As motos da “Guerra” - “The Liberator”

parte 4 de 4

O impacto que a entrada dos Estados Unidos na II Guerra Mundial teve no desenrolar e desfecho da mesma é conhecido e incontornável. O “Novo Mundo” que, tarde, mas de forma decisiva, finalmente chegou em resgate e libertação do “Velho” – para usarmos a ideia do brilhante discurso de Churchill a 4 de Junho de 1940, na Câmara dos Comuns - trouxe com ele, para além do poder humano, o poder tecnológico e a capacidade industrial que mais ninguém, à época, conseguia bater ou acompanhar.

andardemoto.pt @ 5-1-2025 12:30:00 - Texto: Vitor Sousa

Mensageiro do exército americano em teste off-road, equipado com máscara de respiração, numa WLA (1939)

Mensageiro do exército americano em teste off-road, equipado com máscara de respiração, numa WLA (1939)

Na frente ocidental, e em particular após o Dia D (6 de Junho de 1944), já depois da entrada em África e da ocupação da Itália, os exércitos americanos exibiram, fazendo uso, do seu melhor material, tanto em terra como no ar. Se a submetralhadora Thompson M1A1, o carro de combate Sherman e o bombardeiro B-17 ‘Fortaleza Voadora’ se tornaram verdadeiros ícones do armamento “yankee”, o Jeep Willys e a Harley-Davidson WLA foram, certamente, os veículos de rodas mais apreciados de todo o conflito.

O Jeep (produzido a partir de 1941 pela Willys e pela Ford em números que chegaram quase às 700.000 unidades até 1945), com o seu ecletismo e versatilidade, viria a ocupar, em muitos casos, o lugar até então reservado às motos. Mas foi um veículo de duas rodas a receber o título de “Libertadora”, de tão vista e utilizada no movimento dos aliados em direção ao coração da Alemanha Nazi: a H-D WLA, também conhecida como “a moto que venceu a guerra”.

Porém, também a Indian contribui, a uma outra escala é certo, para o esforço de guerra, tendo no modelo 741 a mais comum das máquinas de Springfield ao serviço das forças militarizadas norte-americanas. Ambas provaram nos serviços de comunicações e correio, regulação de trânsito, escoltas e serviços de guarda.

A propósito, a II Guerra Mundial veio, de algum modo, contribuir para o desequilíbrio entre as duas grande rivais norte-americanas. Enquanto a Harley-Davidson aproveitou os contratos com o governo para catapultar o seu negócio no pós-guerra, a Indian enredou-se em más políticas, má gestão e não melhor marketing. Em 1953 viria a encerrar os seus escritórios e a fábrica de Springfield. Hoje, e desde 2011, a marca conhece um novo fôlego nas mãos do gigante industrial americano Polaris, depois de várias tentativas falhadas de renascimento.

Mas vejamos as protagonistas desses anos de entre 1939 e 1945 do lado do “Tio Sam”.


HARLEY-DAVIDSON WLA

Não se sabe com rigor o número total de unidades WLA que foram produzidas para as forças armadas. Não só para os americanos, mas igualmente para os exércitos canadiano (versão WLC), britânico e até para o Exército Vermelho soviético. Há quem assegure que foram cerca de 90.000… Pat Ware, no seu livro “Military Harley-Davidson” afirma que terão sido mais de 78.000, sem fixar um número. Não deixa de ser impressionante!

Harley-Davidson-WLA

Harley-Davidson-WLA

A WLA (‘A’ de Army) era pouco mais que uma versão militarizada da WL civil. Os primeiros protótipos foram apresentados em 1939. Curiosamente, a encomenda efectuada à Harley-Davidson, à Indian e à GM-Delco requeria uma moto de 500cc, ágil e de fácil manutenção, para os serviços de correio, reconhecimento e escolta, mas a Harley-Davidson não dispunha de um motor dessa cilindrada nem estava na disposição de iniciar a produção de uma moto ‘por medida’ para os militares.

A fácil manutenção da WLA foi um dos motivos do seu sucesso

A fácil manutenção da WLA foi um dos motivos do seu sucesso


A marca de Milwaukee propôs um compromisso, apresentando uma versão adaptada da sua WL, com o motor bicilíndrico em V, de 737cc (45 cu.in), válvulas laterais com a taxa de compressão reduzida para 5:1, cabeças dos cilindros em alumínio, para aumentar a fiabilidade e evitar o sobre-aquecimento além de permitir igualmente o recurso a gasolinas mais pobres em octanas, como, por certo, iria acontecer em várias partes do globo em situação de guerra. O motor era alimentado por um único carburador Linkert e tinha acoplada uma caixa de três velocidades, embraiagem multidisco, transmissão final por corrente, debitava 23cv e atingia os 105 km/h, o que não era mau, tendo em conta que pesava 272kg, e oferecia 200 km de autonomia. O seu ponto fraco: a distância ao solo, pouco mais de 10 cm, o que poderia limitar a sua utilização em caminhos de terra e/ou enlameados.

H-D WLA... prontas para a acção

H-D WLA... prontas para a acção

Intensamente testada em Fort Knox, no Kentucky (casa da Cavalaria americana), foi aprovada e enviada para a frente, acompanhando o exército americano desde o norte de África até Berlim. Destacou-se pelo seu fácil manuseamento (muito baixo centro de gravidade), fiabilidade e desempenho em condições difíceis. Tornou-se um ícone da Polícia Militar que a usou como mais nenhuma força. A sua produção terminou em 1945, mas a ‘Libertadora’ conquistou o seu lugar nas páginas da História.

