
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Oportunidades perdidas
A recente realização do 2º Salão de Motos de Competição de Esposende pôs-me a pensar. A pensar noutros tempos, e como tudo na vida é cíclico, voltando a renovar-se, mas sem se mudar “já como soía”, ou seja, como costumava, para parafrasear Camões.
andardemoto.pt @ 1-2-2018 20:29:28 - Paulo Araújo
Isto porque um dos temas centrais do salão, com que tive algo a ver, foi a história da Yamaha TZ e com ela, dos portugueses que correram em velocidade há 30 ou 40 anos, e não foram poucos...
É incrível pensar, talvez mesmo inacreditável para alguns, que na altura, em termos internacionais, chegamos a estar mais avançados que os espanhóis, que no entanto eram uma grande nação fabricante de motos. Se hoje Espanha domina totalmente a velocidade mundial- onde antes um jovem australiano ou latino-americano se deslocaria para Inglaterra para rumar aos Mundiais, hoje só tem um destino: a vizinha Espanha - tempos ouve, no final dos anos sessenta do século passado, em que, em Espanha, só se corria em pequenas cilindradas.
Uma grande cilindrada era uma 250 e “nuestros hermanos” não estavam , simplesmente, interessados nas classes superiores, dominadas pelas inglesas a 4 tempos, de que eles quase nada entendiam. Uma tentativa de fazer em Espanha, sob licença, a Ducati 250 4 tempos, apelidada de 24 Horas, foi tão mal sucedida que o modelo logo ganhou a alcunha de “24 Horrors”.
Lembro-me dum português dessa altura contar como eles ficavam maravilhados quando um português aparecia de “slicks”, onde os tinha arranjado, quando custavam... Outro piloto português da altura, que foi o primeiro a comprar uma Yamaha TZ750 contou-me que Angel Nieto estava “na fila” para adquirir uma, mas o português ainda a obteve primeiro. Escassos anos depois, e não em pequena medida devido ao mesmo Angel Nieto, a Espanha começou a tornar-se uma nação do motociclismo de velocidade... As 50 e 80 deram lugar a 125 e 250’s, as corridas de feira em calcetado a modernos circuitos construídos propositadamente, e toda uma geração veio seguir esse novo desporto. Para Portugal, a oportunidade estava perdida.
Enquanto os poucos portugueses que tinham tentado internacionalizações – Sande e Silva, Nuno André, Miguel Franco de Sousa, José Pereira, Alex Laranjeira - definhavam e desistiam, ou se dedicavam só aos nacionais, Espanha somava Campeões Mundiais em Nieto, Ricardo Tormo, “Champi” Herreros, Sito Pons, Aspar, Alzamora e outros. Mais, além dos que chegaram aos títulos (com Nieto só por si a monopolizar quase uma década as duas categorias mais pequenas) numeroso outros houve que competiram ao mais alto nível, como Santiago Herrero, Cardus, Torrontegui, Miralles, Garriga, Reyes, Mella, Amatriain, Palomo (este quase uma excepção, correndo em F750!):
Quando a geração de Puig, Gibernau, Checa e Crivillé chegaram ao topo, já Espanha era uma das principais nações no calendário do motociclismo de velocidade – a ponto de realizar por duas vezes (em 1987 e 1988) um suposto GP de Portugal em pistas espanholas para poder ter mais provas em casa. Ou seja, em algo menos de 15 anos, digamos, entre 1971, ano do primeiro título de Nieto e 1986, pilotos da Nação vizinha começaram a aparecer em força em todas as classes da velocidade, não meramente para participar, mas para vencer. A classe rainha, as poderosas 500, eventualmente o bastião mais difícil de assomar, até por ser dominado por americanos e australianos provenientes das disciplinas de derrapagem, acabou por também tombar com o título pioneiro de Crivillé em 1992.
Hoje em dia, com Lorenzo, Marquez, Viñales, Espargaró (estes últimos todos vezes 2!) Rins, e companhia, o domínio espanhol parece assegurado na MotoGP. E, no entanto, há sinais de que o ciclo possa estar a virar e que também os portugueses começarão a brilhar no palco mundial em breve. Já estamos, com Miguel Oliveira, mas atrás já vem um Ivo Lopes, um Kiko Maria, um Tomás Alonso, um Pedro Nuno, e quem sabe quantos mais nos bastidores, agora que há uma Oliveira Cup, uma Lorenzo Race School, e uma nova vontade, resultante de começarmos a acreditar, com as vitórias de Oliveira, que sucesso ao mais alto nível era possível- só exigia muito trabalho e muito sacrifício!
Talvez outro ciclo esteja prestes a começar... de forma muito diferente do primeiro, com equipas profissionalizadas em vez de carolice individual, com imagens cuidadas e meios técnicos em vez de furgões velhos para transportar as moto e tendas para dormir, com participações apoiadas ao mais alto nível e, pelo menos agora, meios de comunicação especializados para seguir e divulgar todo esse esforço... se não desperdiçarmos oportunidades, o futuro só pode ser risonho!
andardemoto.pt @ 1-2-2018 20:29:28 - Paulo Araújo
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