Adelina Graça
Duas rodas, duas asas
OPINIÃO
A primeira aventura
Não é minha pretensão ensinar o que na verdade não sei, por isso, sem presunção, vou apenas falar sobre o que sinto. Talvez isso vos inspire ou, quiçá, vos faça ligar o motor.
andardemoto.pt @ 22-3-2022 18:30:00 - Adelina Graça
O mundo em duas rodas é o escrever de uma linha de emoções que se forma a cada quilómetro, que corta a paisagem e que nos enche a alma. De alegrias, tristezas, de paz, mas sobretudo, de experiências.
Não existem guiões para a força de vontade, existe tão só a vontade de quem não se resigna a ficar.
Quando comecei a aventura das rodas grandes mal sabia o que me esperava. O mundo de Newton é um desafio. Ainda sinto o tremor de quem se senta pela primeira vez no monstro e lhe sente o rosnar. Depois, depois é baixar o pé trémulo arrancar e esperar que o semáforo não cerre a marcha.
Sim, por vezes fiquei sem chão, literalmente. Claro, a gravidade não perdoa.
Nesta caminhada recente, também percebi que ninguém te deixa no chão. Há sempre alguém que te ajuda, mesmo o automobilista mais impaciente se torna numa agradável surpresa. Talvez a Humanidade se torne mais verdadeira na hora de ajudar o próximo.
A minha primeira aventura foi num daqueles fins de semana sem qualquer programa. Sair de Lisboa foi um desafio. Cada semáforo era, nessa altura, um verdadeiro moinho que tanto atormentava o D. Quixote, com um Rocinante impiedoso sempre pronto a descarregar o pobre ali, em plena via.
Talvez isso me tenha ajudado a interpretar melhor a famosa gestão do tempo que tando se apregoa. Eu, por sua vez, aprendi a contar todos os segundos até o sinal abrir, num compasso de equilibrista sobre corda, à espera que o dito mude de cor sem ter que procurar o longínquo chão.
Nunca o verde tinha feito tanto sentido para mim. Ao longo deste caminho fui ouvindo os mais experientes que me iam convencendo que seria uma questão de tempo, até que a altura das rodas grandes deixasse de ser um problema.
Ainda hoje me questiono como é possível a confiança e a experiência mudarem tanta coisa na minha vida. Depois de tantos quilómetros, a verdade é que consegui dominar o Rocinante e, hoje, o vermelho do semáforo já não significa precipício.
Não sou propriamente adepta de slogans que mais parecem campanhas publicitárias, mas há uma coisa inquestionável em toda esta epopeia, os desafios de hoje são as superações de amanhã. Se 1,60 m chegam? Por enquanto, sim!
Assim que se sai de Lisboa e se entra em espaço aberto, as estradas ganham outra realidade, vão-se curvando por diante, como bailado de folhas ao vento do outono. Os perfumes enchem-te o coração de sonhos, os campos infinitos vão desfilando ao passar de cada quilómetro, sob o olhar de espetador que não sucumbiu ao marasmo dos dias cinzentos.
Nesse dia, fui andando sem destino e quando dei por mim, sob o vislumbre de um espelho de água infinito, reparei que estava em Montargil. Naquele momento parei, olhei para o horizonte e pensei, como é bom viajar de moto. Mesmo quando não tens um destino, o destino é tão só seguir aquele ímpeto que te leva por diante.
Sabia, no entanto, que os semáforos de Lisboa me aguardavam, impiedosos, mas isso era tão só mais um desafio a ultrapassar. Só pelo que já tinha sentido, valia a pena.
Lá voltei da minha primeira voltinha, com a moto ainda cheia de brilhantina, para não mais parar, a vontade de sair tinha tomado conta de mim!
andardemoto.pt @ 22-3-2022 18:30:00 - Adelina Graça
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