Teste BMW S1000RR - Os Deuses devem estar loucos

Renovada para 2023, a BMW S1000RR ganha asas, uma electrónica mais refinada, maior potência no motor e na travagem, um chassis redimensionado e muitos outros pequenos grandes pormenores que continuam a fazer jus ao mote original. Uma superbike capaz de ser utilizada na estrada.

andardemoto.pt @ 3-10-2023 14:28:29 - Texto: Pedro Alpiarça | Fotos: Luis Duarte

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BMW S 1000 RR | Moto | Sport

Mesmo que a oportunidade de testar uma das máquinas mais rápidas e exclusivas do mercado se afigurasse banal, o dia a dia ao seu lado revela o espanto de todos os que a observam. Mesmo que estivesse distraído, o mundo chama-me a atenção pelo seu constante estado de admiração, e este fenómeno é ecléctico ao ponto de vermos todo o espectro de motociclistas (e não só) a participarem neste festival inquisitório. Um verdadeiro fenómeno de popularidade. Vou respondendo às questões, agradecendo os elogios, acabando por dizer que é emprestada (não vale a pena explicar tudo, e divirto-me com as reacções de estranheza à situação). Escondo o nervoso miudinho e deixo transparecer o respeito que ela me impõe, como comum mortal. Sim, porque afinal de contas, ao meu lado estão 31k € de moto. Apêndices aerodinâmicos, jantes em carbono, 210 cv para 193,5 Kg. Uma barbaridade. Mas em vez de me queixar, enchi o peito e levei-a para a estrada, na certeza de que não será este o seu habitat natural. Este foi um teste de superação pessoal, de respeito por uma máquina desenhada para ser estupidamente rápida e eficaz e, sobretudo, de muito auto-controlo e humildade da minha parte. 

Para me colocar ainda mais em sentido, a unidade ensaiada vinha carregada de extras. Para além das já mencionadas jantes em carbono, tinha poisa-pés e manetes maquinados (com respectivo protector), modos de condução Pro (com ajudas electrónicas específicas (destacando-se o novo sistema de controlo de derrapagem, sobre o qual nos debruçamos mais adiante), toda uma orgia de apontamentos em carbono e, como não podia deixar de ser, cruise control e punhos aquecidos. Se deixarmos o ecrã na configuração base, até parece que estamos numa GS com avanços de guiador, com a típica qualidade de vida a bordo de uma BMW. Isto é, até darmos vida ao tetracilíndrico e ouvirmos o som ríspido que emana do Akrapovic em titânio…

Em andamentos mais tranquilos, a tipologia RR mostra-se relativamente simpática. O trabalho feito na geometria (foram alterados os ângulos associados à direcção e foi elevada a secção traseira) com o intuito de obter ganhos na precisão, não afectou em demasia o caráter “civilizado” da ergonomia. O redesenho da bolha frontal inclusive trouxe melhorias na protecção aerodinâmica. Na práctica, conseguimos esgotar um depósito de combustível (em Auto-estrada, a um ritmo não muito criminoso) sem dramas de maior. As vibrações nos punhos surgem num regime muito específico e são facilmente ignoradas, e o assento M de cariz desportivo mostra alguma complacência com as nossas carnes mais redondas. Nunca será uma viajante de excelência mas, tal como um jovem de ressaca num almoço de família, faz o seu melhor para se comportar condignamente. 

As suspensões eletrónicas da Marzochi não conseguem esconder a sua desportividade, mas apresentam um espectro de acção no seu curso inicial (sobretudo no modo Road) suficientemente confortável para serem testadas nas lombas de velocidade mais irritantes. O impacto nos punhos que esperamos que aconteça, acaba por se revelar muito mais suave do que o esperado. Nestas condições até a central nuclear que serve de motor consegue fingir ser apenas capaz de iluminar uma singela aldeia, e o maravilhoso quick-shifter acompanha-o com suavidade e mestria. Tudo fácil. Como se existisse um plano orquestrado para me enganar. Mas existe uma peça de engenharia que não consegue mascarar a sua personalidade…


A travagem de uma moto não tem, à primeira vista, de ser algo transcendental. A questão é simples, ou trava ou não trava, tudo o resto está associado ao feeling, à sua mordacidade ou potência na alavancagem da manete. Este sistema da Nissin (composto por Discos duplos de ⌀320 mm mordidos por pinças fixas radiais de quatro pistons e um disco de ⌀220 mm com pinça flutuante) desenvolvido para a BMW, mostrou-me um aspecto que eleva para outro patamar a sensação de dissipação de energia. Porque é justamente disso que se trata, especialmente numa máquina tão lesta a ganhar velocidade, a quebra de momento envolve forças brutais. E é aqui que entra a sensibilidade quase mágica do seu funcionamento. Não só cada milímetro conta, mas ainda mais impressionante é a maneira como conseguimos dosear a potência consoante a nossa velocidade de actuação. Seja a prolongar a travagem para inserção em curva ou a cravar a roda dianteira no asfalto para conseguir parar, estes travões são do melhor que já alguma vez testei numa moto.

Uma das grandes novidades no capítulo da electrónica está associado a este sistema. Um novo sensor que mede o ângulo da direcção e serve o novo Brake Slide Assist (tal como o DTC Slide Control, actuando, por sua vez, em aceleração) dando-nos a capacidade de conseguir derrapagens controladas nas entradas em curva. 

