
Adelina Graça
Duas rodas, duas asas
OPINIÃO
Uma aventura nas rodas grandes
O mundo das motos tem para mim um significado importante. Desde muito nova aprendi que a melhor forma de chegar à escola com estilo era, sem qualquer dúvida, de moto. No Alentejo dos anos 80/90, uma miúda chegar à escola numa Yamaha RZ era, no mínimo, superstar!!!Como é natural, fazia furor naquelas ruas de Serpa e no caminho casa/escola. De Vale de Vargo para Serpa era sempre... a abrir!
andardemoto.pt @ 12-1-2022 09:30:00 - Adelina Graça
Com o desenrolar das vicissitudes da vida pessoal e com a ida para Lisboa, acabei por abandonar aquela luz que me fazia todos os dias dar ao pedal e seguir em frente. E a azáfama familiar foi-se desenrolando longe das motos.
Mas a vida vai-nos pregando partidas e no meio de momentos mais ou menos felizes, houve um dia, em Dezembro de 2017, que cheguei à cama do hospital com uma notícia demolidora (tens um tumor na cabeça!).
Bem, como é que se ultrapassa isso? Abrindo o motor e trocando a junta…
Assim foi, fui operada e lá tiraram o dito (não sei se substituíram a junta!).
Claro está, a recuperação foi, como imaginam, uma epopeia de dificuldades psicológicas e motoras, aprender a andar aos 40 é uma aventura. Mas aos poucos lá me fui metendo em pé.
E a história começa aqui.
Um dia, no café matinal na empresa onde trabalho, surge a conversa, e tal como as cerejas e lá vêm as motos.
Fui aqui, fui ali, faz, acontece… o bicho que estava lá bem no fundo de imediato teima em chegar ao coração.
Nesse dia pensei: e se tirasse a carta?
Quando passas por alguns momentos assustadores na tua vida que põem em causa a tua sobrevivência aprendes uma coisa: como diria a Xana dos Rádio Macau, “o amanhã é sempre longe demais!”. Por isso, inscrevi-me e lá fui eu.
Claro está, a única coisa que me lembrava era que a primeira é para baixo e depois… para cima.
Quem anda nunca esquece, se tudo me pareceu bastante fácil ao som do melodioso “epá estás à vontade, sabes andar bem, vai correr bem o exame”, nada fazia prever que, no dia antes do exame, a gravidade fez das suas, tal como o Newton presenciou a queda da maçã, eu tive o azar de presenciar a queda da Hornet, que pesa um bocadinho mais e dá mais nas vistas.
Tudo bem, como caiu, lá se pôs de pé, com auxílio, claro, porque como sabem a gravidade ajuda mais na descida…
No dia seguinte, com o orgulho ainda a recuperar, lá fiz o exame e toma lá a carta, que já estás uns anos atrasada.
Bem, com a carta nas mãos só havia uma coisa a fazer: comprar a minha companheira de aventuras. Queria comprar uma moto para ir ao café, mas o café que idealizava ficava a alguns milhares de quilómetros.
Pensei, com os meus altivos 1,6 metros, vou comprar uma Big Trail, porquê? Bem, primeiro o café que imaginava ficava no fim do mundo e depois, 50 pares de sapatos, exigem malas grandes!
Depois de algumas noites a ver ensaios e vídeos de motos e com a sugestão de um amigo, lá pensei: vou comprar uma Triumph Tiger 800 xc, com rodas grandes e raios, tchiii raios, que pinta! E malas, grandes…
Quando disse ao meu amigo que ia comprar a Tiger, o coitado andou umas noites sem dormir, costuma-se dizer que a ignorância é uma bênção, no meu caso, fez de mim ousada e talvez um pouco inconsciente, não sei porquê, afinal era só uma moto com rodas grandes.
Em março de 2021 lá comprei a máquina, em segunda mão, estava linda, limpinha, é verdade, para os amigos que me conhecem, sim, a minha moto já esteve limpinha!
Quando a fui buscar, notei uma coisa de imediato: a moto não tinha só as rodas grandes… raio, era preciso uma escada e os pés ficavam, como direi? Faltava um pouco mais que um danoninho…
E agora? Bem, isto dá para baixar? Dá, mete-se uma cena aqui na suspensão e fica mais baixa, e ficou. Cheguei com as pontas dos pés, tipo bailarina, mas com menos glamour.
Depois, bem, depois veio a epopeia, apesar da gravidade do Newton me acompanhar ao longo destes últimos meses, foram 16 mil quilómetros de aventuras, por montanhas e vales. Desde a Andaluzia, Pirinéus, País Basco, Santander e até, imagine-se, voltas de barco no Mediterrânio, sem que tenha conseguido entrar em Marrocos.
Entretanto, descobri que as rodas grandes têm um significado: andam na terra. Por isso, decidi experimentar tal feito e lá fui, com a minha experiência zero, para provar que, quando se quer, até os deuses têm pena de nós. Com algumas dicas lá fui tentando e, imagine-se, acabei por me inscrever no Torres Vedras TT! Embora tenha feito uma pequena parte do percurso, deu para perceber que a moto na terra tem vida própria, mas com cuidadinho lá vai para onde a mandamos.
Enfim, muitas histórias para contar, aventuras, muita piada e alguma sorte.
Com este texto, e depois de tanto carinho que tenho recebido dentro e fora de portas, de tanta compaixão, amizade e admiração que têm partilhado comigo, gostava de partilhar um pouco mais desses 16 mil que já lá vão, e também dos 16 mil que se seguirão, para dizer apenas uma coisa. Não há obstáculo maior que nós próprios, viver as motos é uma questão de seguir o sonho e, depois, haverá sempre uma forma de dar a volta às rodas grandes.
andardemoto.pt @ 12-1-2022 09:30:00 - Adelina Graça
Outros artigos de Adelina Graça:
Ensinamentos que abrem caminhos
As Pessoas que Encontramos pelo Caminho
Transporte de motos para o mundo
O meu coração está com Marrocos
Não sigas ninguém que te aborde em andamento!
Pays Basque, os Pirenéus Atlânticos
Do Palácio de Magdalena ao Palácio de Cristal
Quando chega ao fim do dia, o que sobra da amizade?
Último dia da viagem à Andaluzia
Clique aqui para ver mais sobre: Opiniões