
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte I
Com a época de MotoGP prestes a começar, temos vindo a
recordar momentos ou epopeias do passado que ajudaram a formar a classe rainha da velocidade como ela
é hoje. Algumas motos foram também incontornáveis nesse processo, quem sabe a
mais emblemática de todas terá sido a RG500 da Suzuki.
andardemoto.pt @ 14-2-2018 22:28:36 - Paulo Araújo
Em 1974, a Suzuki mudou o rumo das corridas de Grand Prix de
500cc para sempre, com o lançamento da primeira grande 2 tempos: a Suzuki RG500.
Esta moto não só anunciou a chegada da Moto de GP de dois tempos de grande
capacidade, mas ganhou sete campeonatos consecutivos de construtores de GP500,
quatro títulos mundiais e 50 corridas individuais
Permitiu também, e pela primeira vez, aos pilotos privados
competirem quase em pé de igualdade com as equipas de fábrica.
O que é ainda mais notável é que esta máquina incrível não foi o resultado de
milhões de ienes de investimento e de uma enorme equipa de R&D; Em vez
disso, a moto que deu à Suzuki a sua primeira coroa de 500 e tornou Barry
Sheene famoso, foi criada apenas por quatro engenheiros dedicados.
O projecto começou em 1973, visando a temporada de 1974, e com apenas quatro pessoas a trabalhar - duas para o motor e duas para o chassis. Uma dessas pessoas era Makoto Suzuki, que ao lado de Makoto Hase, desenvolveu o motor da RG.
Na altura, foi uma coisa arrojada, já que os motores a 2 tempos eram apenas usados nas pequenas cilindradas, e a italiana MV Agusta dominava o mundo com os seus motores a quatro tempos, somando à época 13 títulos consecutivos, pilotadas por Mike Hailwood, Giacomo Agostini e Phil Read.
Porém, motores a dois tempos era tudo o que Suzuki sabia fazer; nessa altura o fabricante de Hamamatsu não construía motores a 4 tempos, e bastou olhar para as suas motos de dois tempos de pequena capacidade, para as quais já tinham construído motores com configurações de quatro cilindros em linha e V4, de 125cc e 250cc, limitando-se assim a projectar uma versão maior.
Apesar de tudo isso, em 1974, a Suzuki alinhou com Barry Sheene e Paul Smart, novos pilotos nas 500, com duas motos com motores a dois tempos. Sheene não confiava particularmente na ciclística da RG de origem e fez o preparador inglês Colin Seeley desenhar-lhe um quadro específico para a sua moto. Embora os cépticos ainda não estivessem convencidos, o pessoal da Suzuki estava confiante, pois tinham feito grandes avanços tecnologicos, não só no motor revolucionário, mas também no chassis da RG500.
No entanto, em comparação com a entrega de potência suave de um motor a quatro tempos, domesticar o brutal dois tempos exigia muita adaptação, não só do piloto, mas também dos mecânicos que davam assistência à moto na pista.
A equipa tinha andado à procura de potência na ordem dos 100 cavalos, mas obteve facilmente 110, o que teria criado mais problemas se não fosse a experiência prévia, tida com a XR11 na América. A XR11 era uma moto com um motor tricilíndrico de 750cc, com muita potência, que já experimentara todos os problemas inerentes a uma 2 tempos de grande cilindrada: Pneus desfeitos, correntes partidas, colapsos de suspensão...etc.
O desenvolvimento do chassis teve de ir ao encontro da incrível potência do motor. Assim, para a RG500 todos os conhecimentos da XR11 foram
tidos em conta para construir um bom chassis.
No entanto o motor ainda era muito
difícil de pilotar, e muito pontudo. A potência chegava entre as 8.500 e as 10.500
rpm, mas isso podia ser alterado, experimentando diversos escapes e afinação de
carburadores, de circuito para circuito. Criou-se um mito de que os primeiros escapes se basearam
em latas de chá verde que os mecânicos traziam do Japão... Mas certo é que a Suzuki acabou por
pedir à empresa que fazia as latas para lhe fabricar as ponteiras das suas motos...
