Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte II
Tendo dominado os GP de 500 quase uma década, a RG500 da
Suzuki estava agora a conhecer forte concorrência da Yamaha e Honda, pelo que urgia
actualizá-la. A solução foi o aparecimento da RGV...
andardemoto.pt @ 21-2-2018 22:33:25 - Paulo Araújo
Assim, em 1987, o motor quadrado da RG500 foi substituído pelo V-4 da RGV500, uma mudança inevitável, já que a concorrência, incluindo a Honda, Yamaha e Kawasaki tinham todos aderido ao motor a 2 tempos. A limitação do motor quadrado era na velocidade de admissão limitada, que não ocorria num V4... com a nova configuração, as Suzuki RGV , em que os dois pares de cilindros montavam numa única cambota, depressa atingiram os 145 cv. Só que, entretanto, tinham surgido dois super-homens na cena, Kenny Roberts e Freddie Spencer, que viriam a dominar no início dos anos oitenta com, respectivamente, Yamaha e Honda, dificultando as coisas para a Suzuki
Em 1983 e 84, Sheene tenta ainda um par de épocas com uma RGV500 muito melhorada, para se afastar de seguida, desiludido- mas não antes de introduzir à Suzuki o homem-sensação dos anos seguintes, Kevin Schwantz. É por indicação de Sheene que o jovem Texano corre pela primeira vez com uma RGV500 emprestada em Inglaterra, ingressando no Mundial um ano mais tarde em 1986, a tempo de acabar por duas vezes em décimo, na Bélgica e em S. Marino. Nesse ano, os pilotos oficiais eram o escocês Niall Mackenzie e o italiano Pierfrancesco Chili, que no entanto apenas acabam o Mundial empatados na 10º posição. Paul Lewis, na estranha criação da Suzuki GB, com quadro monocoque em colmeia de carbono da Ciba-Geigy, apenas acaba em 18º.
1987 é a primeira época completa de Schwantz, que lhe traz um 5º em Jerez, um 8º em Monza e um 9º em França a caminho duma posição final de 16º, segunda Suzuki atrás do 14º de Kenny Irons. Em 1988, é introduzida a RGV500 Gamma, em que o motor passa a ser de duas cambotas e cilindros em V de 70º, e a equipa Pepsi Suzuki com Schwantz e Rob McElnea consegue melhorar para 8º e 10º, respectivamente, as posições da marca.
A ascensão de Schwantz
Schwantz começa a ser notado, ganhando no Japão e Alemanha à chuva, únicas condições em que o seu talento supria a vantagem das Honda e Yamaha, que dispunham de aceleração e potência superiores. Em 89, agora com as cores da Lucky Strike, o Texano repete a dose, acabando o Mundial em 4º depois de vitórias, mais uma vez, no Japão, e ainda na Áustria, Jugoslávia, Grã-Bretanha, Checoslováquia e na prova final no Brasil. 1990 vê Niall Mackenzie ingressar de novo na equipa, fazendo assim alinhar uma combinação única de experiência e talento que daria à marca o 2º e 4º lugares no fim da época.
Mas o título continuava a alternar entre a Honda (87, 89) e a Yamaha (86, 88, 90) e a iludir Schwantz e a Suzuki. Isto ficou a dever-se em parte, à atitude “glória ou morte de Schwantz, que não raro era o piloto com mais vitórias, mas estas alternavam com quedas, enquanto um homem como Lawson raramente cometia erros. Ainda por cima, em 89, chega em força o substituto de Wayne Gardner, um tal Michael Doohan, trocando com Schwantz de terceiro em 90 para segundo em 1991.
Para 1992, a Suzuki vai buscar o campeão americano de Superbike Doug Chandler, com os pilotos europeus largamente ausentes dos primeiros lugares, e as motos acabam o ano em 4º e 5º. Schwantz apenas vence em Itália, contra as 4 vitórias de Doohan, que no entanto perde o título para a maior regularidade de Rainey- que vencera em 3 ocasiões.
Também começa a aparecer nas tabelas um certo Crivillé, em 8º desse ano. E então veio 1993. Barros ingressa na Suzuki Lucky Strike ao lado de Schwantz, que passa todo o ano em luta com Rainey, estreando-se com primeiro na Austrália, seguida da Espanha, Áustria e Holanda. O ano foi muito equilibrado, com a vitória, normalmente polarizada por apenas 2 ou 3 pilotos, a sorrir a Rainey, Beattie, Doohan, Cadalora, Kocinsky e Barros, repartidos por 4 marcas (Honda, Yamaha, Suzuki e Cagiva)- um cenário que só viria a ser repetido nos nossos dias, já com as MotoGP a 4 tempos!
