Paulo Araújo

Paulo Araújo

Motociclista, jornalista e comentador desportivo

OPINIÃO

Yoshimura, o mago dos motores

O nome Yoshimura é bem conhecido da maioria, como um fabricante de escapes de rendimento, mas quantos sabem mesmo a origem e história da marca?

andardemoto.pt @ 11-10-2017 21:11:18 - Paulo Araújo

A marca Yoshimura foi fundada por Hideo "Pops" Yoshimura, que nasceu a 7 de Outubro de 1922 na cidade de Fukuoka, no Japão, e que viria a falecer 73 anos depois nos Estados Unidos, a 29 de Março de 1995.

Yoshimura era um preparador de motos, proprietário da equipa de corrida homónima e empresário fabricante de acessórios especiais para motociclos, que ganhou fama nos anos 70 do século passado, especialmente pela sua influência no estabelecimento das Superbike como uma das categorias principais da Federação Americana, AMA, graças às prestações que conseguia extrair das então limitadas motos japonesas.

Yoshimura foi convocado para o serviço militar durante a Segunda Guerra Mundial, e treinado como aviador. Tivesse ele continuado nessa carreira, e provavelmente teria acabado como tantos outros jovens pilotos japoneses, como Kamikaze, despenhando-se com um avião cheio de explosivos num qualquer porta-aviões americano, numa tentativa desesperada de atrasar a inevitável vitória do inimigo.

Quis o destino que um acidente durante um treino de pára-quedas o deixasse coxo, e portanto inapto para voar. Já incorporado na Força Aérea, Hideo Yoshimura acabou por aprender mecânica de aeronaves, trabalho que realizou durante o resto da II Guerra Mundial e que requeria precisão, destreza, e um entendimento intrínseco do que fazia funcionar em pleno um motor de combustão interna.

Desmobilizado, depois da guerra, Yoshimura começou a trabalhar como mecânico de motos e, vindo da complexidade dum motor aeronáutico, foi-lhe fácil perceber como extrair mais potência dos básicos motores ingleses, mais concretamente das BSA e Triumph bicilíndricas da altura. 

Yoshimura tinha uma habilidade inata para perceber o que funcionaria ao modificar um motor. Inicialmente com ferramentas básicas e semigastas, desenvolveu a capacidade de melhorar peças obsoletas, limando cames manualmente, melhorando as carburações e geralmente aperfeiçoando tudo o que pudesse fazer funcionar mais eficientemente cada motor.


"pops" com a famosa lima...

"pops" com a famosa lima...

Entretanto, os numerosos militares americanos estacionados no Japão passavam o seu tempo de lazer a andar de moto. Cedo correu a palavra de que um mecânico japonês franzino, num certo barracão, as afinava melhor que ninguém, e não tardou que todos os motociclistas locais fizessem fila à sua porta.
De tal modo que, pouco depois, em 1954, Yoshimura abriu a sua primeira loja em Tóquio, com a esposa Naoe e os filhos como ajudantes. Esta chegava a fazer os moldes para os escapes, enquanto o filho Fujio aprendia tudo sobre motores e a filha Namiko se ocupava da contabilidade. Esta, por sua vez, viria a casar com um piloto e afinador japonês de nome Mamoru Moriwaki, mas isso é outra história...
Em 1971, “pops” Yoshimura, como era conhecido por todos, teve um rasgo de inspiração, e mudou o seu negócio para Los Angeles no início da era das superbikes de quatro cilindros. A sua reputação continuou a crescer, mas num mercado muito mais vasto e abastado que o arruinado Japão pós-guerra.


A rodar válvulas...

A rodar válvulas...

Em 1976, a AMA introduziu uma classe nas corridas baseada em motos de produção de alta cilindrada e Yoshimura não podia faltar . Estabeleceu-se no meio da competição, inscrevendo rápidas e fiáveis ​​Kawasaki Z1 que logo se distinguiram, de tal modo que raramente necessitava de pagar aos pilotos, já que estes se ofereciam para as pilotar de graça.

Em 1978, Yoshimura mudou das Kawasaki para as Suzuki e começou a ganhar corridas. Steve McLaughlin, que já ganhara fama como piloto e afinador de chassis, tendo sido, aliás, foi o primeiro piloto Yoshimura a ser pago, ganhou a corrida de Daytona Superbike de 1978 com uma GS750, enquanto Wes Cooley e Mike Baldwin, numa GS1000, ganharam a primeira edição das prestigiadas 8 Horas de Suzuka no Japão.