Na década de 1970 o mundo das corridas era um lugar muito diferente; Nem telemetria nem registo de dados existiam, e o equipamento mais sofisticado era um simples cronómetro analógico. No entanto, apesar dessas barreiras tecnológicas, a Suzuki continuou a refinar e desenvolver a RG500 no Japão, entre as provas, e muitas vezes fazendo voar peças novas para a próxima corrida como bagagem de mão de um qualquer membro da equipa.
Depois de cada corrida, engenheiros e pilotos sentavam-se e escreviam à mão páginas e páginas de notas sobre o desempenho da moto e sugestões sobre onde este poderia ser melhorado, que eram posteriormente enviadas por fax para o Japão, para que engenheiros experientes pudessem encontrar soluções e testá-las na pista a seguir. Chegaram inclusivamente a cortar válvulas de disco com uma tesoura de chapa, para ver se podiam melhorar o desempenho. Ao mesmo tempo, a fiabilidade não podia ser descurada.
Graças
a essa dedicação, o sucesso da RG500 não demorou a chegar e logo no seu
primeiro ano, em Assen, Barry Sheene levou a XR14 à primeira vitória da Suzuki
em GP500. Dois anos depois, em 1976, ele trouxe à Suzuki o seu primeiro título
mundial de 500; para a equipa de desenvolvimento da RG, no entanto, foi o
título de construtores que acompanhou o título de pilotos, o que mais significado
teve.
A Suzuki tomou então uma decisão radical: lançar uma moto competição-cliente, idêntica em especificação às máquinas de fábrica. O motivo? Com uma grelha cheia de RGs, o título de construtores ficava quase garantido. O único a não ficar contente foi Barry Sheene, pois as motos privadas eram idênticas às de fábrica! No entanto, foi essa filosofia que cimentou o lugar da RG500 na história do Mundial de 500.
A única diferença residia no facto de as motos de competição de fábrica possuírem parafusos de titânio, ou magnésio, onde as motos de produção tinham de aço ou alumínio. De resto, o motor era 100% idêntico. A provar que se poderia comprar uma RG500 de produção e ganhar um GP, o holandês Jack Middelburg fez exactamente isso, em 1981, com uma RG500 Mk VIII. No entanto, essa foi a última vez que um privado ganhou uma corrida de GP500.Os títulos de Sheene
Com os títulos de 1976 e 1977 no bolso, graças a Sheene, em 1978 a Suzuki enfrentou uma forte concorrência da Yamaha e foi forçada a actualizar a RG500 para a XR22, com motor “em degrau”. Esse motor usou a primeira caixa de cassete alguma vez instalada numa moto, uma característica hoje comum à maioria dos projectos, e essa tecnologia radical em 1978 exigiu a contribuição da equipa McLaren de F1. No entanto, apesar de estar em desenvolvimento a partir de 1976, essa caixa de velocidades não viu a luz do dia até 1978.
Em 1977 a Suzuki tinha uma nova moto pronta a lançar, mas ficou à espera, para o caso da Yamaha vir a lançar algo de especial, mas a Yamaha apenas revelou a válvula de escape YPVS, e a Suzuki pôde manter a nova evolução em segredo até 1978. Além disso, a RG500 XR14 versão cliente estava a provar-se muito popular, e alguns privados eram incrivelmente rápidos e mais do que capazes de dar luta às XR22 oficiais. A potência de ambas era quase idêntica, cerca de 124 cv, no entanto, o motor das motos oficiais era mais leve, o que melhorava o comportamento dinâmico do conjunto.O peso foi um factor importante nos GPs dos anos 70 e 80, já que apesar de haver um peso mínimo de 100 quilos, as motos nunca chegavam a atingi-lo. O melhor que se conseguia era 108 quilos. Mas com 124 cv e 108 quilos, a XR22 era um verdadeiro animal selvagem!
