
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Frank Sinatra e Eddie Lawson: a teoria do afastamento precoce
Quando Frank Sinatra anunciou, pela primeira vez, o seu afastamento dos palcos, a notícia causou alguma consternação… afinal o ano era 1971 e Sinatra, nascido em Hoboken, Nova Jérsia, em 1915, tinha apenas 56 anos… Nas motos, com Eddie Lawson, aconteceu algo semelhante.
andardemoto.pt @ 26-9-2018 23:40:00 - Paulo Araújo
A cerimónia oficial, uma série de concertos de despedida, só viria a ter lugar
em 1973, um pouco mais tarde… e então Sinatra provavelmente descobriu um facto
interessante…. Apesar de a sua voz ser já uma sombra de outrora, ter de ter
autocues espalhados entre as luzes do palco para recordar as letras que só uns
anos antes vinham fáceis à memória e a sua outrora imponente presença física se
resumir agora a uma figura frágil dum ancião calvo, com falta de vista e algo
menos que imponente em palco, os concertos esgotavam… ninguém queria perder a
oportunidade de ver o último concerto de Francis Albert Sinatra, de dizer que
tinham lá estado quando…
Com a ironia própria destas coisas Sinatra viria a dar
mais 1000 concertos entre 1973 e 1995, de Vegas ao Japão, e de Nova Iorque a
Sydney e quando foi mesmo o último, já com 80 anos, ele próprio não o poderia
prever.
Há pilotos na história que utilizaram um esquema semelhante para inflacionar os seus honorários, declarando-se retirados e depois regressando, estrategicamente, quando lhes cruzavam a palma com muita prata… Eddie Lawson, quatro títulos de 500 no bolso, e a distinção pouco habitual de ter conquistado campeonatos back-to-back com duas marcas, ou seja, saiu da Yamaha Marlboro de Kenny Roberts em 1988 para a Honda Rothmans, ganhando o título em ambas - e duas motos mais diferentes dificilmente se poderiam imaginar.
(Rossi viria a fazê-lo uns anos depois ao inverso, ou seja, da Honda para a Yamaha).
Nessa altura, após um período lucrativo mas com esparsos resultados na Cagiva, Lawson estava pronto para a reforma– a marca nunca tinha ganho uma corrida de 500 e diz-se que Lawson propôs a Claudio Castigiloni um Ferrari de bónus se fosse ele a inverter esse estado de coisas. A hipótese era tão pequena que parece que o industrial italiano aceitou… e o caso é que Lawson, jogando numa daquelas corridas em que todos saíram para a pista a secar com pneus de chuva menos ele, veio detrás quando a pista secou mesmo ao fim para derreter todos na Cagiva 500…
Portanto, títulos mundiais, fama e dinheiro já eram seus… nada o impedia de se afastar e foi isso que fez, para um condomínio à beira de um lago na Califórnia, de tal modo que Doug Polen me disse uma vez que tinha escolhido a casa ao lado da dele para “poder brincar com os brinquedos do Lawson” que incluíam jet-skis, parapentes, barcos a motor, etc.
Agora, é parte da história que Lawson ainda ganharia as 200 Milhas de Daytona duas vezes (e as 8 Horas de Suzuka em parceria com Tadahiko Tair, quando lá estive em 1990).
A técnica foi semelhante à usada por Sinatra. Em vista de Steady Eddie, assim alcunhado por nunca cair e portanto, garantir praticamente resultados sem nunca cometer erros, a Yamaha tinha grande interesse em promover a sua nova FZ750 de cabeça de 20 válvulas, alinhando em Daytona com uma com Lawson aos comandos. No ano anterior, 1985, a FZ não estava suficientemente desenvolvida e apenas o Canadiano Reuben McMurter tinha acabado em 5º com uma.
A Yamaha estava portanto determinada a contratar Lawson, mas teve de o convencer que a moto seria competitiva, e Lawson prontamente ganhou com ela.
Essa primeira vez lançou a FZ como uma vencedora pelo mundo fora, a famosa Nº 4, porque Lawson ganhou, claro, com ajuda de um modelo muito especial… Se pensam que foi fácil, a Suzuki tinha Kevin Schwantz com a nova GSXR Yoshimura e a Honda tinha Rainey.
O ritmo de corrida entre os 3 foi tão intenso que, à sétima volta, já estavam a dobrar alguns dos 80 participantes! Isto, claro, num ano em que Lawson defendia o seu título mundial de 500GP.
Mas a coisa não ficou por aí… pouco depois, em 1993, Lawson seria atraído de novo para a marca que praticamente usou toda a sua carreira internacional.
É certo que nos EUA tinha ganho as Superbike AMA com a Kawasaki Muzzy e houve, claro, como já vimos, o período no Mundial com a NSR Rothmans e com a Cagiva. Mas geralmente, quando recordamos Lawson, é numa YZR500 com as cores da Marlboro, lugar que deixaria ao igualmente bem sucedido Wayne Rainey.
Da segunda vez e ao contrário da primeira, Lawson estava oficialmente retirado, pelo que a conversa deve ter sido qualquer coisa como:
“Oh Eddie, bem podias voltar para vir fazer Daytona com a nossa moto!”
“Não, não, eu estou retirado!”
“…mas íamos pagar-te 2 milhões de dólares!”
“Onde é que eu assino?”
Para a história, Lawson ganhou de novo, desta na YZF750 com as cores da Vance & Hynes… E o dinheiro serviu para muito combustível para os jet skis e para muitos barbecues para aquele piloto que, em miúdo, e até Bob Hansen da Kawasaki America lhe ter pegado na mão, nunca na sua vida tinha provado um bife, apenas hamburgers!
andardemoto.pt @ 26-9-2018 23:40:00 - Paulo Araújo
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