A Harley-Davidson também produziu uma ‘réplica’ das BMW e Zundapp alemãs, com motor ‘boxer’ – a XA – mas nem a produção (cerca de 1000 unidades), nem a eficácia alguma vez se equiparou à WLA. A produção foi abandonada em 1943.

Harley-Davidson WLA de 1942

Harley-Davidson WLA de 1942


INDIAN 741

Em 1940, a Indian tentava satisfazer o contrato que mantinha com o governo francês para fornecimento de unidades Chief em versão militar, com e sem side-car. No final de Março desse ano, a encomenda estava concluída. Num esforço suplementar, a marca reforçou a sua força trabalhadora e conseguiu ter as últimas 2.200 unidades prontas. Expedidas para o porto de Nova Iorque, foram carregadas a bordo do cargueiro Hanseatic Star, um navio de 6000 toneladas, com bandeira panamiana e a navegar por encomenda da Swedish Export Line. Zarpou a 12 de Abril em direcção ao porto de Le Havre, em França, onde nunca chegou. Apesar de não se saber com exactidão o seu destino, é quase certo que tenha sido vítima do ataque de um U-boat alemão a meio do Atlântico. Em Maio, a Wermacht invadia a França, em Junho esta capitulava.

Indian 741 em 1941

Indian 741 em 1941

Não foi de bom augúrio a estreia da Indian na guerra…

Entretanto surgiria a encomenda da Departamento de Guerra americano, e a marca de Springfield – há data tão ou mais conceituada e respeitada que a sua rival H-D, e com uma forte inclinação para a produção de modelos desportivos – respondeu com uma versão adaptada da sua Scout “thirty-fifty”, a 741 que viria a tornar-se numa das mais importantes motos da época em uso pelas forças militares e paramilitares.

Indian 741 no Museu de História Militar

Indian 741 no Museu de História Militar


A grande diferença para a moto apresentada por Milwaukee dizia respeito ao motor. Tal como havia sido requerido, a Indian conseguiu mesmo apresentar um ‘30.50’ (polegadas cúbicas) ou 500cc. Este modelo seria também fornecido ao Gabinete de Guerra britânico (que favorecia a cilindrada de ‘meio litro’) a contas com os bombardeamentos nos Midlands que afectaram consideravelmente a produção da BSA e, especialmente, da Triumph. Naturalmente, um V2 transversal com transmissão por corrente, leve e ágil, embora pouco potente, cerca de 15 cv. A marca também tinha uma versão de 45cu.in (737cc), a 640-B, com 18 cv, produzida entre 1940 e 1942, mas a versatilidade da 741 viria a torná-la uma preferida das forças que a utilizaram. A 741, ao contrário do que aconteceu com a WLA, teve grande parte (talvez a maior parte, não conseguimos apurar…) da sua produção utilizada nas forças caseiras; isto é polícia, bombeiros, guarda nacional, mas também polícia militar e polícia naval.

Indian 841

Indian 841

A Inidian ainda produziu uma outra moto muito curiosa: a 841, equipada com um bicilíndrico em V a 90º de 737cc, mas de posicionamento longitudinal. Basicamente, inspirada nos modelos ‘boxer’ alemães, mas com a configuração que no futuro a Moto Guzzi viria a popularizar. O projecto 841, contudo, não passou das 1000 unidades, uma vez que o Departamento de Guerra reduziu substancialmente as suas encomendas de veículos de duas rodas, pois acabava de entrar em acção um veículo que revolucionaria o transporte, o reconhecimento e as comunicações no campo de batalha: o Jeep, claro!

Ao longo da Guerra, a Indian produziu mais de 42.000 motos (segundo Harry V. Sucher em ‘The Iron Redskin’), mais de 30.000 do modelo 741. A Indian foi também galardoada durante este período em três ocasiões com o “Army-Navy E Award”, prémio conferido pelo Exército e Marinha dos Estados Unidos aos seus fornecedores que se distinguissem pela qualidade dos seus produtos.

Indian 841 no Barber Museum

Indian 841 no Barber Museum

Conclusão

Pode dizer-se que a moto teve na II Guerra Mundial o seu último grande palco enquanto “máquina de guerra”. Apesar de continuar a ser utilizada ainda hoje, principalmente pelas unidades de forças especiais, o seu papel de veículo versátil e rápido, mas bastante desprotegido e a exigir uma perícia especial para o seu manuseamento eficaz, acabou por levar os responsáveis militares a optarem por outras soluções.

Mas pode afirmar-se, sem hesitação, que a moto serviu bem as Forças Armadas naquele terrível conflito. Fosse como veículo táctico de reconhecimento e apoio a forças móveis mais pesadas – utilização em que os alemães foram mestres – ou como meio por excelência nas comunicações, policiamento e escolta ao transporte – caso mais próximo do uso que lhe deram os aliados.

Certo é que as suas qualidades – uma vez mais – foram reconhecidas e a projecção que motos como a BMW R75, a BSA M20 e a Harley-Davidson WLA (“A moto que ganhou a Guerra”) têm ainda hoje são testemunho permanente e eterno do seu papel naqueles dias.

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