Paulo Araújo

Paulo Araújo

Motociclista, jornalista e comentador desportivo

OPINIÃO

Mundiais Velocidade - A evolução

Muito mudou no(s) Mundiais de Velocidade nos últimos anos. As mudanças, profundas, têm mais a ver com a estrutura do desporto em si do que com os avanços tecnológicos propriamente ditos....

andardemoto.pt @ 7-2-2018 20:51:53 - Paulo Araújo

Ivy e Read à partida das 125 em 1968

Ivy e Read à partida das 125 em 1968

O que chocaria um “fan” do “Continental Circus” dos anos sessenta ao percorrer um moderno “paddock” dos nossos dias? Para lá da espantosa evolução técnica das motos em si, talvez mais ainda seria, sem dúvida, a evolução dos meios aos dispor das equipas. Lembro-me de ver algures uma foto a preto e branco de Phil Read, na altura já várias vezes Campeão Mundial, sentado sorridente na traseira dum furgão Transit e acompanhado doutros pilotos notáveis da época, a comer feijão directamente de uma lata...  Dessa foto às motorhome milionárias de hoje, das equipas com piloto e mecânico, quando não mesmo piloto e a namorada do piloto, a equipas com engenheiro–chefe, 4 mecânicos, (um só para tratar das suspensões), telemetrista, sinaleiro, cozinheiro, massagista e fisioterapeuta, passaram apenas 20 anos... e no entanto, a mudança foi radical.


Leslie Graham na MV... e nem uma marca à vista!

Leslie Graham na MV... e nem uma marca à vista!

O primeiro passo na escala, claro, foi a entrada a sério das fábricas. Inicialmente, era um choque para uma marca como a Norton ou AJS que um mecânico que trabalhava na própria fábrica durante a semana, preparasse depois, nas traseiras de casa e aos fins de semana, uma moto capaz de bater as oficiais. Ele simplesmente sabia mais do que fazia uma moto eficiente em corrida, frequentemente por o próprio ter competido uns anos antes, do que os “montadores de peças” que passavam por mecânicos de competição e iam acompanhar a equipa aos fins-de-semana, mais por obrigação do que paixão.

Aqui, a solução era óbvia, e os italianos e espanhóis foram talvez os primeiros a implementá-la: Pôr o tal mecânico de quintal encarregado da equipa de competição. Lino Farné, Tonti, Mori, Pierluigi Martini, Cobas, Arbizu, Bartol, Brouwer, Jan Thiel e muitos outros, estavam nessa categoria



Read foi pioneiro em patrocínios

Read foi pioneiro em patrocínios

Mas em muitas marcas, notavelmente a Triumph, sob a direcção de Edward Turner, a resistência a investir na competição era notável, a ponto de a marca, pertencente à BSA, só se ter envolvido na competição geradora de vendas nos EUA, em que a BSA reinava suprema, quando era já tarde demais para ser salva. É que a competição não só divulga o nome e capacidades das motos, como ensina a torna-las fiáveis e robustas... duas coisas de que as inglesas dos anos sessenta precisavam desesperadamente, como a comparação direta com as japonesas viria a demonstrar, pouco depois.

Portanto, primeiro passo: envolvimento direto da fábrica. Uma lição que os japoneses, nas suas primeiras aventuras na Ilha de Man, logo aprenderam: um verdadeiro exército de mecânicos, de olhos espantados, rodeavam as motos, aparentemente sem saberem bem o que estavam a fazer, e resultando frequentemente na contratação de um europeu mais experiente para orientar aquela gente toda...

Numa segunda fase, os mecânicos vinham da fábrica já conhecedores e só lhes faltava ganharem a dura experiência de viver de pensão em pensão, em países estranhos, sem falarem a língua e a terem de se alimentar de comidas desconhecidas...


O meu amigo, agora aposentado, Toshi Araki, é um bom exemplo... Conheci-o quando era o homem das Yamaha, cuja missão era acompanhar as corridas, notando tudo o que os pilotos que usavam a marca faziam às motos: como as afinavam, que problemas tinham... antes dele, tinha essa missão um Finlandês que também conheci bem, Heikki Pentilla, que foi no entanto aliciado pelo HRC para mudar de campo...

Caído de pára-quedas no paddock nos anos oitenta, assumi que Toshi era o típico “salaryman”, empregado da fábrica, até ouvir a mãe do falecido Fabrizio Pirovano chamá-lo para o almoço na única língua que a Signora Maria falava, o Italiano: “Toshi, viene a mangiare!” – ao que o japonês respondeu, em Italiano igualmente fluente, que ia já!

