Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Os que ficaram em 2021
O ano que agora finda viu desaparecer muitos pilotos... alguns dos antigos, por vezes de formas dramáticas, mas também um número inesperado e preocupante de jovens esperanças.
andardemoto.pt @ 19-12-2021 19:30:44 - Paulo Araújo
Em termos de pilotos desaparecidos, 2021 é difícil de descrever sem azedume ou palavras emotivas.
A coisa correu mal dos dois lados do espectro etário: do lado dos muitos jovens, vítimas de acidentes em pista, sempre pela mesma razão, e dos nomes do passado, estes pelas mais variadas razões. Quando digo as mais variadas razões, ao contrário do que se possa pensar, o falecimento por morte natural até está em minoria:
Um dos que desapareceram assim foi o grande Boet van Dulmen, um dos poucos holandeses a ganhar na categoria de 500 (no GP da Finlândia em 1979),que aos 82 anos foi atropelado por um furgão de entregas, quando seguia calmamente de bicicleta na sua aldeia Natal.
Outro deles foi Paul Smart, que teve semelhante sorte, mas a andar de moto. Smart era um piloto inglês, cujos principais direitos à fama assentavam não só no facto de ter casado com Maggie Sheene e ser, portanto, cunhado do grande Barry Sheene, mas por ter ganho a primeira edição das 200 milhas de Imola numa Ducati, projetando a marca de Bolonha para a fama.
Ao mesmo tempo, Paul Smart, cujo filho Scott é actualmente Director Técnico das SBK, é geralmente creditado como tendo inventado o estilo de pilotagem de pendurar o corpo para fora da moto, com o joelho afastado.
Smart faleceu na sequência de um acidente, com um veículo automóvel, quando passeava na sua moto, no condado de Kent, onde residia, ali a um tirinho de Brands Hatch.
Perdemos igualmente outro homem lendário dos primórdios das Superbike, Wes Cooley, um nome para sempre associado à Suzuki Yoshimura, após conquistar títulos Americanos consecutivos em 1979 e 1980.
Cooley foi o primeiro vencedor das 8 Horas de Suzuka, em 1978, com Mike Baldwin, e acabou por perder uma longa batalha contra a diabetes, falecendo aos 65 anos de idade.
Em Abril, tinha desaparecido também Dick Mann, nome que pouco dirá do lado de cá do Atlântico, mas um pioneiro das corridas em Daytona, onde ganhou na estreia da Honda CB750 em 1970, e foi duplo Campeão AMA, com a particularidade de, além da velocidade e terra, ter também praticado trial. Aos 86 anos, deixou-nos de morte natural.
Mas se a perda destes verdadeiros mitos é dramática, mais dramática ainda, e mais difícil de aceitar, é a perda de pilotos do outro lado do espectro, o dos mais jovens.
Tanto assim, que os recentes incidentes levaram ao ponto de provocar a introdução de novas regras para 2022, já anunciadas pela Dorna.
A morte, quase em seguida, de três jovens pilotos, cada um deles atropelado por outro, na sequência de uma queda, disparou os alarmes, apesar de ser essa a única forma (e podemos tirar algum consolo disso) que um piloto perde a vida em pista nos dias de hoje.
De facto os avanços na tecnologia de segurança passiva, como barreiras insufláveis, proteções de fatos equipados com airbag e zonas de absorção de impacto, capacetes muito leves e com alto grau de proteção e resistência ao impacto, além de outros melhoramentos no capítulo da segurança, eliminaram praticamente todas as outras causas de fatalidades em pista, deixando apenas essa, que irremediavelmente não só é imprevisível como também completamente inevitável, quando se juntam as condições certas (ou erradas ?) para que tal aconteça.
Mesmo assim, vimos muitos pilotos cair em pista, como Aron Canet em Portimão, e fazer um bailado assustador, desviando-se das motos que o seguiam.
Jason Dupasquier, Hugo Millan e Dean Berta Viñales não tiveram a mesma sorte: envolveram-se em acidentes na sequência de uma queda múltipla, da qual vários pilotos saíram magoados, mas nos seus casos, foram colhidos em cheio por outra moto, e viriam a falecer pouco depois.
No caso de Dupasquier, tocou-nos particularmente por ser Suíço, filho de uma portuguesa. Mas nenhuma morte de um piloto de 15 anos poderá jamais ser encarada como uma consequência natural, ou aceitável, do desporto da sua escolha.
Nenhum pai, que tenha feito sacrifícios para pôr o filho a correr, poderá voltar a encarar as corridas da mesma forma, se um dia, depois de mais uma corrida, tiver que voltar para casa com o filho num caixão.
Admirável como Paolo Simoncelli conseguiu, após a morte do filho Marco, encontrar na continuação um verdadeiro exorcismo para a sua inimaginável dor, absorto na tarefa de alinhar nas corridas e revelar novos talentos, com a sua equipa SIC58.
Quanto a Hugo Millan, o pequeno piloto do CEV que tinha um talento extraordinário, já era dos homens da frente daquele campeonato que é considerado uma verdadeira ante-câmara do mundial de velocidade, e decerto iríamos ouvir falar muito mais dele.
Por fim, a tragédia prematura de Dean Berta Viñales, a única vítima na categoria das SuperSport 300, também levou a Dorna a tomar uma série de medidas que incluem o aumento da idade mínima para competir, redução do número máximo de pilotos nas grelhas de partida e, claro, muito maior atenção e rigor nas sanções às manobras perigosas.
Em 2021 nem sequer a cena nacional escapou, pois Portugal perdeu dois nomes emblemáticos do nosso meio: um, o homem da ACAP para as motos, Pedro Estácio, vítima do que parece ter sido uma complicação inesperada numa intervenção cirúrgica de rotina.
O outro foi José Carlos Grazina Tavares que, malgrado as têmpora já matizadas de grisalho, faleceu tal como todos o recordamos: em pleno picanço, velozmente, aos comandos duma moto desportiva, num acidente rodoviário.
Inevitavelmente o tempo fará com que os pilotos mais idosos continuem a originar obituários, mas dos jovens esperemos que, a partir de agora, não se tenha que escrever mais nenhum!
andardemoto.pt @ 19-12-2021 19:30:44 - Paulo Araújo
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