As motos da “Guerra” - Ao serviço de sua Majestade
parte 3 de 4
Na I Guerra Mundial, as marcas britânicas haviam sido parte integrante do esforço bélico e fundamental no apoio às trincheiras, garantindo rápidas e eficazes vias de comunicação entre os comandos e a frente. Douglas e Triumph haviam-se destacado no fornecimento das forças armadas de ‘Sua Majestade’, mas no conflito que se seguiu, outras duas marcas suas concorrentes emergiram como principais fornecedoras.
andardemoto.pt @ 29-12-2024 12:30:00 - Texto: Vitor Sousa
No início de 1935, precavendo-se contra os ‘ventos de guerra’ que sopravam do continente, o governo britânico acelerou a produção da sua indústria de armamento e respectiva logística. Às marcas de motos (várias e de grande saúde à época), encomendou novos modelos que pudessem substituir o material antigo. Por um lado, não estava muito satisfeito com o desempenho da BSA B15 (2 cilindros em V, 500cc), por outro necessitava de substituir em grandes quantidades o velho material da Douglas e da Triumph (que conhecera grande sucesso entre 1914 e 1918 com o famoso modelo H).
NORTON WD16H
Concorreram oito fabricantes. A Norton – na altura, talvez a mais credenciada, que não a maior, fruto, em grande parte, do seu incrível sucesso desportivo – acabou por ficar com a parte de leão das encomendas iniciais. Divididas por dois modelos: a 16H e a ‘Big 4’, esta equipada com side-car e tracção nas duas rodas posteriores (à maneira da BMW R75). Apesar do sucesso da 633 WD ‘Big 4’ (WD de ‘War Department’), a Norton WD16H tornar-se-ia numa das principais motos das forças armadas britânicas durante a guerra, só ultrapassada em números de produção pela sua rival BSA M20.
Tendo a sua produção começado em 1936 na versão militar, a 16H seria uma das preferidas dos utilizadores. Leve, ágil, era fácil de manobrar e tinha um motor que respondia eficazmente, em boa parte, carcaterísticas que tinha conquistado nas ‘pistas’. Quando o conflito começou, a 1 de Setembro de 1939, a Norton já havia renunciado à produção das motos ‘civis’ e encerrado o seu famoso departamento de competição para se concentrar totalmente no esforço de guerra. Cerca de 300 motos saíam semanalmente da linha de montagem de Bracebridge Street, em Birmingham, número que chegou aos 500 em 1940.
Os segredos da 16H eram a sua simplicidade e fiabilidade, sobejamente comprovada em vários tipos de competição antes da guerra e no dia a dia. Produzida para a vida civil há vários anos, estava equipada com o motor de 490cc a 4 tempos, de válvulas laterais, refrigerado por ar, capaz de produzir 14 hp às 4.500 rpm, com uma caixa de quatro velocidades e transmissão final por corrente. Pesava 176 kg a seco e fora ‘levantada’ para uma maior altura ao solo de modo a poder enfrentar as exigências do campo de batalha.
Ao contrário do que aconteceu com os seus inimigos alemães, os ingleses não utilizaram a moto como arma táctica, integrando forças mecanizadas de grande capacidade. Pelo contrário, mantiveram as funções que brilhantemente desempenhara no primeiro grande conflito mundial.
As suas principais utilizações foram como moto de formação, serviço de mensageiro, escolta de colunas militares ou escolta de personalidades. Não impediu, no entanto, que fosse utilizada nas mais variadas frentes pelos exércitos britânico e da “Commonwealth”, especialmente o canadiano e o neo-zelandês.
A Norton terá fornecido mais de 100.000 motos durante a guerra. Os números conhecidos apontam para sensivelmente mais de 83.000 unidades do modelo WD16H.
BSA M20
Foram várias as motos “de guerra” da produção britânica que ficaram para a história. Desde a original Roal Enfield WD/RE “Flying Flea” (a pequena 125cc a dois tempos de apenas 59 kg) das forças aerotransportadas, à Triumph 3HW (350cc) produzida temporariamente em Warwick, depois da fábrica de Coventry ter sido arrasada no bombardeamento da Luftwaffe de 14 de novembro de 1940… mas poucas terão ganho o estatuto da BSA M20.
Comecemos pelo impressionante número de unidades produzidas: 126.000 (!), o que faz dela a moto mais utilizada durante os anos da guerra. A M20 – que ainda hoje se pode ver com alguma facilidade em encontros de motos antigas ou de veículos militares antigos – que foi rejeitada no concurso do Gabinete de Guerra em 1936, em favor da Norton 16H, acabou por superar a sua rival em número de unidades produzidas e impacto no esforço bélico do Reino Unido e dos seus aliados. Inicialmente, a M20 não apresentou a fiabilidade exigida. Tinha de mudar pistão e cilindro a cada 10.000 km… curiosamente, acabariam por ser a fiabilidade e a facilidade de manutenção, os principais argumentos para se impor, após a correcção efectuada no ano seguinte.
Nos anos 1930, a BSA (Birmingham Small Arms) que, como o nome indica, nascera como fábrica de armamento em 1861, vindo a produzir a primeira moto em 1903, era então o maior construtor britânico. No preâmbulo da II Guerra Mundial, em 1937, um dos mais conceituados engenheiros da indústria britânica, Valentine ‘Val’ Page que desenhara os motores da Brough Superior SS80 e SS100 e da Ariel Red Hunter, para além de ter sido engenheiro chefe na Triumph onde colaborou com Edward Turner na criação do primeiro motor bicilíndrico da marca, foi encarregue do desenvolvimento da M20. Um motor simples (monocilíndrico a 4 tempos, válvulas laterais, 496cc, com 13 hp às 4.200 rpm e caixa de 4 velocidades) para uma moto que viria a ganhar um estatuto de indestrutível.
A versão base acabou por sofrer modificações para as forças armadas (passando a ser referida por W-M20), nomeadamente a introdução da suspensão dianteira por sistema de traves paralelas (‘girder forks’).
Apenas cinco dias após o bombardeamento que arrasou a Triumph em Coventry, a Luftwaffe regressou aos Midlands para bombardear Birmingham. 53 operários morreram nessa noite e 89 ficaram feridos na fábrica de Armoury Road, em Small Heath, que ficou parcialmente destruída. Porém, a produção das M20 não parou uma vez que a empresa dispunha de muitos outros locais de fabrico que adaptou às necessidades.
A M20 serviu em todas as frentes, na Europa, África e Ásia/Pacífico. O principal destino foi o exército, mas a Real Força Aérea e a Marinha também a receberam em quantidade. Uma das maiores provas da sua grande capacidade e desempenho para a exigência militar é o facto de ser uma das motos preferidas dos… alemães! Sempre que a Wermacht capturava algumas M20 do exército britânico, não hesitava em (re)pintar as mesmas e colocá-las de imediato ao seu serviço.
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