
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Milão mostra as tendências globais
É cada vez mais um mercado de escolhas, para apaparicar o comprador com opções diferenciadoras. Na idade da robotização, e da produção em massa, a oferta individualizada parece prestes a reinar de novo.
andardemoto.pt @ 7-11-2018 23:58:00 - Paulo Araújo
As duas grandes tendências exibidas na Feira Internacional de Milão, EICMA, mostram fundamentalmente dois caminhos opostos: Por um lado, mais considerações práticas: segurança, espaço de bagagem, versatilidade, as mais recentes interfaces eletrónicas de multimédia para a tão importante conectividade. Por outro, capturar alguma da essência do motociclismo, por vezes “perdida na tradução” de protótipos frequentemente emocionantes que quando chegam à fase produção, vêem os conceitos vanguardistas diluídos pela necessidade de incorporar os ditames da legislação e exigências fiscais dos diversos mercados, ou, simplesmente, racionalização dos custos para viabilizar a produção em massa.
A primeira vê a oferta desdobrar-se em cada vez mais sub-segmentos, cilindradas por vezes esquecidas regressam, experiências com 3 ou mesmo 4 rodas que ainda se classificam vagamente como um motociclo. As scooters passaram a desdobrar-se em capacidades cúbicas de 50, 80, 100, 125, 200, 250, 300, 350, 400, 500, 650 e mais. Com travagens combinadas , ABS (anti bloqueio de travões), controlos de tração eletrónicos generalizados, e nalguns casos, até inovadores sistemas de inclinação, passaram a ser muito mais intuitivas e seguras, em especial no ponto de vista de uma camada de utilizadores que, vindos dos automóveis, trouxeram com eles alguma maturidade, mas que por outro lado tendo saltado a toda-importante fase de aprendizagem e riscos tolos cometidos na adolescência que, quase sempre, também trazem um à vontade e confiança na condução.
Justamente porque vieram, normalmente, dos carros, estes novos utentes têm um conjunto de expectativas altas, que não se compadece com maus acabamentos ou componentes frágeis, e espera encontrar na sua montada, quase o mesmo nível de acessórios normais num automóvel.
Os fabricantes, em larga medida, responderam a essa solicitação aproveitando para diferenciar as suas ofertas, não nas capacidades dinâmicas ou fiabilidade mecânica, já há muito dados adquiridos, mas nos pequenos detalhes, como a chave inteligente que basta levar no bolso, a ficha de carregar o telemóvel, o compartimento extra tão prático, o painel de informação completo, facilmente visualizável e de utilização intuitiva, sem se precisar de passar duas horas a ler um manual.
Algumas propostas para 2019, com as da Kawasaki, incluem conectividade que dá a possibilidade de ajustar a suspensão a partir de um App instalado no telemóvel, mas que também regista percursos e distâncias percorridas, entrada de chamadas ou E-mails, e várias outras coisas. Isto além de tinta “reativa” que tem a capacidade de se auto-curar, recuperando para eliminar por si própria pequenos riscos! A BMW propõe as novas R1250 com comando de válvulas variável, em nome da resposta e da economia... É mesmo o futuro!
Do lado das motos “grandes”, assumidamente destinadas a entusiastas e especialistas, a oferta também incorpora muitas destas novidades, até porque a sua inclusão nos modelos é argumento para margens de lucro mais apetecíveis, e também para potenciar o desempenho, que nalguns casos atinge níveis estonteantes em oposição diametral à idade do politicamente correto. Há vários modelos com capacidade real de atingir os 300 km/h, mas nenhum sítio, (exceção feita talvez a alguns troços alemães de autobahn) para o fazer legalmente. Numa procura maior de segurança, mas também de facilidade de uso, os sistemas de ABS permitem travar a fundo com a moto inclinada. Opções multimodo que mudam o caráter do motor e/ou suspensão, apenas com uns toques num botão no guiador adaptando a moto ao percurso, estado do piso, ou nível de experiência de cada motociclista. Acessórios pensados e projetados especificamente para cada modelo, quando antigamente eram largamente genéricos, permitem personalizar ainda mais coisas como altura e firmeza dos bancos, posição dos pés e manetes, nível de proteção aerodinâmica, etc.
Na idade da produção massificada, paradoxalmente, voltamos a ter infinitas possibilidades de diferenciação, que quase raiam o artesanal em certos casos. Cores, acabamentos, altura dos vidros, formato do guiador, quantidade de informação, opções de bagagem, aquecimento dos bancos ou punhos, são coisas que estão connosco há algum tempo, mas se vão expandindo para as gamas médias quando antes eram prerrogativa só das topos de gama de cada marca.
A competição também tem algo a ver com isso, porque em campeonatos muito competitivos, em que as prestações estão muito equiparadas e as diferenças putativas se medem, por vezes, em centésimas de segundo, começa-se cada vez mais a recorrer a suspensões muito sofisticadas e infinitamente ajustáveis, ou a motores montados e equilibrados à mão individualmente, ambas verdadeira antítese da produção em massa, que infelizmente tem de se refletir no elevado preço de alguns destes modelos.
Em traços muito largos, do lado do prático e barato tenta-se incorporar o especial e exclusivo, e do lado do mais exótico e afluente, tenta-se ressalvar os aspetos práticos, mas diferenciando cada vez mais com características únicas, possibilitadas pela idade digital… e os privilegiados com a escolha implícita na riqueza de oferta somos nós!
andardemoto.pt @ 7-11-2018 23:58:00 - Paulo Araújo
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