Adelina Graça

Adelina Graça

Duas rodas, duas asas

OPINIÃO

Andaluzia

A viagem à Andaluzia começou com um objetivo claro: o "cabo de gata”, conhecida como uma das joias da região de Almeria e o ponto mais Sudeste da Península Ibérica.Seria a primeira vez que saía do país de moto. O que para muitos é já ali, para mim, era uma aventura e tanto.

andardemoto.pt @ 17-5-2022 10:56:19 - Adelina Graça

Carreguei a moto com tudo o que precisava mas, sobretudo, com o que não precisava. A escolha pelas "rodas grandes" (Big Trail) mostrava, mais uma vez, que valeu a pena todas aquelas paragens em bicos dos pés e outras mais aparatosas.

A ansiedade de faltar alguma coisa é algo que me acompanha, por isso, levo tudo! Sapatos, vestidos e outras exclusividades femininas que, muito embora nunca se chegue a utilizar, o simples facto de lá estarem são um descanso para a alma.

Bem, nem tudo, porque o raio do espaço das malas acaba num instante.

Assim que o sol nasceu, lá arranquei para Sevilha, a primeira paragem.


Sevilha no verão faz com que a moto seja uma espécie de torradeira dentro de um forno. Chiça, andar de moto tem os seus desafios, e é preciso estar preparada para suportar os caprichos do tempo.

Se em Lisboa já tinha passado pela loucura do trânsito, imaginem Sevilha a fervilhar, em todos os aspectos, calor, movimento, confusão, caótico, pelo menos, para mim.

Depois, a escolha do hostel, bem no centro da cidade, foi um teste à resistência, um pára-arranca que não acaba! Os tempos de mimice e da ansiedade de parar ficavam definitivamente para trás. Se há coisa que posso transmitir a quem quiser arriscar no mundo das motos é que as dificuldades de hoje são tão menores quanto maior for o desafio.

Lá cheguei ao hostel, no meio de ruas e ruelas. Por vezes, acho que o GPS tem lá dentro um gnomo caprichoso, que se farta de rir a cada novo percurso que inventa. Tenho para mim que há ali um tique sadista que se regozija a cada inversão de marcha, ou quando me leva por ruelas cujas malas da mota fazem tangentes a transeuntes e paredes, acho que nessa altura a "rodas grandes" também tem tendência a engordar.


Bem, lá dei com o dito hostel.

Parei a mota bem no centro de Sevilha e pensei, está feita a primeira etapa. Sentia-me como uma navegadora que tinha acabado de atravessar o Atlântico, exausta, mas feliz. Andar de moto tem um efeito extraordinário sobre a nossa autoconfiança, faz-te acreditar no que antes julgavas impossível. E isso faz de ti alguém mais forte para enfrentar os desafios que se seguem.

O desafio que se seguia era… Aiiii, tenho que deixar a moto na rua! Que drama, confesso que me custou bastante. Depois de vinte voltas ao local a procurar o sítio melhor para a estacionar em segurança, lá encontrei um, que me deixava um pouco mais tranquila, ou talvez fosse só o cansaço a sobrepor-se à ansiedade.

Amarradinha até aos dentes, com tudo quanto é cadeado, lá deixei a “Rodas Grandes” e fui para o hostel, chegava o terceiro desafio do dia. Carregar as malas até ao hostel, foi a primeira vez que tomei o peso da decisão de, na dúvida, levo tudo! Muito embora isso não me pesasse na consciência, como já referi, pesava agora nos braços, e de que maneira. Lá me arrastei até ao hostel, qual formiga que carrega casca de noz…

O hostel era um vislumbre das Arábias, muito bonito, cuja influência Árabe faz lembrar outras paragens. O pequeno hostel Zaida é tão só um reflexo de uma Sevilha encantadora e vibrante, cuja herança Árabe resplandece a cada palácio, a cada rua, ou a cada azulejo cheio de cor. Muito há a dizer sobre Sevilha, é linda, encantadora, cheia de vida e vibrante, claro que muito havia a dizer.

Perdida no meio da emoção, descarregada da tralha e do stress, lá fui para o duche retemperador de forças e emoções. Depois, depois esqueci-me do GPS! Chiça, deve ter ficado em cima do banco da mota.

Nunca fui atleta, nem sequer corredora, mas com o coração a subir ao redline mais parecia uma superdesportiva, daquelas que passam por nós e nem as vimos, lá fui eu a correr pelas ruas de Sevilha, depois de vestir nem sem bem o quê. Do quarto à mota não levei mais de décimo de segundo que o Oliveira leva a dar a volta ao Autódromo do Algarve. Felizmente, ninguém lhe pegou, talvez tenham pressentido a presença do gnomo malévolo.


Voltei para o quarto com o coração acelerado e as pernas a reclamar, parece que as emoções daquele dia teimavam em oscilar entre o ralenti e o redline.

Valeu a noite de Sevilha. Pois, cá está, ainda bem que levava vestidos para a noite, e até tive escolha e tudo, tal era a fartura, tinha valido a pena o excesso de carga.

A noite de Sevilha, efusiva, alegre e descontraída, fez-me baixar a rotação. Depois de uma boa caipirinha gelada ao som da música latina, que ecoa pelas esplanadas, lá acalmei o coração.

Na manhã seguinte, acordei com vontade renovada de conquistar o mundo, a “Rodas Grandes” lá me esperava, com aquele ar acorrentado, mas pronta para mais uma aventura.


andardemoto.pt @ 17-5-2022 10:56:19 - Adelina Graça


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