A configuração de motor quadrado em quatro, da Suzuki (dois cilindros à frente e doís atrás) passou a dominar as corridas de GP500, conseguindo mais dois títulos mundiais (1981 com Marco Lucchinelli e 1982 com Franco Uncini) e ganhando um total de 50 corridas, além de sete campeonatos de construtores consecutivos.
andardemoto.pt @ 14-2-2018 22:28:36 - Paulo Araújo
Outros artigos de Paulo Araújo:
Quando o cliente é o menos importante
A MotoGP em 2023: Mais eletrónica, mais técnica, mais difícil
As (minhas) motos ao longo dos anos
Época tola na MotoGP: Tudo muda em 2022
Miguel Oliveira - De herói a vilão
MotoGP, Testes pré-época em Valencia
Milão mostra as tendências globais
Superbike - Rea é o culpado da crise?
Marquez, 7 vezes Campeão - De outro mundo
Leon Haslam vence Britânico de Superbike - Meio século de glória para o clã Haslam
Por dentro dos Grand Prix Legends...
Frank Sinatra e Eddie Lawson: a teoria do afastamento precoce
Curiosidades - As marcas e os nomes
Mundial de Superbike chega a Portimão ao rubro – previsão
MotoGP 2018 - Decisão histórica
Recordes em pista - A tender para zero?
Bons velhos tempos nas Superbike
Superbike- Irá a nova BMW fazer diferença?
Mundial Superbike 2018 – Uma época à procura de maior equilíbrio
Moto GP- Qual é o problema com a Yamaha?
MotoGP - Silly season - a época tola
Uma crónica acerca de... nada!
"Tudo é possível" - uma aventura em Vespa
Ilha de Man 2018 - Recordes batidos, e ainda vamos nos treinos!
Barry Sheene, as motos e o marketing
Mundial SBK - A evolução da Yamaha YZF-R1
Curiosidades – Os homens da Força Aérea Sueca
Histórias do Mundial - Santiago Herrero: Campeão sem coroa
Curiosidades - Evinrude e os Davidson
MotoGP - Previsão de uma época histórica
Mundiais de Velocidade - A YZR500, ou OW – A 500 de GP da Yamaha
Mundiais de Velocidade - A Honda NS/NSR500
Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte II
Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte I
Mundiais Velocidade - A evolução
Moto GP – Como vai ser 2018? – 3ª Parte – A Suzuki e a KTM
Moto GP – Como vai ser 2018? – 1ª Parte – A Honda e a Yamaha
Os famosos e as motos – Uma inevitável atração?
Histórias do Mundial – Gary Nixon, o campeão que nunca chegou a ser...
Histórias do Mundial – As poderosas 500
Histórias do Mundial - Degner, Kaaden e a MZ
Grande Prémio de Macau de 1986 - O primeiro com portugueses - 1ª parte
Mundial Superbike – Retrospectiva 2017
A Moriwaki – Um prodígio à Japonesa
Quando os Grandes Prémios serviam para sonhar - A ELF500
Harris YZR500 - A aventura no Mundial
Técnica MotoGP - “Chatter” e como o evitar
GP San Marino Moto GP – A ausência de Rossi
Curiosidades do Mundial de outrora...
Mundial de Superbikes - A corrida no México
O Mundial de velocidade, como era há 30 anos...
Recordando as 8 Horas de Suzuka
As corridas de Clube em Inglaterra
Recordando a magia de Spa- Francorchamps
Como resolver a crise nas SBK?
McLaughlin e a criação das Superbike
Mundial MotoGP - Itália - Chega o novo Michelin
É tempo de Ilha de Man de novo
As origens da KTM de Miguel Oliveira
Jerez de la Frontera: Destino obrigatório
Mundial de Superbikes chega a Assen
Parentescos - Porque há cada vez mais famílias no MotoGP?
A propósito de Motoshows por esse mundo fora...
Moto2 revela equilíbrio antes da prova inicial em Losail, no Qatar
Novos pneus Michelin em foco nos treinos MotoGP
Clique aqui para ver mais sobre: Desporto