
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Mundiais de Velocidade - A YZR500, ou OW – A 500 de GP da Yamaha
Vimos na primeira destas séries, com a Suzuki RG500, como
certos modelos de moto de certas marcas influenciaram a história do Mundial de Velocidade de forma indelével. Esta semana falamos da vencedora YZR500 da Yamaha.
andardemoto.pt @ 8-3-2018 08:20:16 - Paulo Araújo
Se
a Suzuki entrou pela via de fornecer a privados uma moto virtualmente idêntica
às oficiais, como vimos, e a Honda se ficou pelas “bombas” NSR exclusivas para
pilotos de fábrica, de que falámos a semana passada, a Yamaha trilhou um
caminho entre estes dois extremos, desenvolvendo a gama TZ competição-cliente
e, paralelamente, as séries OW, uma versão de fábrica muito modificada da moto
competição-cliente, para os pilotos oficiais.
As TZ, em 250 e 350,
popularizaram-se como a moto acessível a todos, e funcionavam, com o grande Saarinen
a impô-las no Mundial em 72 e Dieter Braun em 73. Aliás, para dar uma ideia do domínio da Yamaha, nas 47 motos
pontuadas no Mundial de 250 em 1972/73, (!!) só apareciam 2 Harley-Davidson, a
de Michel Rougerie em 5º e a de Bruno Kneubuhler em 9º, sendo o resto tudo
Yamaha... incluindo o nosso Nuno André!
A TZ350 fez um título com o
sul-africano Jon Ekerold num quadro Bimota, mas já nessa categoria só as OW
oficiais venciam, motos muito diferentes da TZ cliente. Regressando à classe
rainha, a OW20 foi a primeira 500 oficial da Yamaha, com quadro em
cromo-molibdeno, e com ela Saarinen venceu a primeira prova de 1973, mas como é
sabido viria a falecer nesse ano em Monza, levando à retirada da Yamaha o resto
da época.
Em 1974, Johnny Cecotto começou no Mundial de 350 com uma TZ, mas vendo o seu potencial, a Yamaha pô-lo numa OW 16 a meio da época. Para mais, TZs modificadas para 351cc enchiam as grelhas da classe de 500, como alternativa às ultrapassadas Norton Manx. O truque era maquinar excentricamente o cavilhão da cambota, para conseguir mais meio milímetro de curso (!!) e com isso, uma cilindrada acima dos 350, que os colocava automaticamente na classe de 500 sem comprometer a fiabilidade do modelo.
Quanto às OW oficiais, pareciam iguais às TZ na superfície,
a menos que um observador atento reparasse que a zona inferior da carenagem era
mais pequena e estava muito mais longe do solo. Não só isso ajudava a curvar,
como revelava o facto de que, por debaixo, se escondia um motor muito mais
compacto! Os cárteres eram fabricados em magnésio e ligas leves, pesando o
motor apenas 29 Kgs, contra alguns 48 de uma TZ. A cambota também rodava para
trás, solução usada também nas TZ500 e 750 de 4 cilindros. Uma das vantagens
desta solução era pôr as forças giroscópicas da rotação da cambota a carregar o
pneu traseiro contra o solo.
O famoso quadro mono-amortecedor da Yamaha apareceu primeiro na OW23 de Agostini (que desiludido com a falta de evolução da MV Agusta pagou do seu bolso a primeira) em finais de 1974, sendo lançada na versão à venda ao público só em 1976. Com ela, ou melhor dizendo, com a revista OW26, Agostini deu o segundo título de fabricantes à Yamaha. No ano seguinte, a OW35 aparecia com mudanças ao sistema de válvulas de admissão, carburadores e relação de curso.
Foi numa destas que o Canadiano Stevie Baker foi vice-campeão ao 2º título de Barry Sheene
em 1977 com a Suzuki. Mas a grande
mudança viria em 1978, com a introdução da válvula de escape YPVS na OW35K, que
coincidiu com a chegada dominante ao Mundial do Americano Kenny Roberts. Dizer
que Roberts dominou o Mundial nesses três anos que se seguiram é pouco: em 1978
ele pisou o pódio 8 vezes, numa época em que as motos eram muito menos fiáveis
que actualmente, 4 como vencedor,
suficiente para lhe dar o título por 10 pontos sobre Barry Sheene – com outra
OW, a de Cecotto, em terceiro.
