Susana Esteves
Jornalista e motociclista
OPINIÃO
Inverno em 2 rodas
A chuva coloca muitas motas na garagem e obriga os amantes das duas rodas a renderem-se aos automóveis e à tortura que é o dia-a-dia na estrada quando está mau tempo. Mais do que alguma dose de “loucura” e muito “espírito para a coisa”, andar de mota na chuva exige cuidados redobrados e muita, muita paciência.
andardemoto.pt @ 26-12-2017 00:25:00 - Susana Esteves
A logística é tudo menos fácil: veste fato da chuva, despe fato da chuva; demora 5 minutos a colocar/tirar as calças porque o sapato ficou preso; desequilibra-se 10 vezes e monta um verdadeiro espetáculo de equilibrismo para quem passa; demora 10 minutos a tirar a chave da garagem do bolso do casaco que está 3 camadas abaixo do fato da chuva. E depois? Depois guardamos o fato na mota, molhamos tudo à volta e vestimos o fato mais tarde com um cheiro estranho, ou levamos dentro de um saco e transformamos qualquer espaço num estendal. E as luvas? Chegam molhadas, ensopadas, mãos geladas. Claro que nunca secam a tempo e portanto no final do dia lá metemos nós as mãos num tecido que prende todos os dedos, que nunca fica justo à mão, que gela os ossos e que demora uns dias a secar.
E o capacete? Esse acessório tão útil que devia vir equipado com um limpa para-brisas e com um sistema de desembaciamento extra rápido. Num dia de chuva e de frio, um minuto depois já só vemos metade da estrada; arriscamos espreitar por entre as centenas de gotas de chuva que se instalam estrategicamente no pior sítio possível; tentamos desesperadamente limpar alguma parte da viseira; recordar onde estão as saídas de ar/respiração do capacete que, depois de 30 segundos de apalpação rápida em pleno andamento, lá aparecem (mas não funcionam). Depois, para melhorarmos tudo, decidimos abrir a viseira para entrar algum ar, que vem carinhosamente acompanhado por mais frio e mais chuva. Portanto, para além das mãos molhadas temos agora a cara, o pescoço…
Além de todo este “espírito”, os motociclistas devem manter sempre presente esta máxima: Não há vestuário de motociclismo 100% à prova de água, nem mesmo aquele com tecnologia XPTO. Há tecidos que resistem bastante mais que outros, como o GoreTex, mas com chuva forte todos eles acabam por ceder. Ou seja, os elegantes e sexys fatos de plástico, que acompanham cada passo que damos com um som ambiente de fricção verdadeiramente melódico, são obrigatórios. Não só protegem da chuva como do próprio vento e frio. Vale a pena sublinhar que apesar de terem de ser naturalmente maiores porque são vestidos por cima de todos os restantes quilos de roupa, não convém que sejam muito largos porque vão atrapalhar a condução. Estes fatos não têm de ser especificamente para motociclistas, podem ser de corrida, de vela ou de caça, desde que sejam impermeáveis. Os de vela e de caça são mais grossos e mais resistentes, mas menos confortáveis.
O frio nas mãos é facilmente atenuado se calçarmos por baixo das luvas da mota aquelas luvas muito finas que estão habitualmente à venda em espaços comerciais com artigos para a neve. Apesar do tecido macio são bastante mais quentes do que aparentam ser, e as mãos chegam quentes. Para a chuva não há milagres, mas há aquelas luvas plásticas disponíveis nas bombas de gasolina que são o mais parecido com isso.
O capacete é o maior desafio. Neste campo, o sistema Pinlock é o nosso maior amigo, porque funciona como uma espécie de segunda viseira que é colocada na parte interior da viseira principal. Como não “recebe” o frio de fora, não está exposto a variações de temperatura e como tal não embacia. Quem não quer gastar dinheiro, ou possui capacetes que não permitem a colocação deste sistema, pode optar pelos inúmeros sprays e produtos que ajudam a reduzir o efeito de embaciamento no visor, ou pelos métodos alternativos (não envolvem rezas nem sacrifícios): uma batata cortada a meio e esfregada na viseira (não sei se funciona com batata doce, que é a batata da moda); colocar sabão líquido num papel e espalhar pela viseira até desaparecer; ou colocar um pouco de saliva na viseira e espalhar (tipo selo dos correios). Esta última opção é a mais nojenta, mas funciona e é habitualmente usada nos óculos pelos nadadores.
À parte das dicas de moda, o foco deve estar sempre na estrada. Reduzir a velocidade, evitar poças de água porque não sabemos o que está por baixo, manter uma maior distância em relação a todos os outros veículos, verificar o ar e o estado dos pneus. Nunca esquecer também que todas as guias de tinta, pisos metálicos e tampas de esgoto na estrada viram manteiga com a chuva, e que os engraçados arco-íris nas poças de água traduzem óleo, combustíveis e outros produtos perigosos.
Devidamente trajado e protegido, e com uma dose extra de segurança na estrada, conduzir em dias de chuva pode não ser a experiência mais fantástica, mas torna-se numa rotina perfeitamente normal.
Boas curvas
andardemoto.pt @ 26-12-2017 00:25:00 - Susana Esteves
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