Teste Royal Enfield Himalayan 450 - Até ao #tectodomundo
Há modelos que se tornam ícones quase instantâneos, e a Himalayan é um deles. Desde o seu aparecimento, em 2016, que criou uma legião de fãs pelo mundo fora. Mas a Royal Enfield decidiu redesenhá-la a todos os níveis, e nós fomos perceber se a sequela supera o original…
andardemoto.pt @ 28-5-2024 18:33:41 - Texto: Pedro Alpiarça | Fotos: Luis Duarte
Existe um jornalista australiano que regressou há dias do teto do mundo. Ex-piloto de motocross, videografo e um excelente contador de histórias, conseguiu convencer a marca indiana a emprestar-lhe a sua mais recente coqueluche para que pudesse atravessar a mais alta cordilheira acima do nível do mar..
As imagens nas redes sociais são de pura poesia motociclística, com cenários deslumbrantes de vales recortados nos picos montanhosos, estradas (se lhes podemos chamar assim) com precipícios mortais, relevos de aspecto lunar polvilhados com neves eternas… Um absoluto e contínuo orgasmo visual, onde o foco da aventura se serve da máquina para um mergulho sensorial único.
Inveja da boa, como se costuma dizer. E aqui, na arriba fóssil de onde observo o caótico planeamento urbano da maior praia da região de Lisboa, penso nessa viagem, e no quanto a Royal Enfield Himalayan se adequa a esse propósito.
A honestidade mecânica que sempre vendeu, e até mesmo o seu purismo dinâmico, sempre estiveram mais associados a um estado de espírito mais próximo do viajante do que do viciado em adrenalina (do género: “vamos mais lentos, mas chegamos mais longe”…).
Até a sua imagem robusta, com mais ferro à vista do que o habitual plástico que envenena o planeta, fez dela uma moto de quem o mais vegano dos motociclistas sente dificuldade em dizer mal!
Exageros à parte, toda a simpatia gerada por esta forma de estar, criou um culto muito específico, e quando assim o é, a sucessão carrega aos ombros um peso enorme, o chamado “legado”. E esta é a grande batalha que a nova Himalayan terá de vencer, provar a todos os seus seguidores que o caminho para a evolução tem de passar necessariamente por um salto qualitativo na sua tecnologia, mas sem perder o tão peculiar carácter. O Sherpa nepalês comprou um telemóvel…
O trabalho realizado no seu design foi meticulosamente estudado para criar uma harmonia de formas que não se distanciassem muito das linhas originais. A silhueta permanece facilmente reconhecível, mas todas as grandes peças estruturais surgem mais fluidas, desde o formato do depósito às muito reconhecíveis crash-bars superiores.
Há mais LED na iluminação (na verdade, existe apenas LED), e há soluções copiadas de gigantes da indústria (os faróis traseiros estão incluídos nos indicadores de mudança de direcção, uma imagem de marca da BMW), numa clara provocação às regras instituídas.
Temos mapas de condução (consequência de um acelerador ride-by-wire), practicamente o dobro da potência disponível, suspensões de performance superior e até mesmo um ecrã TFT com navegação à séria (esqueçam as “setinhas” em x metros, estamos a falar de Google Maps espelhado)!
Tudo isto sem perder aquele ar simpático de Golden Retriever, sempre feliz por nos agradar.
Nos primeiros metros aos seus comandos, a posição de condução permanece um lugar confortável para se viver, os braços estão no sítio certo (afastados que baste para garantir controlo), e a colocação dos poisa-pés (com capacidade de poderem retirar a borracha anti-vibrações e ficarem com um perfil mais agressivo) está no ponto certo para albergar diferentes estaturas sem grandes penalizações posturais.
Os comutadores mantêm a imagem da família, mas acredito que o pequeno “joystick” que dá vida ao sistema digital, irá sofrer bastante em circunstâncias mais agressivas. A Himalayan 450 sente-se robusta mas acessível, muito embora o seu volumoso depósito de combustível em metal pareça imponente (17 L de capacidade) quando nos sentamos atrás dele, o assento ajustável em altura (825/845 mm) ajuda a acalmar os nervos dos condutores mais baixinhos.
