Vitor Sousa

Vitor Sousa

Jornalista

OPINIÃO

Ainda (e sempre) a segurança rodoviária

A segurança rodoviária é um tema que preocupa os portugueses. Há décadas.

andardemoto.pt @ 21-9-2024 12:30:00 - Vitor Sousa

Infelizmente, parece não preocupar o suficiente. O suficiente para se desmontarem determinados mitos e ir contra interesses instalados. Um assunto que exige uma mudança de mentalidade (e de atitude) que permita enfrentar o problema, sem tabus nem condicionalismos. Essa mudança tantas vezes anunciada e nunca concretizada.

Apesar dos esforços desenvolvidos pela Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária ansr.pt nos anos mais recentes – certamente motivados pelo dinamismo do seu actual Presidente, Rui Ribeiro – a ‘questão’ está longe de se ver resolvida. Pelo contrário. Os problemas antigos subsistem, surgem novos e a vontade de agir esbarra em muralhas lobistas, ou marés políticas, que impedem a concretização de um pleno verdadeiramente eficaz.

Aos problemas de sempre, junta-se um conjunto de ‘novos desafios’. Uns trazidos pela evolução tecnológica, outros por mudanças na sociedade, em especial no pós-COVID. São os ‘sistemas de entretenimento’ de série nos automóveis (e motos) que contribuem para uma cada vez maior imersão nos mesmos e fuga de atenção da estrada e da condução, as funcionalidades crescentes dos telefones inteligentes e a sua utilização em condução (incluindo as mensagens escritas), as ‘ajudas’ à navegação que levam o condutor a agir sem pensar à voz de comando do GPS, o aumento exponencial dos serviços TVDE, em muitos casos com “encartados” ao volante que não falam uma palavra de português mas passaram testes de certificação (a lei vai mudar, parece, e o IMT vai assumir exames presenciais… o que não é, necessariamente, um factor de alívio), o enxame de entregadores de alimentos, etc, etc…


Mais tudo aquilo que vimos discutindo há décadas, sem resolução: degradação do estado das vias e ineficaz, tardia e desajustada conservação das mesmas, estradas mal desenhadas, acessos problemáticos, sinalização inexistente, gasta ou confusa, abuso das velocidades, em especial nas localidades, desrespeito ou ignorância do Código da Estrada, despreocupação total na prática de manobras perigosas, condução sob influência do álcool, sem seguro de veículo e muitas vezes sem carta…

Porém – e esta é uma opinião pessoal baseada em muitos anos de conversas e análises neste campo - os maiores problemas da segurança rodoviária em Portugal são, basicamente, dois. É verdade, apenas dois. Nucleares, de base. E sem a resolução dos quais, com planos eficazes e sérios, nada irá mudar. Podemos aumentar o número de radares, reduzir as velocidades máximas, melhorar todas as estradas, mas se não actuarmos no sistema de ensino da condução e não acabarmos com o sentimento de impunidade existente nada mudará.


Por partes.

Primeiro: o ensino. É uma tecla em que se bate há muito tempo. Com razão. Todos sabemos que ninguém aprende a conduzir numa escola de condução. Não se fica a conhecer a dinâmica do veículo nem a do ambiente rodoviário. Aprende-se (mal) para passar num exame. Exame esse, fortemente condicionado por humores ou cansaço (legítimo) dos examinadores. O fortíssimo lóbi das escolas de condução resiste a que se façam as reformas profundas e necessárias no ensino da condução. ‘O ensino para a segurança rodoviária começa na escola’ é um cliché demasiadas vezes repetido e, por isso, cada vez menos levado a sério. Mas é verdadeiramente aí que tudo tem de começar. E o ensino técnico, nas escolas de condução, tem de ser muito mais sério e rigoroso. Para que o exame também o seja. É todo um modelo que tem de ser mudado. Aprender a dominar a máquina, em diferentes condições, e a ‘ler’ a estrada e os outros.

Chegámos ao ponto em que são as entidades privadas (como a escola da Honda Portugal e o ACM acm2r.com no caso das motos) que fazem a formação de base que falta a todos (!!!) os condutores que saem encartados do exame oficial.

Segundo: a impunidade. Toda a gente faz o que quer no trânsito: traços contínuos, sinais Stop, rotundas, prioridades, semáforos, estacionamento, atropelamentos (com fuga), vale tudo… Pergunto, quantas patrulhas preventivas da PSP ou da GNR vemos na cidade ou na estrada durante um dia normal? A resposta raramente deixará de ser: nenhuma! Isso não existe. Só vemos a autoridade na estrada em Operações Stop, ou em carros descaracterizados em perseguições na Auto-Estrada, ambas com o mesmo objectivo: cobrança de fundos para o Estado (outra forma de imposto, como os radares e as portagens, aliás).

Um carro-patrulha estacionado com um agente visível fora dele, de frente para o tráfego, em locais sensíveis, faz mais pela segurança rodoviária que algumas centenas de milhares de Euros investidos em campanhas! Acautelar em vez de punir. Essa é a verdadeira prevenção.

A que juntaria, neste ponto, a consideração séria do crime rodoviário. Matar um motociclista que embate contra um carro que faz uma inversão de marcha em cima de um duplo traço contínuo, matar uma pessoa na passadeira e fugir, conduzir sem habilitação, sem seguro e ébrio, são crimes que não se resolvem (pelo exemplo que dão) com trabalho comunitário e penas suspensas. Sem a repressão (sim, sem medo das palavras) séria e responsável de quem mata e fere para a vida na estrada nunca mais sairemos do “fartar vilanagem”!

andardemoto.pt @ 21-9-2024 12:30:00 - Vitor Sousa


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