As motos da “Guerra” - A “Guerra relâmpago”

parte 2 de 4

Na sua veloz cavalgada pelos países europeus em Maio e Junho de 1940, no dealbar da II Guerra Mundial, o exército nazi pôs em prática um conceito tático que rompeu com os cânones existentes à época e ridicularizou as defesas ocidentais (tal como fizera, antes, em Setembro de 39, com as polacas).

andardemoto.pt @ 22-12-2024 12:30:00 - Texto: Vitor Sousa

A rapidez da sua ofensiva ultrapassava os tempos de resposta, as linhas de defesa e as comunicações dos aliados, tendo ‘varrido’ o Luxemburgo, a Holanda, a Bélgica e a França e conseguido um armistício em menos de 50 dias. O princípio que assistia a esta manobra era de uma simplicidade genial: os exércitos devem deslocar-se à velocidade dos seus veículos, não à das suas tropas apeadas. Idealizada pelo General Heinz Guderian viria ficar conhecida como ‘Blitzkrieg – guerra relâmpago” e assentava em três pilares: rapidez de manobra, ataques de grande capacidade destrutiva e efeito surpresa. Esta avalanche armada visava desmoralizar, desorganizar e confundir o adversário.

Fortemente apoiada nos tanques Panzer (diminutivo de Panzerkampfwagen – veículo blindado de combate), e com forte cobertura aérea (sobretudo pelos temíveis Stuka, bombardeiros de mergulho) esta tática teve ainda um forte contributo de outro veículo: a moto.

Forças motorizadas que participaram na parada dos Campos Elísios, em Paris, a 14 de junho de 1940

Forças motorizadas que participaram na parada dos Campos Elísios, em Paris, a 14 de junho de 1940

Como vimos no artigo anterior, quando da I Guerra Mundial, a moto teve um papel predominantemente logístico no confronto, de apoio às manobras dos exércitos numa guerra de trincheiras, estática, serviu para policiamento e teve um papel determinante, sim, nas comunicações, conduzidas por hábeis mensageiros.

No conceito de manobra de Guderian, a moto tinha um papel mais activo. Esta guerra motorizada, necessitava de intervenções rápidas para controlar pontos fulcrais (estradas, pontes, cruzamentos…) e a moto – quase sempre equipada com side-car onde era montada uma metralhadora pesada – desempenhava esse papel na perfeição. Era, igualmente, um veículo ideal para acções de reconhecimento.  Beneficiando da sua rapidez, facilidade de manobra e pequeno volume, tornava-se um alvo difícil de atingir e facilmente camuflável.

Duas marcas competiram pelo fornecimento às forças armadas do ‘Reich’ nestes tumultuosos anos de 1939 a 1945 e dois modelos mereceram destaque pela sua valia e operacionalidade: a BMW, com a R75 e a Zundapp, com a KS750.

Um par de motos Zundapp em território francês

Um par de motos Zundapp em território francês


BMW R 75

Max Fritz, o “pai” da moto BMW, inspirou-se numa Douglas Boxer do tempo da I Guerra Mundial para ‘inventar’ a sua R32, em 1923. Pegou no bicilíndrico oposto da moto inglesa e ‘virou-o’ para um posicionamento longitudinal (sentido de orientação da cambota), com os cilindros ‘para fora’. Desse modo resolveu um dos problemas crónicos da moto inglesa – a refrigeração – e criou espaço para a introdução de um veio de transmissão, mais duradoura e resistente que as soluções de correia ou corrente de elos. Ideal para a utilização em terrenos agrícolas, nas colónias alemãs em África e, pela acessibilidade e fácil manutenção do conceito, também pelas forças policiais e militarizadas.

Com a ascensão de Hitler ao poder, a indústria alemã conheceu um desenvolvimento brutal. O ditador exigia que as diferentes empresas competissem entre si de modo a acelerar o desenvolvimento e os feitos do “povo alemão”. Enquanto nas ‘quatro rodas’, Auto Union e Mercedes se degladiavam pela glória nas pistas, nas ‘duas’ a BMW (que produzia, sobretudo, motores para a aviação), a Zundapp (fundada em 1917), a NSU, a DKW e a TWN (Triumph Werke Nuremberg, fundada por Siegfried Bettemann, o mesmo que fundara a Triumph Motorcycles em Inglaterra, mas, entretanto, separadas) disputavam o lugar de primazia. A TWN acabou por se focar na produção de veículos equipados com motores de pequena cilindrada a dois tempos, deixando às suas rivais essa disputa pelo fornecimento em grande número de unidades às forças armadas.