Por mais que o meu coração se sinta aconchegado com estes carinhos, o meu singelo kit de unhas não me permitiu confirmar os atributos desta nova tecnologia. Para além dos habituais mapas de condução (Rain, Road e Dynamic) temos um mapa Race no qual podemos parametrizar os settings de ABS, Controlo de tracção, Travão motor e os níveis de derrapagem que queremos em aceleração ou em travagem. Um mundo por descobrir em condições controladas (pista, obviamente). Até porque em estrada aberta, o motor da S1000RR já nos coloca demasiadas questões, impondo respostas rápidas e contundentes.

Este Tetracilíndrico (ganhou 3 cv com o aumento da caixa do filtro de ar e redesenho da cabeça do motor, cortesia da M 1000 RR) é um colosso na maneira como entrega a sua potência. Mas não temos de vestir a capa para salvar o mundo, a sua resposta é sempre linear e intuitiva, muito graças a um acelerador quase paranormal na maneira como conseguimos comunicar as nossas intenções. Sabem quando os vidros têm a mensagem do “quebrar em caso de emergêcia”? E encontramos o martelinho vermelho ali ao lado, quase inócuo, mas certo que pode causar o caos? É essa a sensação que temos quando passamos a barreira das 10k rotações. Com um pequeno gesto sentimos que estourámos o universo em mil pedaços e é altura de reorientar os planetas. Nesta alteração do tecido temporal, a precisão e o controle que conseguimos ter sobre a máquina só enaltece toda a sua capacidade ciclística, sempre plantada, sempre previsível. Recordo-vos que estamos a rolar em condições de estrada aberta, e que a partilha com os restantes veículos requer um imenso esforço para nos refrearmos na velocidade. Sinto que estou noutro patamar, e que as leis da física não se aplicam a esta moto. Foram reescritas por ela. Se ao menos houvesse um contexto mais seguro onde pudesse explorar o seu potencial…

Foram precisos três dias para me sentir confortável e confiante aos comandos desta BMW. Na certeza de que estarei apenas a aflorar as suas capacidades, não está mau, sobretudo quando se conduz uma moto desenhada para o circuito. Este teste ajuda a enaltecer a capacidade que a S1000RR tem, de nos conseguir ajudar a evoluir. O pacote electrónico que lhe muda a personalidade, a neutralidade de reacções, a maneira como o fabuloso motor se entrega dócil e generoso até aos médios regimes, ajudam-nos a ganhar confiança. Mas quando começa a gritar e as asas lhe plantam a frente, abrem-se as portas do céu e o único caminho possível é ter fé nas nossas capacidades. Porque afinal de contas estamos a andar de moto num cenário muito aquém do que esta peça de engenharia permite. Este exercício de contenção não é nada fácil, até porque sempre que a paramos, os elogios são rasgados e os olhares são de espanto. Que máquina fabulosa.


Passadas umas semanas recebemos um convite para participar num curso de condução desportiva no Autódromo Internacional do Algarve. Isto significava aprender os segredos do melhor circuito nacional sob a orientação do veterano piloto Miguel Praia e da sua equipa. Sendo um evento feito em parceria com a Yamaha (de louvar toda a organização, reportagem da Inês Rolo aqui), era possível levarmos uma moto por nós escolhida. Dada a proximidade do teste, todas as sensações estavam “quentes”, e rapidamente dei por mim de BMW S1000RR rumo ao Sul.

Agora seria a parte em que vos descrevia como é bater a barreira dos 300 km/h na recta da meta e descer abaixo dos 2 min numa volta canhão. Nem tanto... Comecei confiante, paulatinamente fui percebendo como acertar nas trajectórias, onde travar e procurar as referências certas. O mestre foi incansável (e exímio na arte de ensinar), o grupo tinha um bom ritmo, foi um dia em crescendo para nos permitir ter umas voltas livres com bagagem técnica e margem de segurança para usufruirmos de um contexto único. A S1000RR podia finalmente mostrar-me a sua imperturbável estabilidade em curvas de apoio longo, a sua fenomenal capacidade de travagem em situações extremas e, acima de tudo, o facto de poder abrir o acelerador sem pudores nem receios revelou-se uma experiência quase transcendental. 

Chegada a altura de “dar tudo”, senti dificuldade em lidar com as transições nos pontos de entrada em curva, sobretudo no pêndulo que força a inclinação. A exigência sobe com o aumento da velocidade e as forças envolvidas não favorecem a parca dimensão física deste matulão. Quanto mais brusco, mais lento e atreito a erros. Precisava de mais tempo para encontrar a fluidez que embala um bom ritmo. A S1000RR mostrou-se clemente a meio da curva de aprendizagem, sempre muito plantada e sem reacções bruscas mas, quando o nível subiu, revelou a exigência que separa o óptimo do bom. 

A peça mais fraca desta equação era eu, e os meus limites estavam a ser testados. Adorei. As linhas seguintes foram escritas no final do dia e senti um claro sentimento de excitação inebriada, um êxtase quase infantil patrocinado por uma máquina de excelência, num circuito de excelência. Ao vosso cuidado:

“Até parece fácil. O Autódromo Internacional do Algarve é conhecido pela sua capacidade de colocar o mais experiente dos pilotos em sentido. Como não é o meu caso, enchi-me de coragem e usei uma folha em branco para desenhar a matéria da qual são feitos os sonhos de qualquer motociclista. Esta BMW S1000RR foi magnífica na comunicação, exímia na arte de desafiar as leis da física. Carregar velocidade nas situações mais extremas exige um nível de confiança que acaba por roçar o ato de fé. Os Deuses devem estar loucos, porque não deveria ser possível a um comum mortal comprar assim o seu passe para a imortalidade. Com asas e jantes em carbono, obviamente.”



Equipamento:

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