Investigando, fiquei a saber que um jovem Toshi, anos antes, pouco mais que adolescente, tinha sido mandado para a Europa para acompanhar a estrela da Suzuki, Marco Lucchinelli, a caminho do seu título mundial de 82... título que a equipa bisaria no ano seguinte com Franco Uncini, que agora faz tropelias com os BMW da Dorna na volta de abertura dos GPs....


Agostini, outro pioneiro dos patrocínios

Agostini, outro pioneiro dos patrocínios

Temos portanto dois lados do triângulo: O piloto e o interesse da fábrica. Um assegurava a vontade de vencer, o outro o meio mais avançado possível. Faltava o lado, possivelmente o mais importante de todos: o financiamento. Não é preciso recuar muito no tempo para ver motos totalmente despidas de patrocínios, ou só com o nome da marca, muitas vezes, como no caso do Conde Agusta, a paixão custando a equipa e a camisola... ou pouco depois, cerca de início dos anos setenta, os primeiros passos tentativos, com Agostini a exibir a pioneira Marlboro nas suas carenagens, ou Phil Read (ele, mais uma vez!) a ostentar Team Phil Read Castrol” nas suas Yamaha, ou mesmo na avioneta em que, não raro, chegava às corridas...

Um estilo de vida milionário, completo com exílio fiscal nas Ilhas de Jersey, que em breve seria replicado nos Rolls Royce de Barry Sheene – completos com matrícula personalizada BS7. Chegaram portanto os patrocinadores, primeiro os que tinham mais directamente a ver com o meio: os óleos, as velas, os pneus – mas depois tudo e mais alguma coisa. Barry Sheene foi patrocinado pela Brut – um perfume – pelo Mr Sheen, um spray de limpeza, este por razões óbvias, mas também por uma financeira, pelas aparelhagens Akai ou até, a dada altura, por uma marca de “skates”!

Fans e pilotos encontram-se no paddock

Fans e pilotos encontram-se no paddock

Com a chegada em grande de patrocinadores, a quem frequentemente, e cada vez mais a cada ano, eram pedidos orçamentos mirabolantes, tudo teve de se profissionalizar. O furgão em segunda mão deu lugar a um camião TIR, (muitas vezes ele próprio parte do patrocínio, como com Nieto e os Pegaso) o mecânico de calção de ganga rasgado passou a andar (ele e os seus 6 colegas!) com um uniforme ostentando os logos dos patrocinadores e, caso os patrocinadores viessem visitar e trouxessem convidados, foi necessário montar uma tenda para os entreter e afastar da área de trabalho.

Isto aconteceu nos GP do Mundial por volta de 1972, mas até 1994, no Mundial de Superbike, por exemplo, ninguém tinha uma “hospitality”, nem a poderosa Ducati, e os convidados amontoavam-se na garagem entre os mecânicos, a absorver o ambiente... então, uma equipa Austríaca, apoiada pela Power Horse, uma bebida energética concorrente da Red Bull, decidiu mudar dos GPs para as Superbike com o seu piloto-estrela, um tal Troy Corser... como já tinham uma enorme “hospitality”, normal na MotoGP, passaram a montá-la no “paddock” das SBK... claro que, no ano seguinte, todas as equipas tiveram de seguir a moda.

Pelo lado menos positivo, o que trouxe imagem profissional, uniformes limpinhos e hospedeiras charmosas de guarda-sol, tambem colocou de fora das corridas as empresas pequenas demais para suportar tal investimento... ou com imaginação a menos para ajuizar dos seus benefícios. Seja como for, a face da competição mudou para sempre!


andardemoto.pt @ 7-2-2018 20:51:53 - Paulo Araújo

Outros artigos de Paulo Araújo:

Ligar o complicómetro

Oliveira da Serra (Algarvia)

O Dakar e os portugueses

As tribos motard

Quando o cliente é o menos importante

A questão da Honda Repsol

Novos horizontes

A MotoGP em 2023: Mais eletrónica, mais técnica, mais difícil

Decidir sem pensar

As (minhas) motos ao longo dos anos

A hora da Ducati

Aonde vai isto parar?

Oliveira e os descrentes

Época tola na MotoGP: Tudo muda em 2022

A evolução da espécie

E as Superbike ?

