Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
As motos e os miúdos
Ainda no outro dia voltei a reparar num fenómeno que decerto a maioria já observou muitas vezes, mas sem lhe dedicar grande reflexão…É o efeito incrível que uma moto tem em crianças de muito tenra idade.
andardemoto.pt @ 15-8-2018 23:48:00 - Paulo Araújo
Já
tinha tido ocasião de notar este facto, quer na rua, quer em situações de corrida, onde
jovens mães andam com (normalmente) os filhos dos próprios pilotos. À visão de uma
moto, eles viram-se, abrem-se num sorriso de orelha a orelha, apontam, fazem
ruídos de motor… É um efeito que raras vezes, se de todo, é transferido para os
automóveis. Penso que, para eles, um automóvel é uma caixa de lata que pouco
lhes diz, mas uma moto é uma coisa de emoção, toda ela ruídos misteriosos, superfícies
brilhantes, instrumentos incompreensíveis, um misto de promessa de perigo, diversão,
velocidade e aventura.
Os meus não eram exceção, e de ambos os géneros foram expostos a motos, ao seu barulho e à sua presença em geral desde a mais tenra idade. De certa forma irónico, foi justamente nas meninas que o bichinho pegou mais, com duas pelo menos a andar regularmente, uma com carta A e tudo. Mas filhos meus seriam sempre suspeitos, por isso, falemos do geral e não do particular. Até bebés apontam quando vêm uma a arrancar, decerto a atração é uma mistura do ruído e de verem uma pessoa exposta, montada nela. Será um pouco como nativos de certos países ficavam aterrorizados com as cargas de cavalaria de “modernos” exércitos invasores, por acreditar tratar-se, não de apenas outro homem montado num animal, mas dum ser mítico de duas cabeças e seis pernas, impressão ampliada ainda pelos elmos e as armaduras que não raro se estendiam aos cavalos para os proteger de lanças, etc.
Voltando aos bebés e crianças, ocorre que esse fascínio deve ser algures, na fase seguinte da infância, quase apagado ou obliterado, ou teríamos uma sociedade em que, em vez de Playstations e jogos de vídeo, uma moto seria um dos primeiros objetos de cobiça de qualquer miúdo – como, de resto, já foi antes da idade da eletrónica. Quem se lembra das frentes das secundárias cheias de dezenas de “scooters” ou LC’s? Agora, se lá estiverem meia-dúzia, já é bom, lado a lado com os “papa-reformas” que alguns pais preferem dar aos filhos. Talvez um dos grandes fabricantes, como a Honda ou BMW, devesse patrocinar pesquisa a nível universitário do tema, para descobrir que gatilhos psicológicos levam a moto a exercer uma tão grande atração em crianças muito jovens, e como, e porquê, isso parece perder-se mais adiante. Já estou a ver o nome da tese, qualquer coisa como “fundamentos da psicologia da importância do veículo de duas rodas no imaginário infantil pré-escolar e a sua diminuição na transição para a adolescência”, ou o mesmo com palavras ainda mais pretensiosas bem ao gosto português…
Pessoalmente, lembro-me de elas exercerem um fascínio desde muito cedo, desenhava-as em fila em grandes círculos, como se estivessem a competir numa qualquer pista oval que ainda nem sabia existir, e depois, já influência dos Tin Tin, comecei a desenhá-las mais sofisticadas, com guiadores largos, grande farolim central e guarda-lamas envolventes, no fundo uma paródia das motos da altura, de há 50 anos. A coisa repetiu-se com os meus filhos, que me pediam para se sentar nelas a medo, com a recomendação de não acelerar o motor e já vai, pelo menos, num neto.
Talvez no meu caso o instinto nunca tenha sido abafado completamente, lembro-me da minha mãe falar de ter vários colegas da faculdade que andavam de moto e decerto as impressões dela contribuíram para ampliar esse fascínio desde cedo. Ou então, pelo contrário, o lado teimoso da minha personalidade fez o fruto proibido tornar-se o mais apetecido. Decerto, isto tem equivalente num amigo colecionador da nossa praça… em jovem, o avô não o deixava ter motos “por serem muito perigosas”. Hoje, adulto e financeiramente independente, tem algumas 70 numa garagem climatizada especialmente construída para o efeito. Ou seja, nuns deu-lhes para esquecer e virar a atenção para outras coisas, noutros cristalizou ainda mais a decisão de ter uma (ou 70!) assim que pudessem…
Mas que era um mecanismo bom de investigar e identificar, para poder ser nutrido deliberadamente, em ajuda da continuada sobrevivência da moto, lá isso era!
andardemoto.pt @ 15-8-2018 23:48:00 - Paulo Araújo
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