Seguiram-se em 1979 e 1980 as OW45 e OW48R, que além de darem mais 2 títulos a Roberts, (4 vitórias e 6 pódios em 1979, incluindo o famoso duelo entre o californiano e Sheene em Silverstone, em que ambos se digladiaram mutuamente ao longo das 28 voltas da corrida) tinham introduzido um quadro de alumínio durante algumas corridas. 1980 pode ter sido o último título (e terceiro consecutivo) para Roberts, mas com 3 vitórias e seis pódios, (alguns partilhados com um certo Graziano Rossi em Suzuki) de uma época de 8 corridas, não o foi com menos brilho...
Na evolução seguinte, vinda já da 48R para a OW53 de 1981,
os cilindros apresentavam-se invertidos, ou seja, a admissão fazia-se pela
frente e os escapes apontavam directamente para trás. O quadro de alumínio
voltou, desta em tubo rectangular, mas no ano seguinte, o motor quatro em linha
seria abandonado na YZR500 OW54, que adoptava o motor quadrado que se tornou de
rigor por essa altura também nas Suzuki e Honda, aalimentado por válvulas rotativas.
Este torna-se mesmo num V4 um ano depois, em 1982, com a OW60/61, mas talvez mais significante, revolucionário mesmo, é o aparecimento do quadro Deltabox, desenvolvido pelo engenheiro Espanhol Antonio Cobas. No ano seguinte, com a OW70, a roda da frente reduz de 18 para 17 polegadas, dando efectivamente o formato padrão das 500 de GP dos anos seguintes.
A seguir a Roberts, vem Eddie Lawson, seu protegido, que com a YZR OW76 com as cores da Marlboro e a introdução de indução aos cárteres por pétalas, vence em 84 e 86, (OW81) alternado com a Honda de Freddie Spencer, como vimos na semana passada.
Já a versão de 87 (a OW 86... confuso, não é?) tinha apenas melhorias ao escape e refrigeração, mas a OW98 do ano seguinte apresenta os tubos de escape dirigidos por debaixo do motor (eram 2 por cima, 2 por baixo até aí!) o que exige o aparecimento do braço oscilante assimétrico para os acomodar à saída. Lawson, mais uma vez, vence com esta.
Em 1989 a OWA8 introduz apenas um aparelho de recolha de dados, os primórdios da telemetria, mas chega então o grande Wayne Rainey, que começara nas 250 sem grande êxito, e ganha o primeiro dos seus 3 campeonatos de 500 na OWC1 de 1990.
No ano seguinte, a FIM aumenta o peso mínimo para 131 Kg, e a Yamaha
aproveita para instalar na sua OWD3 suspensão controlada por
processador.
A modificação seguinte só ocorreria no fecho da época de 1992, quando a
nova OWE0 apresenta um motor “big bang” como resposta ao da Honda – mais
um Campeonato para Rainey! Pode bem dizer-se que o título se ficou a
dever à fiabilidade da Yamaha e à espantosa regularidade de Rainey, já
que nesse ano, um tal Mick Doohan ganhou 5 das 13 corridas do
Campeonato, bem mais que as duas vitórias de Rainey na Catalunha e no
Brasil...
O Campeonato pertenceu a este por apenas 4 pontos!
Em 1993, Rainey queixa-se do suposto grande melhoramento da OWF2, um
quadro em extrusão de alumínio, cuja excessiva rigidez causa problemas a
ponto da equipa mudar para o chassis privado construído pela ROC de
Serge Rosset a partir da Catalunha. Por esta altura, começava-se a dar
séria atenção à aerodinâmica, e Roberts (lembremos que era ele que,
retirado da pilotagem, geria a equipa Yamaha) emprega um estilista
inglês, John Mockett, para repensar as admissões frontais da OWF9 de
1994, que incluem ram-air. Isto consistia basicamente em colocar as
entradas de ar nas zonas de alta pressão da frente...
Entre 1994 e 1997, com Cadalora e Norifumi Abe como pilotos oficiais, há várias modificações estéticas e ao quadro, com as OWH0 e OWJ1 a ser usadas como alternativas durante a época de 1997. Já a K1 de 1998 apenas acomoda a mudança para gasolina sem chumbo, mas estamos nos anos Doohan em que a Honda dominou, e nenhum dos oficias Yamaha consegue desafiar consistentemente o Australiano.
Entretanto, até ao virar do século, ainda passaram pelas YZR pilotos notáveis como Carlos Checa, Simon Crafar, ou Max Biaggi... Finalmente, em 2002, e pilotada justamente por Max Biaggi para o vice-campeonato atrás de Rossi, aparece a OWL9, destinada a ser a última (e 28ª geração) da YZR500, e a partilhar a grelha com a nova geração de motores a 4 tempos... nada voltaria a ser igual na classe rainha!
andardemoto.pt @ 8-3-2018 08:20:16 - Paulo Araújo
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