Susana Esteves
Jornalista e motociclista
OPINIÃO
Segurança ou liberdade?
Assim que os primeiros raios de sol aparecem sabemos que o período de hibernação de muitas motas terminou. É vê-las circular nas estradas, junto às praias, nas curvas de Sintra (por estas bandas) e nos spots da praxe, como o Cabo da Roca e outros locais por esse país fora.
andardemoto.pt @ 14-5-2017 10:41:47 - Susana Esteves
Circular em dias de sol, com a brisa mais quente, com o cheiro do mar ou da primavera no ar é relaxante, terapêutico, e deve ter uma espécie de ingrediente mágico de ação rápida porque nos deixa automaticamente mais bem-dispostos e cheios de energia. O que é que estraga um pouco este feeling todo? O casaco, as luvas, o capacete fechado, as calças e as botas.
Entrámos oficialmente numa época mais “perigosa” para quem anda de mota. Não é o verão e o bom tempo que aumenta os acidentes e a gravidade dos danos que os condutores e penduras podem eventualmente sofrer. O que se passa é que este prazer de rodar punho ao sol torna grande parte dos motards mais imprudentes e relaxados. Facilmente facilitamos e colocamos a segurança em segundo plano em prol do prazer que nos dá sentirmos o vento e o calor na pele. E de repente vemos os condutores e os penduras, adultos e crianças, de calções, de chinelos, sem luvas e de t-shirt a passarem por nós.
Este não é um texto moralista. Todos os amantes das duas rodas facilitam, eu inclusive. Quando aquele medo inicial passa, ficamos “à vontadinha” e perdemos uma fatia de bom senso extremamente importante, que só nos faz sentido quando lemos notícias sobre a morte de um motard, ou sabemos que alguém que teve um encontro imediato com o chão que correu mal. E ultimamente estas notícias têm sido frequentes…
Os que vão bem protegidos também sofrem? Claro que sim. Mas será que queremos discutir probabilidades neste tema?
Nada disto seria preocupante se a relação do alcatrão com a pele não fosse tão má. Não ligamos diariamente a ignição a pensar: “E se…”. Mas será que não devíamos? A verdade é que ninguém quer ir para a praia de casaco, de luvas e de botas, nem ninguém gosta de estar 10 minutos a despir um casaco que insiste em colar-se à pele por causa do suor, de sentir as mãos a cozer dentro das luvas ou de quase não conseguir respirar dentro de um capacete fechado. Todos estes acessórios de segurança castigam a liberdade que sentimos sem eles. E todos nós gostamos de ser livres.
Mas se gastamos 200, 300 ou mais de 400 euros num escape ou em qualquer outro acessório para a mota ficar mais bonita, mais barulhenta ou mais capaz, por que não gastamos num casaco ou em luvas de verão perfuradas, ou num capacete mais claro e modular? “Há anos que ando assim e nunca me aconteceu nada!”; “Não aguento casacos e luvas no verão!”; “Também são só 500 metros até casa.”; “Vou para a praia com isto tudo e depois guardo onde? Levo para a areia?”. Os acidentes não acontecem só aos outros, e não escolhem hora nem km para acontecer. No espaço de segundos podemos perder a capacidade de fazermos aquilo que mais gostamos, perdemos qualidade de vida, ou perdemos alguém. Basta um toque, uma manobra perigosa do carro do lado ou simplesmente um azar para uma simples queda estragar o nosso verão e o de todos os que circulam connosco. Vale a pena arriscar?
Mas somos humanos. E como humanos que somos existe frequentemente uma falha de comunicação entre os nossos desejos e o nosso lado racional. Deve ser um bug. Tudo isto nos faz sentido quando a cabeça acorda para a realidade, quando lemos sobre o assunto, ou quando conhecemos alguém… Mas daqui a uns meses lá volta o bug que insiste em apagar o bom senso, esquecemo-nos, ficamos “à vontadinha” e arriscamos.
A pele é bem mais difícil de bronzear se estiver colada ao alcatrão.
Boas curvas
andardemoto.pt @ 14-5-2017 10:41:47 - Susana Esteves
Outros artigos de Susana Esteves:
Clique aqui para ver mais sobre: Opiniões