Paula Kota
OPINIÃO
Sim, Tenho medo…
A pergunta que mais me fazem é … Não tens medo? Costumo responder com uma pergunta … Medo? De quê? Não, não tenho medo de ir para destinos mais “exóticos” ou complicados. Não tenho medo de enfrentar o desconhecido, tenho é curiosidade. Não tenho medo da solidão. Eu nunca estou só! As pessoas são gentis e hospitaleiras no mundo inteiro. Faz parte na natureza humana. E uma Mulher com coragem é respeitada e admirada por todos, qualquer que seja a crença. Tenho experiência disso.
andardemoto.pt @ 8-4-2018 18:03:00 - Paula Kota
O Medo, o meu Medo, é outro.
Cada vez que me sento na vermelhinha o coração começa a bater mais forte. Quando vou de viagem, a excitação até me dá suores. A ansiedade tira-me o sono na noite antes da partida. Há quem lhe chame adrenalina. Os médicos dizem que quando o cérebro manda libertar adrenalina no sangue, é o corpo a responder ao medo.
Felizmente, desaparece tudo na primeira esquina ou nos primeiros 100 km. A estrada e o vento tratam dos sintomas. Mas o medo acompanha-me sempre. Uma voz lá no fundo da consciência a gritar. Quando ando de moto os meus sentidos estão em alerta máximo. É inconsciente. Há quem diga que não. Não acredito. Somos todos seres humanos com aquela característica comum – o instinto de sobrevivência.
Quem nunca sentiu aquele arrepio numa qualquer situação mais arrojada ou perigosa? Eu já! Não tenho nenhum problema em admiti-lo. Ainda me lembro das vezes que fui ao chão, a rebolar no alcatrão, numa sucessão de alcatrão-céu-cinza-azul-alcatrão-céu-cinza-azul. Ouvir o estrondo da mota a cair, plásticos a raspar, o metal a gritar fagulhas, com um único pensamento - espero que a moto não deslize para cima de mim. Depois é um check-up do corpo a ver o que dói ou o que não mexe. Só de me lembrar disso tremo de pavor. Só quem já “foi ao chão” é que percebe.
Ando devagar. Pois é …. A minha “adrenalina” esgota-se nos desafios diários do trabalho. Quando me sento na moto a minha felicidade é passear, ir para a estrada, sentir.
Só eu, a máquina e o mundo.
Confronto-me comigo mesma, estou só eu, não há ninguém com quem falar. Os pensamentos atropelam-se, arrumam-se e por fim esgotam-se também. Falo sozinha, canto, penso e depois é o nada. Chamo a isso “modo robótico” uma espécie de zen ou meditação em que apenas funciona o instinto de sobrevivência, todos os outros circuitos desligam-se.
A estrada, por si só, já representa perigo suficiente para desafiar a réstia de instintos aguerridos, o trânsito à nossa volta é suficiente para ligar todos os sentidos, treinar o alerta, sentir-me viva. Ando devagar porque tenho medo. Já conversei muitas vezes com o alcatrão e sai sempre mal. Já estoirei duas motos e tive de me esforçar para comprar outras. Sinto-me cansada de aventuras efémeras, de uma dúzia de kms à velocidade da luz que não trazem iluminação ao meu espírito. Só trazem dor. Dores nas costas, dores nas mãos, dores dos arranhões, cicatrizes, nada que me faça feliz. Tenho medo. Tenho uma filhota para criar, não tenho finanças para pagar multas, não tenho pachorra para ficar sem carta.
Nas viagens que faço por países distantes, em trilhos a que chamam “estradas” nunca arrisco. Já é um grande risco estar lá. O objetivo é conhecer o país, as gentes, deslumbrar-me com as paisagens. Nunca me passou pela cabeça chegar cá e gabar-me de uma qualquer aceleradela “à campeão”. Por vezes dou comigo a pensar que o próximo hospital decente é …..noutro continente. Mesmo nos países ditos “civilizados” onde a ajuda pode vir rápido, só penso que estive um ano inteirinho a sonhar com esta aventura e por causa de uma palermice a minha viagem pode acabar aqui. Regressar num reboque apavora-me. Lá se foi o sonho.
Sim, por vezes tenho medo e ando devagar. Mas chego sempre ao destino!
Paula Kota
andardemoto.pt @ 8-4-2018 18:03:00 - Paula Kota
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