Aqui este vosso grandalhão gostou bastante da neutralidade de sensações a baixa velocidade, um traço de personalidade muito bem vindo no fora de estrada…
No asfalto, a Himalayan 450 brilha pela sua nova disponibilidade, patrocinada sobretudo pelo novo motor e suspensões. O monocilíndrico de 451,65 cc está mais desenvolto e os seus números nunca estiveram tão redondos. São 40 cv para 40 Nm e a subida de regime mostra-se solícita e descomprometida.
Não amei a sensação algo plástica do motor, a baixas rotações, talvez causado pela parca nota de escape, mas quando rodamos o punho surge uma agradável sensação de “goela aberta” causada pelo ruído da alimentação.
A nova Royal Enfield Himalayan 450 parece uma moto completamente nova neste departamento, podendo mesmo dizer-se que se encontra a uma montanha de distância do modelo anterior (uma analogia fácil). Tem progressividade até ao limitador e tem vontade de o mostrar sem pudores ou complexos.
Poderia até ter um pouco mais de saída nas baixas rotações (sobretudo no fora de estrada), mas o bom escalonamento da caixa de velocidades (precisa e mecânica, sem defeitos) ajuda a debelar possíveis engasganços na comunicação com o acelerador.
A jante dianteira de 21” (com 17” na posterior) pinta as típicas reacções trail na inserção em curva, lenta nas transições mais bruscas, mas confiante na sua capacidade superior de absorção de irregularidades.
As novas suspensões (Forquilha invertida Showa SFF-BP com 43 mm de diâmetro e monoamortecedor com ajuste pré-carga, com 200 mm de curso em ambos os eixos) trabalham de forma sofisticada, ajudando a compensar a travagem potente (Disco de 320 mm com pistão duplo na dianteira e disco de 270 mm na traseira, sistema da marca BYBRE, da família Brembo) e transmitindo confiança na leitura do piso nos andamentos mais vivos.
Que não existam dúvidas, a dinâmica estradista da nova Himalayan está ao nível do melhor que se faz no segmento, colocando a diversão num patamar que não deve - nem pode - ser ignorado (um espevitado comparativo com a Triumph Scrambler 400 X está nos nossos horizontes…).
O pequeno deflector frontal tem um propósito meramente estético e apenas dou graças às suas parcas dimensões quando tento uns quantos malabarismos no fora de estrada…sem necessidade nenhuma. Devia imaginar-me a caminho de Katmandu e não a fazer o LAL Off-Road de faca nos dentes.
A culpa é desta ciclística competente, cujo comportamento das suspensões assume o palco principal. Mas não deixa de ser uma moto com quase 200 kg, com um maior crivo de viajante do que de trialeira.
Os mapas de motor disponibilizam uma opção “Performance” que permite desligar o ABS da roda traseira, com todas as vantagens óbvias que daí advêm, mas o modo “Eco” pareceu-me um pouco redundante, numa máquina que consegue consumos abaixo dos 4 L/100 km, sem medo de entusiasmos maiores…
Na estrada, a vontade de montar uma viagem até à Mongólia torna-se cada vez mais premente, mas um pequeno grande pormenor fazia tremer o meu olho esquerdo (o das preocupações, o direito só treme depois de muito vinho tinto).
No elegante painel TFT (com real capacidade de navegação, e de fácil interação com um smartphone), vejo a tecnologia que pode ser a desgraça de quem quer ter horizontes largos.
Se o mostrador analógico dá aos seus ponteiros a honestidade de poder olhar para a alma do motor, um sistema integrado faz-nos pensar que se a electrónica falha no meio do nada, é bom que tenhamos dados móveis para poder ligar a moto a um computador…
Mas estes são os nossos tempos, e a Royal Enfield adaptou a sua Himalayan (preço desde 5.887 €) para agradar num mundo cada vez mais digital. Nada contra, até porque o hardware mecânico está francamente melhor. Dá seguimento ao legado, com orgulho e distinção, apenas com mais vontade de criar hashtags…
Equipamento:
Neste Teste usámos o seguinte equipamento de proteção e segurança:
Casaco: Alpinestars Venture XT
Luvas: REV’IT! Volcano
Calças: REV’IT! Jeans Lombard 3 RF
andardemoto.pt @ 28-5-2024 18:33:41 - Texto: Pedro Alpiarça | Fotos: Luis Duarte
Clique aqui para ver mais sobre: Test drives