se no meu caminho não havia transito nenhum? Ainda pensei que fossem os milhões de istambulenhos a sair de Istambul e a virem passear para a Bulgária, já que a cidade é tão sobrelotada, mas não, eram quase todos búlgaros.
Eu sempre disse que os búlgaros passeiam para caramba!
Era a primeira fronteira física/terrestre que eu atravessava, já que até ali tinha passado fronteiras em portos. Não havia nenhuma moto na fila, apenas eu e a minha motita e, no entanto, quando chegou a minha vez a pergunta da praxe surgiu: Your friends?
Ao tempo que eu não ouvia aquilo! De alguma forma era como se me sentisse em casa.
No friends, i’m alone!
O homem, nitidamente, aproveitou para conversar um pouco e perguntou onde eu ia, eu respondi que ia visitar o seu país a caminho de casa. O seu ar de surpresa: estás a ir para casa por aqui?
Sim, todos os caminhos vão dar a minha casa, senhor, assim eu queira!
A Bulgária recebeu-me com a maior carga de água, para lavar o lixo da moto.
Normalmente não sou muito contraditória, mas nestas coisas sou:
– Se trago o fato de chuva e não o uso, fico lixada, andei a passeá-lo sem o usar!
– Se o trago e o uso, fico lixada por ter de o vestir no calor e andar por aí toda enchouriçada!
– Se o trago, chove e não o visto a ver se a chuva passa, fico lixada porque devia vesti-lo pois para isso o trouxe!
– Se o trago e o visto, porque começa a chover… fico lixada porque a chuva passa!
– Se não o trago, fico lixada comigo porque fui uma inconsciente e a qualquer momento vou levar com uma chuvada na testa!
Tão eu!!!
É claro que segui numa corrida por ali acima até Plovdiv. Entretanto a chuva parou, mas, mesmo assim, eu não perdi mais tempo. Percebi que não haveria ninguém na receção no alojamento quando chegasse. Eu já lá tinha estado uns anos antes e tinha sido muito bem-recebida. Na época cumprimentei as pessoas pelo seu acolhimento, mas desta vez não iria ter direito a nada, certamente, mas paciência.
E, no entanto!
Quanto tempo as pessoas se recordarão de nós após a nossa passagem?
A tradição ainda é o que era aqui na Old Town Plovdiv!
Estive aqui em 2016 e fui recebida com mensagem personalizada. Hoje voltou a acontecer, mas tive duas, uma na entrada e outra na porta do quarto. Depois de várias mensagens pelo Telegram, tudo estava perfeito à minha chegada. Eu adoro este hostel”.
Eles lembravam-se de mim! Até o gato era o mesmo.
Cada vez que volto a uma cidade tenho em mente coisas diferentes para ver e fazer. Desta vez queria ir passar o serão à Kapana, o quarteirão das artes da cidade.
O alojamento fica no topo do centro histórico, a que chamam Old Plovdiv, então é só ir descendo as ruelas empedradas e apreciando as belas casas coloridas, com debruns bonitos.
Cá em baixo atravessar a estrada movimentada e lá está a Kapana!
Kapana, o quarteirão das artes!
Situado no coração de Plovdiv, lá estava o encantador bairro Kapana, um centro vibrante de criatividade e expressão artística. Um bairro que já foi repleto de oficinas de artesãos no século XV.
O bairro histórico passou por uma transformação notável nos últimos anos, evoluindo para um próspero bairro artístico que atrai visitantes de perto e de longe.
Uma das características mais marcantes de Kapana é a infinidade de murais que adornam as suas paredes, cada um contando uma história única e aumentando o fascínio da área.
Caminha-se pelas suas ruas de paralelo e somos envolvidos por um ambiente pitoresco e acolhedor.
Os murais pintados contribuem significativamente para esse encanto, infundindo cor e vida em cada recanto.
Desde designs complexos que mostram o folclore local até peças abstratas que despertam a contemplação, esses murais servem como contadores de histórias visuais que cativam tanto residentes quanto turistas.
Artistas locais reúnem-se para criar obras impressionantes que refletem o espírito da comunidade. Esta vibrante comunidade artística não só enriquece a paisagem cultural de Kapana, mas também desempenha um papel fundamental na formação da sua identidade como bairro eclético e dinâmico.
O charme do bairro Kapana é inegável. O bairro é um testemunho do poder transformador da arte.
Kapana tornou-se não apenas um destino de visita obrigatória, mas também um exemplo brilhante de como a criatividade pode dar nova vida aos espaços urbanos.Jantar num ambiente único, onde a arte se funde perfeitamente com a gastronomia, foi uma experiência fantástica. Estar cercada por murais impressionantes e elementos artísticos eleva a atmosfera a outro patamar!
Sentei-me numa esplanada ao ar livre, coisa que sempre melhora a experiência e o humor, e permiti-me desfrutar da beleza do ambiente enquanto saboreava um prato de carne deliciosa e um copo de vinho local, bem ao meu gosto.
E pronto, depois era hora de voltar a subir as ruelas até ao alojamento, procurando fazer caminhos diferentes, que não gosto de voltar pelo mesmo caminho.
Vamos lá tomar um banho e dormir que tenho uma mão para pôr a descansar…
andardemoto.pt @ 4-5-2024 17:30:00 - Gracinda Ramos
Outros artigos de Gracinda Ramos:
Passeando pela Grécia/Balcãs – Subindo a Grécia até Drama
Passeando pela Grécia/Balcãs – a tarde em Delfos e o serão em Meteora
Passeando pela Grécia/Balcãs – de Esparta até Atenas dando a volta ao sul
Passeando pela Grécia/Balcãs – Por Olympia até Mystras
Passeando pela Grécia/Balcãs – Descendo a Grécia até Mesolongion
Passeando pela Grécia/Balcãs – Mais mar… até à Grécia!
Passeando pela Grécia/Balcãs – Descendo a Itália até Bari
Passeando pela Grécia/Balcãs - Atravessando o Mediterrâneo, 2022
Passeando pela Grécia/Balcãs – dia de embarcar, 22/08/2022
Passeando pela Grécia/Balcãs – Até Ordesa, 2022
Passeando pela Grécia/Balcãs - Espanha, 2022
Passeando pela Grécia/Balcãs – partida, 2022
Clique aqui para ver mais sobre: Opiniões