BMW R 75 no museu

BMW R 75 no museu

Em Munique, Fritz evoluiu rapidamente o seu conceito inicial na década de 1920 e 1930. As R42 e R52 posicionaram a marca. E em 1938 chegou a encomenda oficial do Reich para a produção de uma moto militar. No ano seguinte, e a poucos meses do eclodir do conflito, a BMW foi à Ilha de Man vencer o Senior TT, através de Georg Meyer, aos comandos de uma BMW de 500cc sobrealimentada. Estava conquistado o prestígio.

A moto militar da Bayerisch Motoren Werke (Fábrica de Motores da Baviera) mais bem sucedida seria a R75. Tratava-se de uma evolução da R71 “civil”, adoptando uma distribuição de válvulas à cabeça em vez das válvulas laterais, ganhando em desempenho e fiabilidade. A cilindrada seria de 745cc, debitava 26cv, e deveria poder ser equipada com um side-car com transmissão, através de um diferencial com bloqueio, e caixa de velocidades com opção on/off-road e marcha-atrás. Esta moto, porém, só entrou em produção em 1941, o que significa que não teve papel activo na ‘Blitzkrieg’ de 1940. Aí esteve em acção a R12 – mais básica.

BMW R 75

BMW R 75


BMW R75 ao serviço do Afrika Korps

BMW R75 ao serviço do Afrika Korps

A R75 conquistaria grande reputação, não apenas na Europa, mas também nas areias da Tunísia ao serviço do ‘Afrika Korps’, na lama ucraniana ou na neve russa, em duras condições de combate. Aliás, a eficácia da R75 era de tal forma, que os próprios exércitos aliados não hesitaram em produzir as suas próprias versões da R75 alemã. A Harley-Davidson foi a que se saiu melhor, com o modelo XA, mas também a Indian produziu uma cópia, a 841. Ambas equipadas com motor boxer longitudinal, 740cc, side-car, transmissão por veio, mas válvulas laterais em vez de ‘à cabeça’. Não foram produzidas em grande número, nem tiveram o mesmo impacto que outros dos seus modelos (como veremos em artigo futuro). A União Soviética produziu a Dnepr M72, que viria a ser replicada posteriormente pela Ural. Até a Douglas, que servira de inspiração à R23 de Fritz, construiu uma ‘boxer’ longitudinal no pós-guerra (Mark V). Também a China comunista viria, mais tarde, a produzir uma réplica da BMW R75, a Chang Jiang CJ750.

O sucesso da R75 como veículo multiusos do exército alemão ficou bem provado na influência que teve em termos de harmonização do seu uso em conjunto com outros veículos de unidades móveis (especialmente de reconhecimento), ‘golpes de mão’ e controlo de pontos sensíveis. Pode dizer-se que a moto com side-car (que já havia sido testada antes, na verdade) deu uma nova utilidade ao veículo de duas (e três...) rodas nas forças armadas. A BMW R 75 contribuiu sobremaneira para tal.

Estava prevista a produção de mais de 20.000 unidades deste modelo, mas os fortes bombardeamentos dos aliados em 1944/45 acabaram por atingir gravemente a fábrica de Eisenach. A produção terminou nas 16.500 unidades (algumas fontes referem 18.000).

ZUNDAPP KS750

A outra grande máquina de guerra do Reich da indústria motociclística foi a Zundapp KS750. Embora a marca de Nuremberga fosse mais antiga, e mais conceituada, na produção de motociclos, numa medida de economia do esforço de guerra, o Alto Comando do Exército (Oberkommando des Heeres – OKH) forneceu as mesmas características na sua nota de encomenda à Zundapp e à BMW e procurou, desde o início, que as duas marcas se entendessem para a produção conjunta de moto “por medida” para a Wermacht.

Seguindo caminhos muito semelhantes – não podia deixar de ser – consta que a solução apresentada pela Zundapp batia a da BMW, nomeadamente na transmissão conjunta moto/side-car… O projecto acabou por ser muito semelhante, como pretendido, com as duas marcas a partilharem numerosos componentes, facilitando assim a logística do exército. Por isso, também, é muito difícil distinguir ambas as motos em fotografias da época.

Zündapp KS 750

Zündapp KS 750


Tal como a BMW R75, também a Zundapp KS750 só entrou em acção em 1941. As qualidades táticas e a eficácia na manobra da Zundapp, era em tudo idêntica à da sua rival de Munique. Foram igualmente produzidas mais de 18.000 unidades até 1945.

A Zundapp viria a produzir uma outra moto, a K800, muito idêntica no essencial à 750, mas dotada de um motor longitudinal de quatro cilindros. Exactamente a mesma solução técnica que a Honda viria a adoptar para a sua primeira Gold Wing em… 1974. Seria a única moto com um motor tetracilíndrico no palco da II Guerra Mundial.

Zündapp_KS-750

Zündapp_KS-750

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