A Suzuki RGV500 Gamma que deu vitórias a Schwantz e Barros nesse ano já pouco tinha em comum com a RG500 original de 1974, para lá do nome no depósito e cilindrada de 498cc. A potência do motor ascendia aos 165 cv às 12.800 rpm, contra aí uns 130 máximos da RG original. Era a primeira aplicação do “big bang”, e as cambotas rodavam no sentido inverso ao do movimento, para ajudar a roda da frente a manter-se no chão. O quadro dupla-viga fora extraordinariamente compactado, fazendo da Suzuki uma das motos mais baixas do “paddock”, mas era na ferocidade da sua resposta que residia a sua dificuldade, até à adopção do motor “big bang”.
Com esta configuração, válvulas de escape e “power jets” controlados electronicamente nos carburadores Mikuni de 36mm, a moto passou a ter potência utilizável a partir das 6.500 rpm e a permitir aos seus pilotos uma condução mais redonda e menos nos limites. Ironicamente, as cotas volumétricas tinham regressado praticamente à origem da RG500, com 56 x 50,6mm.
Entre 1988 e 1994, a RGV consegue, com Schwantz, Mackenzie, Chandler e Barros, 26 vitórias, 31 poles, 28 voltas rápidas e um total de 59 pódios- um palmarés digno de nota sob qualquer ponto de vista. Porém, a vitória de Schwantz em 93 tem o sabor amargo do acidente que deixara Rainey paralisado- “não é assim que eu queria ter vencido”, terá dito Schwantz na altura – e com a resultante desmotivação seguem-se uma série de quedas e pequenas lesões irritantes.
Em 94, Schwantz acaba ainda em 4º o Mundial, mas quando no ano seguinte a caixa da RGV bloca em 4ª a fundo em Eastern Creek, nos treinos para o GP da Austrália, Schwantz toma, no seu íntimo, a decisão de abandonar, que anuncia ao mundo pouco depois. A Suzuki recorre a Scott Russell, que abandonara apressadamente a Kawasaki nas Superbike, depois de treinar secretamente com as RGV em Brno, quando supostamente estava de férias em Inglaterra.
É uma dura aprendizagem para o Americano, que tem dificuldade em se adaptar à RGV- o que é demonstrado pela sua posição final de 13º, apesar dum creditável melhor lugar de 5º no Brasil. Para 96, a marca fica com o Sulista ex-campeão Mundial de Superbike e com Daryl Beattie, que também está longe do seu melhor. O ano passa com dois terceiros para Scott Russell, no Japão e República Checa, mais uma série de resultados nos primeiros 5 a contribuir para o seu posto final de 6º- segue-se uma “travessia do deserto” em 97 e 98, com a retirada da Lucky Strike e dois japoneses como pilotos, mas a marca só voltaria à ribalta quando o filho de Kenny Roberts se subtrai finalmente à influência do pai e assina para correr com a RGV em 1999.
Logo nesse ano, com a adição de Warren Willing à equipa técnica, a moto é suficientemente modificada para vencer na Malásia, Japão, Alemanha e Argentina. Encorajados pelo progresso e com Roberts apoiado por Nobuatsu Aoki mais uma vez, a marca aparece com novo fôlego, com patrocínio da Telefónica Movistar espanhola e mais motivados que nalguma ocasião dos 7 anos anteriores.
A RGV500 Gamma está no seu auge, com a última versão da moto oficial, a XRB- Zero a desenvolver potência mais utilizável, com menor peso e muitas modificações de detalhe. Com ela, Roberts luta todo o ano de 2000 com Valentino Rossi, superando-se, e ao italiano, para vencer na Malásia e em Jerez, Catalunha e Motegi. Com as outras vitórias do ano divididas entre McCoy, Crivillé, Abe, Capirossi, Barros, Biaggi e Rossi, é suficiente para dar o título de pilotos ao Americano, o 5º da RG(V)500.
O modelo tinha dado a volta por cima, 26 anos após ter sido a primeira dois tempos a vencer uma prova de 500 . Ironicamente, no ano seguinte, seria substituída pela motorização, também em V, mas a 4 tempos, fechando um longo e glorioso capítulo da história do Mundial de Velocidade.
PALMARÉS DA RG500
Títulos de Pilotos
1976, 1977 - Barry Sheene, GB
1981 - Marco Lucchinelli, It
1982 - Franco Uncini, It
1993 - Kevin Schwantz, USA
2000 - Kenny Roberts, USA
Segundos
1979 - Virginio Ferrari, It
1980, 1981 - Randy Mamola, USA
1990 - Kevin Schwantz, USA
1999 - Kenny Roberts, USA
Títulos de Construtores: 1976, 1977, 1978, 1979, 1980, 1981, 1982
Vice-campeonatos: 1993, 1994, 1995
Terceiros lugares: 1974, 1975, 1983-1986, 1988-1992, 1996-2001
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