Vitor Sousa
Jornalista
OPINIÃO
Aí estão eles!
Praticamente uma década depois da minha última visita, regressei este ano (2024) à EICMA- Salão das Duas Rodas de Milão. O lapso temporal em que estive afastado do famoso certame serviu – mais não fosse – para tornar claro e indiscutível aos meus olhos, o facto que me parece ter sido o mais relevante da edição nº81 da exposição milanesa: os construtores chineses vieram para ficar, e dominar, o mercado mundial das duas rodas.
andardemoto.pt @ 30-12-2024 12:30:00 - Vitor Sousa
Já não falamos (apenas) de baixas cilindradas, estéticas (mal) decalcadas de modelos conhecidos e nomes de difícil pronúncia que, inevitavelmente, nos deixava, no rosto o esboço de um mal disfarçado sorriso irónico. Não! Somos hoje obrigados a falar de uma notória evolução em todos os capítulos industriais e de uma estratégia que não engana. As marcas chinesas (especialmente as que neste momento cavalgam a vanguarda tecnológica e – imagine-se! – de marketing) vieram para ficar e, conforme demonstraram em Milão, na sequência de sinais anteriormente vislumbrados, estão prontas para atacar sem cerimónia os segmentos de mercado que têm sido liderados e dominados por europeus e japoneses nas últimas décadas.
Bastava passar pelos corredores dos enormes pavilhões da feira italiana para nos apercebermos. Através da sua numerosa presença, da área que alguns dos seus stands ocupavam e das soluções que foram apresentadas. Marcas como a CF Moto, Voge, QJ Motor, Kove ou até as que tendo nascido europeias foram, entretanto, adquiridas ou revitalizadas por grupos chineses, como Benelli e Moto Morini surpreenderam e deixaram muita gente boquiaberta. O atrevimento é total: trails de aventura de média-alta cilindrada, desportivas de média cilindrada, motos elétricas, scooters de todo o tipo e cilindrada e até um motor V4 para futura aplicação… Tudo, ao mesmo tempo, em todo o lado! Talvez seja a melhor forma de descrever a atual ofensiva chinesa.
Isto é indiscutível. Mas este ataque descarado à posição dominante das marcas europeias e japonesas só é possível, claro, devido à situação única em que vive a segunda maior economia mundial. Tratando-se de um regime comunista – portanto, alheio às regras do multipartidarismo e nada preocupado com a legitimidade democrática de quem manda – e sendo, em simultâneo, uma economia que assenta a sua pujança nas regras mais básicas do capitalismo (uma espécie de Capitalismo de Estado, portanto), a China colocou-se nos últimos anos numa posição em que forçou o planeta a depender, em muitas áreas, da sua capacidade industrial. Esta circunstância, como se calcula, deixa de mãos e pés atados os países que lhe queiram fazer frente, imaginando conter a avalanche através de processos de contingentação.
É melhor habituarmo-nos à ideia. Além do mais, suportados por fortes apoios estatais, os fabricantes chineses estarão nos próximos anos em posição de dominar o mercado motociclístico mundial em termos de volume.
Do outro lado da barricada, os japoneses podem ainda contar com a sua forte penetração nos mercados asiáticos para poderem continuar a conter a pressão, mas os europeus terão de ser inteligentes e encontrar estratégias que sirvam os seus interesses, a sua rentabilidade ou até, em casos extremos, a sua sobrevivência.
andardemoto.pt @ 30-12-2024 12:30:00 - Vitor Sousa
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