
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
A Moriwaki – Um prodígio à Japonesa
Mais uma das míticas marcas japonesas de acessórios lembrada
andardemoto.pt @ 25-10-2017 21:12:44 - Paulo Araújo
Há dias, falámos aqui da Yoshimura, e o nome Moriwaki veio à
baila, dando a entender que havia uma relação entre ambas as marcas, que não
vinha ao caso na altura. Porém, a Moriwaki em si tem uma história bastante
interessante, embora as suas origens possam ser inesperadas para alguns.
Para
começar, temos de levar em conta a mediocridade dos chassis japoneses de origem
da época. Isto tinha uma razão lógica de ser, como me explicou a dada altura
Steve McLaughlin, justamente um dos primeiros pilotos Yoshimura: As primeiras
japonesas eram cópias das motos de referência da altura, as inglesas BSA e
Triumph.
Estas motos eram desenhadas para um máximo de 160 Km/h, de tal modo
que as suas designações (T100 ou T110), por exemplo, se referiam supostamente –
e alguns dizem, com optimismo! – à velocidade máxima atingida em milhas. Como
tal, vinham dotadas de quadros tubulares, garfos finos e braços oscilantes e
amortecedores rudimentares.
Quando preparadores como Yoshimura começaram a extrair 100 ou 120 cavalos dos motores japoneses, descobriram que o que funcionava em termos de ciclística com os 45 cavalos duma Triumph, dava todo o tipo de problemas ao tentar administrar o dobro dessa potência.
Ora McLaughlin, cuja fama vinha de ter ganho Daytona em 1976 com uma BMW, era conhecido como bom afinador, o que não era por acaso. Filho de um concessionário automóvel da Califórnia, quando se deparou com estes problemas nas primeiras Kawasaki Yoshimura, sabia exactamente a que portas bater.
Mandou fazer amortecedores com 10 ou 12 cm de curso em vez dos 4 ou 5 de origem, muniu os braços oscilantes de rolamentos onde havia apenas um tubo transversal montado ao quadro, reforçou os garfos e quadros e geralmente conseguiu grandes avanços no comportamento do modelo em pista.
Moriwaki correra no Japão, justamente para a Yoshimura, e nem sequer tinha treino formal como mecânico, muito menos engenheiro, mas desde que casara com a filha mais velha de “pops” Yoshimura, Namiko, tinha aberto com esta um concessionário em Suzuka, (onde ainda hoje está a sua pequena fábrica) para vender as peças especiais do genro no Japão.
Quando em 1971 Yoshimura se muda para os EUA, Moriwaki não concorda, incompatibiliza-se com o sogro e não se falam por um tempo. No entanto, quando pouco depois Yoshimura perde uma fortuna com um negócio que correu mal na América, e regressa ao Japão, é Moriwaki que lhe empresta dinheiro para se estabelecer de novo... Yoshimura volta para os EUA, mas Moriwaki persiste no Japão, e além de preparar motores com os interiores Yoshimura, mais tarde acrescenta quadros feitos por si, coisa que Yoshimura nunca fez.
Em 1976 a Suzuki lançou a primeira GS750, e esta vinha já com muitos melhoramentos em relação às Kawasaki, pelo que, por uns tempos, “pops” Yoshimura competia com uma de cada, situação que não poda continuar. Assim, para contentar gregos e troianos, ao fazer um acordo de exclusividade com a Suzuki, “entregou” ao seu genro Mamoru Moriwaki a Kawasaki desenvolvida por McLaughlin, e prontinha a vencer.
Entretanto, outro concessionário Yoshimura, neste caso na
Austrália, era Ross Hannan que, retirado da pilotagem, apoiava um certo Neo-Zelandês
chamado Graeme Crosby. Para enfrentar os 4 grandes japoneses nas suas motos e
causar sensação, Moriwaki queria pilotos
estrangeiros e através do contacto de Hannan, convida Crosby a vir para o
Japão.
Diz o “Kiwi”: “Cheguei ao Japão em 1978, para testar a moto antes das 8 Horas e nem acreditava como era rápida e estável... logo que saí com ela, rodei 2 segundos abaixo do recorde da pista... esta moto era um verdadeiro achado!” Com Tony Hatton, outro Australiano, Crosby entrou nas primeiras 8 Horas de Suzuka e ficaram em terceiro –apesar de Hatton ter ficado sem gasolina e ter de empurrar a moto de regresso às boxes a dada altura!
