Paulo Araújo

Paulo Araújo

Motociclista, jornalista e comentador desportivo

OPINIÃO

Recordes em pista - A tender para zero?

Se os recordes continuarem a baixar como tem vindo a acontecer, poderemos um dia dar a volta a uma pista em zero segundos?

andardemoto.pt @ 8-8-2018 23:55:00 - Paulo Araújo

Ao centro, com o Nº112, está o Joe Domingues

Ao centro, com o Nº112, está o Joe Domingues

O recorde absoluto em duas rodas do circuito de Brands Hatch, o veterano circuito inglês às portas de Londres pertencente a James Ellison, em actividade praticamente contínua, de uma forma ou outra, desde 1926, depois de ter estado nas mãos de Shane Byrne quase uma década nos 45.112 segundos, e situa-se agora nos 45,097. 

Pelos vistos, em 2018 não foi ameaçado pela volta rápida de Leon Haslam, com 52,7 segundos, pois a pista estava húmida. 

Isto, em termos da versão curta “Indy”, assim chamada por se assemelhar a um rim ao estilo do traçado de  Indianápolis, que permite aos espectadores, bem situados nos envolventes declives relvados, ver todos os 360º do traçado. 

Este tempo dá uma média de apenas 135 Km/h ou por aí, mas num circuito em que se passa toda a volta inclinado, a raspar as botas e a jogar entre segunda e terceira. Só na “reta” da meta, mesmo assim curva, se consegue meter um bocadinho a quinta antes de mergulhar por Paddock Hill abaixo - com sorte, ainda montados na moto e não ao seu lado!

Vem isto a propósito de, nos meus tempos de corridas de clube, portanto há qualquer coisa como 30 anos, o recorde se situar então nos 53-vírgula-qualquer coisa segundos. Um piloto rápido, e preciso como alguns com quem partilhei grelhas, com nomes como Damon Hill, Roland Brown ou Graham Read, podia ganhar corridas sem baixar dos 54 segundos uma única volta… o grosso do pelotão andava pelos 55 segundos, acho que uma vez, decerto tresloucado e/ou colado a um grupo mais rápido, fiz uns 55,7, mas o meu tempo mais normal era abaixo do minuto, 59 segundos, por aí… suficiente para posições de meio da tabela e, em minha defesa, feitos com uma LC350 da primeira geração quando já imperavam as YPVS. 


O autor a estrear-se em Brands Hatch

O autor a estrear-se em Brands Hatch

A diferença era que uma LC toda artilhada (Preparação Stan Stephens, como a minha, com pistões radicalmente cortados, janelas de transfer alargadas a condizer, escapes desobstruídos, velas racing, bomba de mistura 2T em posição mas inutilizada com Araldite nas tubagens, mantendo o aspecto de origem apenas para efeitos de verificação técnica . Os homens das Midlands juravam por um tal Len Manchester que também ganhou fama a preparar LCs…) que ela debitava aí 46 cavalos, o mesmo que uma YPVS acabada de sair do stand… pelo que podem calcular o resto. 

Se eu nunca iria pegar fogo à cena de clube, já o meu mais fogoso colega Joe Domingues se deu muito bem, inclusivamente detendo o recorde de clube durante bastante tempo na sua GPZ900R, justamente, salvo erro, nos 52 segundos. 

A ilustrar como num circuito pequeno é difícil fazer a diferença, houve um fim-de-semana em que o Joe registou um cronómetro, à chuva, que não foi melhorado no encontro profissional no fim-de-semana seguinte pelas rápidas Armstrong 350 de Grande Prémio pilotadas pelos profissionais Niall Mackenzie e Donny McLeod!

Isto é apenas um aparte com alguns factos relevantes, já que o que eu queria mesmo referir era esta queda gradual, mas constante, dos tempos por volta… 10 segundos em 30 anos, ou 33/100 por ano, o que, em teoria, significa que, assumindo que ainda haverá alguma forma corridas daqui a 150 anos, teremos uma volta ao traçado em… zero segundos! 

Só que isto, obviamente, nunca vai acontecer. Para já, a queda dos tempos não ocorre linearmente, antes vem aos sacões, tendo normalmente a ver com um determinado avanço tecnológico importante: travões de disco: 1 segundo a menos. Pneus radiais: menos um segundo… controlos de tracção a permitir acelerar a fundo despreocupadamente mais cedo que nunca: outro segundo, etc.


Damons Hill, cerca 1983

Damons Hill, cerca 1983

Depois, entra em ação outra coisa, que se chama em Inglês “law of diminishing returns”, ou em português, lei dos rendimentos decrescentes.

Diz esta que, mantendo o exemplo das Superbike, pois foi com elas que o recorde mais recente foi averbado, se gastarmos, por exemplo, um milhão de Euros para fazer uma moto 1 segundo mais rápida, o milhão seguinte despendido já só traria um melhoramento de talvez 0,4 segundos, e um terceiro milhão talvez de uma décima apenas…rendimentos decrescentes.

Há uma história famosa da F1 em que Flavio Briatore tenta explicar a exorbitância paga a Schumacher na altura com a seguinte frase: “O Michael, em qualquer carro, vale dois segundos. Se eu gastar o ordenado dele no carro, não consigo uma melhoria de dois segundos!” Simples! 
                           
Aplicado à nossa teoria, não dos rendimentos mas dos recordes decrescentes, está fácil de ver, que, à medida que tudo, ou quase tudo, já foi descoberto ou tentado, se torna mais difícil baixar os tempos além de umas míseras centésimas… lei dos rendimentos decrescentes!

Tomámos Brands Hatch como exemplo, mas podia ser um qualquer circuito, menos os que sofreram obras consideráveis, como o nosso Estoril, em que deixa de haver termo de comparação… Assim, a linearidade do processo, que nunca existiu em primeiro lugar, é ainda mais atrapalhada pela baixa em melhorias contínuas resultante da aplicação desta lei… por isso, pode tender para zero, mas nunca lá chegará…

Embora, com raspadores agora a aparecer nos cotovelos dos bons fatos e pilotos a curvar, para efeitos de exibição, com o capacete a raspar o alcatrão, tenhamos de perguntar onde isto vai parar… Mas uma coisa é certa… ganhar nunca é fácil, mas no meu tempo, talvez fosse um bocadinho mais!

andardemoto.pt @ 8-8-2018 23:55:00 - Paulo Araújo

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