Susana Esteves
Jornalista e motociclista
OPINIÃO
Afinal somos grandes (mas só na altura de pagar)
“É pequeno, mas paga como adulto”. Já ouvimos isto inúmeras vezes nos mais distintos locais, e apesar de habitualmente sermos assolados por um sentimento que mistura indignação com injustiça, esta história tem quase sempre o mesmo desfecho: “Paga e não bufa”.
andardemoto.pt @ 20-1-2018 16:01:16 - Susana Esteves
Isto é mais ou menos o que acontece com os motociclos e as portagens. Aliás, este capítulo começa com um “Há muitos anos atrás…”, numa época em que a criação de uma categoria específica para motociclos chegou a ser ponderada. A história não teve um final feliz e rapidamente se transformou num enredo de uma daquelas novelas mexicanas que nunca mais acabam, em que o par perfeito nunca consegue a paz merecida por causa dos inúmeros vilões que vão aparecendo.
Entretanto parece que estreou uma nova season que parece promissora, e tudo aponta para que desta vez as motos tenham direito a uma categoria só para si. No início deste mês a proposta do Bloco de Esquerda que defendia a criação de uma classe específica de portagens para veículos de duas rodas foi aprovada com abstenção do PSD e votos a favor das restantes bancadas. O projeto de resolução recomenda a constituição de uma nova classe de veículos, a classe 5, que pagaria metade do valor classe 1.
A reclassificação de veículos nas portagens já esteve nas mãos de um grupo de trabalho do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) e à consideração dos Ministérios da Economia e do Planeamento e das Infraestruturas, da Via Verde e da Associação Portuguesa das Sociedades Concessionárias de Autoestradas ou Pontes com Portagens nos últimos anos, mas sem grandes avanços registados.
Atualmente os motociclos que utilizarem Via Verde têm uma redução de 30% nas portagens, mas este cenário (ainda que simpático) está longe da maior “justiça na cobrança de portagens" e do sistema "utilizador-poluidor-pagador" defendidos por esta proposta mais recente. Além disso, deixa de fora quem se desloca nas antigas vias SCUT, quem circula na ponte Vasco da Gama e quem não tem o identificador.Se fizermos um pequeno exercício de raciocínio e uma visita ao site da Brisa percebemos que pagamos portagens para ajudarmos aos “custos de manutenção e funcionamento da rede de auto estradas” e para contribuirmos ativamente para o “financiamento das auto estradas presentes e futuras”. Neste contexto, o contributo dado por um camião terá de ser proporcionalmente maior que aquele dado por uma moto. Certo? Se tivermos em conta que os motociclos têm um peso bastante inferior ao dos veículos de classe 1, e uma superfície de contacto com a via também menor, a taxa a pagar deveria também ser mais baixa. Isto, para não falarmos da menor emissão de gases poluentes.
Ainda que tudo isto faça sentido, a questão é: são estes os critérios que estão na base na definição das classes dos veículos? Não. Aparentemente é tudo uma questão de tamanho. Os critérios utilizados para a classificação de veículos, para efeitos de pagamento de taxas de portagem, foram fixados na Base XIV, do DL 294/97, de 24 de outubro. De acordo com o referido Decreto-Lei, existem dois critérios para definição desta classificação: a altura do veículo, e o número total de eixos do veículo. A classe 1 contempla motociclos e veículos com uma altura, medida à vertical do primeiro eixo, inferior a 1,1 m, com ou sem reboque.
Em 2017, o Governo disse aceitar rever os critérios utilizados na classificação de veículos para efeitos de pagamento de taxas de portagem, mas a lei portuguesa continua desajustada da realidade automóvel atual, e desenquadrada face aos critérios seguidos por outros países da Europa. A alteração da legislação atual parece depender apenas da vontade política, mas no final o dinheiro poderá falar mais alto. A revisão destes critérios pode conduzir a uma redução significativa das receitas, não só pela criação de uma classe 5 para motociclos, mas pelo facto de poder mexer com a configuração das restantes classes, colocando alguns veículos da classe 2 na classe 1, como é o caso dos SUVs.
Para já esta novela mexicana ainda não acabou, e como tal só podemos agora aguardar por um final feliz.
Boas curvasandardemoto.pt @ 20-1-2018 16:01:16 - Susana Esteves
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