O sucesso de “Croz” levou-o a mudar-se para Inglaterra com as Moriwaki em 1979, no ano seguinte, para contestar o TT da Ilha de Man. “A imprensa britânica salientava o facto de eu ter uma moto de guiador direito, em vez dos avanços tradicionais... o que fez, foi uma data de gente pôr-se em sentido... fiquei em 2º no Campeonato Britânico de TT F1 sem ter tido que mudar o guiador!”
Crosby deu-se bem, pois nas 8 Horas de Suzuka desse ano, em parceria com Akitaka Tomie, qualificou a Moriwaki na pole, à frente de todas as equipas de fábrica. É fácil de entender, a partir daqui aqui, a relação especial que o Neo-Zelandês tinha com Mamoru Moriwaki, e foi graças a ele ter intercedido, que em 1990 fui autorizado a visitar e fotografar a fábrica, normalmente muito resguardada...
Crosby assinaria de seguida pela Suzuki para pilotar as novas Suzuki XR69, a moto de fábrica de TT F1 para 1980, bem como a XR34, a 500 de Grande Prémio igual às de Barry Sheene. Ainda nesse ano, a história repetiu-se nas 8 Horas de Suzuka, desta com Dave Aldana e David Emde, dois americanos que qualificaram a Moriwaki em segundo, logo atrás da Kawasaki oficial de... Eddie Lawson e Gregg Hansford.
Com Crosby a partir para a Suzuki, em 1981, outro Australiano surge na cena britânica de velocidade apoiado pela Moriwaki... um tal Wayne Gardner. É da história como dormia no seu pequeno Morris 1100 para competir pela Inglaterra fora com as motos azuis e amarelas, por essa altura já famosas. É também em 1981 que Moriwaki, então já mais especialista de chassis que de motores, desenvolve o primeiro quadro de alumínio para motos de alta cilindrada.
Gardner e John Pace colocam a Kawasaki Moriwaki de novo na pole para as 8 Horas de 1981, que por essa altura se tornara uma das mais prestigiadas corridas do mundo. Gardner viria ainda a ser 4º na corrida de Superbike de Daytona desse ano. Se isso parece pouco, notem que 1º, 2º e 3º foram Graeme Crosby e Wes Cooley nas Suzuki Yoshimura e um jovem Freddie Spencer numa Honda.
Gardner lutou todo o ano pelo Campeonato Britânico na Moriwaki, perdendo o título só por uma avaria na última corrida. Já se sabe que a seguir, viria um contrato com a Honda (notavelmente, correndo em Vila Real em 1983) e depois, o Mundial de Velocidade e a coroa Mundial de 500 em 1987 – o primeiro Australiano a conseguir o feito.
Moriwaki aparece então associado à Honda HRC nos anos 80 (até porque a Kawasaki se viria a retirar das corridas vários anos) sendo a primeira firma externa autorizada a usar motores de fábrica Honda nas suas motos.
Moriwaki começou também a oferecer chassis completos nas pequenas cilindradas, motos de 80 e 125cc que formaram a base de muitos troféus de iniciação pelo mundo fora. Já nos tempos modernos, de 2003 a 2005, a marca competiu na MotoGP com um motor Honda RC211V num quadro Moriwaki.
Da experiência assim ganha, viria a Moto2 MD600, que deu à Gresini e ao seu piloto Toni Elias o primeiro título de Moto2 em 2010, com Elias a vencer 7 corridas a caminho do título.
Da pequena fábrica, a poucos Km do circuito de Suzuka, não saem só motos completas, mas também kits de escapes, poisa-pés, reforços de chassis, embraiagens secas, caixas curtas, fibras de competição, e em geral todo o tipo de peças especiais, lindamente acabadas, hoje em dia feitas em tornos digitais moderníssimos... o espírito e a paixão, esses permanecem inalterados!
STOP PRESS: De Giorgio Barbier, Director da Pirelli nas Superbike, recebemos o seguinte comentário ao artigo: Ciao Paolo, ho passato l'articolo a Midori Moriwaki: ti ringrazia - "Olá Paulo, passei o artigo à Midori Moriwaki, que te agradece"
andardemoto.pt @ 25-10-2017 21:12:44 - Paulo Araújo
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