A esbater as fronteiras

Miguel Oliveira - De herói a vilão

Os que ficaram em 2021

MotoGP, Testes pré-época em Valencia

O Campeão tranquilo

Milão mostra as tendências globais

Superbike - Rea é o culpado da crise?

Marquez, 7 vezes Campeão - De outro mundo

Leon Haslam vence Britânico de Superbike - Meio século de glória para o clã Haslam

Por dentro dos Grand Prix Legends...

Das duas para as quatro rodas

Frank Sinatra e Eddie Lawson: a teoria do afastamento precoce

Departamento de truques sujos

Curiosidades - As marcas e os nomes

Mundial de Superbike chega a Portimão ao rubro – previsão

MotoGP 2018 - Decisão histórica

O preço de economizar

As motos e os miúdos

Porquê raspar o joelho?

Recordes em pista - A tender para zero?

Bons velhos tempos nas Superbike

A Honda RC30 tem 30 anos

A alegria do faça-você-mesmo

Superbike- Irá a nova BMW fazer diferença?

Mundial Superbike 2018 – Uma época à procura de maior equilíbrio

Moto GP- Qual é o problema com a Yamaha?

MotoGP - Silly season - a época tola

História repetida?

Uma crónica acerca de... nada!

"Tudo é possível" - uma aventura em Vespa

Ilha de Man 2018 - Recordes batidos, e ainda vamos nos treinos!

Barry Sheene, as motos e o marketing

Meninas e Motos

A Norton Commando

Mundial SBK - A evolução da Yamaha YZF-R1

Do avião à moto

Convivendo com Graziano Rossi

O jogo do empresta

Curiosidades – Os homens da Força Aérea Sueca

Histórias do Mundial - Santiago Herrero: Campeão sem coroa

Curiosidades - Evinrude e os Davidson

MotoGP - Previsão de uma época histórica

Mundiais de Velocidade - A YZR500, ou OW – A 500 de GP da Yamaha

Mundiais de Velocidade - A Honda NS/NSR500

Foi-se Tony Scott

Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte II

Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte I

Mundiais Velocidade - A evolução

Oportunidades perdidas

Moto GP – Como vai ser 2018? – 3ª Parte – A Suzuki e a KTM

Moto GP – Como vai ser 2018? – 1ª Parte – A Honda e a Yamaha

Os famosos e as motos – Uma inevitável atração?

Corridas de moto no Natal?

Histórias do Mundial – Gary Nixon, o campeão que nunca chegou a ser...

Histórias do Mundial – As poderosas 500

Histórias do Mundial - Degner, Kaaden e a MZ

Pneus de MotoGP

Retrospectiva – MotoGP 2017

Grande Prémio de Macau de 1986 - O primeiro com portugueses - 1ª parte

Mundial Superbike – Retrospectiva 2017

Mundial Moto 3- Retrospectiva

A Moriwaki – Um prodígio à Japonesa

Quando os Grandes Prémios serviam para sonhar - A ELF500

Yoshimura, o mago dos motores

Harris YZR500 - A aventura no Mundial

O que vem a seguir em Moto2?

Técnica MotoGP - “Chatter” e como o evitar

Porquê raspar o joelho?

GP San Marino Moto GP – A ausência de Rossi

A Ducati e Doug Polen

Curiosidades do Mundial de outrora...

Mundial de Superbikes - A corrida no México

O que é o Northwest 200?

As gloriosas 350

O Mundial de velocidade, como era há 30 anos...

Recordando as 8 Horas de Suzuka

As corridas de Clube em Inglaterra

Recordando a magia de Spa- Francorchamps

Ainda as Superbike...

Como resolver a crise nas SBK?

McLaughlin e a criação das Superbike

Karma, ou o ciclo da vida…

Mundial MotoGP - Itália - Chega o novo Michelin

É tempo de Ilha de Man de novo

Regresso às origens nas SBK

Nicky Hayden, o adeus

As origens da KTM de Miguel Oliveira

Recordando momentos...

Jerez de la Frontera: Destino obrigatório

Mundial de Superbikes chega a Assen

Porque correm os Ingleses?

Quando menos era mais...

Parentescos - Porque há cada vez mais famílias no MotoGP?

A propósito de Motoshows por esse mundo fora...

Moto2 revela equilíbrio antes da prova inicial em Losail, no Qatar

Novos pneus Michelin em foco nos treinos MotoGP

O Artesão dos Escapes

Adeus, Sir John

O adeus às asas traz mais problemas do que os que resolve?

O Regresso das SBK


Clique aqui para ver mais sobre: Desporto