Com Wes Cooley como seu piloto, Yoshimura conquistou o campeonato nacional AMA Superbike em 1979 e 1980. Yoshimura formou uma estreita relação com a Suzuki e, eventualmente, tornou-se na equipa oficial da Suzuki nos Estados Unidos, desenvolvendo os kits de fábrica oficiais – mais tarde, em conjunto com Dominique Melliand do Suzuki Endurance Racing Team francês -  e popularizando o vermelho e negro das suas cores. Ao mesmo tempo, comercializava um vasta gama de peças especiais: escapes, cames, válvulas e carburadores, por todo o mundo.

Ao longo dos anos, os pilotos Yoshimura são um verdadeiro “quem é quem” dos melhores talentos dos EUA, nomes como Yvon Duhamel, Steve McLaughlin, Wes Cooley, Graeme Crosby, Ron Pierce, David Emde, Roberto Pietri, Doug Polen, Kevin Magee, Scott Gray, Kevin Schwantz, Nobuatsu Aoki, Yukio Kagayama, Mat Mladin ou Ben Spies atravessam quatro décadas até aos dias de hoje.


Fumador inveterado, como se pode ver em muitas fotos da época, Yoshimura morreu de cancro em 1995. O que é inegável é que deixou um legado como mestre artesão, preparador e fabricante e foi uma das personalidades pioneiras da classe superbike.

O seu filho Fujio continua a operar a empresa, que continua a gozar de sucesso na classe Superbike da AMA, com o piloto Mat Mladin a ganhar seis campeonatos em sete anos e posteriormente Ben Spies vencendo os campeonatos de 2006-2008.

Recentemente, a Yoshimura comemorou o evento do seu 60º aniversário nas 8 Horas de Suzuka 2014. Kevin Schwantz e Satoshi Tsujimoto apadrinharam uma moto de corrida especial "Pops Yoshimura" para a equipe de corrida Yoshimura Legends.

Os que o conheciam bem garantem que, além da sua imensa capacidade como mecânico, da sua honradez e princípios, com ele não era preciso assinar contratos, um aperto de mão bastava!


andardemoto.pt @ 11-10-2017 21:11:18 - Paulo Araújo

Outros artigos de Paulo Araújo:

Ligar o complicómetro

Oliveira da Serra (Algarvia)

O Dakar e os portugueses

As tribos motard

Quando o cliente é o menos importante

A questão da Honda Repsol

Novos horizontes

A MotoGP em 2023: Mais eletrónica, mais técnica, mais difícil

Decidir sem pensar

As (minhas) motos ao longo dos anos

A hora da Ducati

Aonde vai isto parar?

Oliveira e os descrentes

Época tola na MotoGP: Tudo muda em 2022

A evolução da espécie

E as Superbike ?

A esbater as fronteiras

Miguel Oliveira - De herói a vilão

Os que ficaram em 2021

MotoGP, Testes pré-época em Valencia

O Campeão tranquilo

Milão mostra as tendências globais

Superbike - Rea é o culpado da crise?

Marquez, 7 vezes Campeão - De outro mundo

Leon Haslam vence Britânico de Superbike - Meio século de glória para o clã Haslam

Por dentro dos Grand Prix Legends...

Das duas para as quatro rodas

Frank Sinatra e Eddie Lawson: a teoria do afastamento precoce

Departamento de truques sujos

Curiosidades - As marcas e os nomes

Mundial de Superbike chega a Portimão ao rubro – previsão

MotoGP 2018 - Decisão histórica

O preço de economizar

As motos e os miúdos

Porquê raspar o joelho?

Recordes em pista - A tender para zero?

Bons velhos tempos nas Superbike

A Honda RC30 tem 30 anos

A alegria do faça-você-mesmo

Superbike- Irá a nova BMW fazer diferença?

Mundial Superbike 2018 – Uma época à procura de maior equilíbrio

Moto GP- Qual é o problema com a Yamaha?

MotoGP - Silly season - a época tola

História repetida?

Uma crónica acerca de... nada!

"Tudo é possível" - uma aventura em Vespa

Ilha de Man 2018 - Recordes batidos, e ainda vamos nos treinos!

Barry Sheene, as motos e o marketing

Meninas e Motos

A Norton Commando

Mundial SBK - A evolução da Yamaha YZF-R1

Do avião à moto

Convivendo com Graziano Rossi

O jogo do empresta

Curiosidades – Os homens da Força Aérea Sueca

Histórias do Mundial - Santiago Herrero: Campeão sem coroa

Curiosidades - Evinrude e os Davidson

MotoGP - Previsão de uma época histórica

Mundiais de Velocidade - A YZR500, ou OW – A 500 de GP da Yamaha

Mundiais de Velocidade - A Honda NS/NSR500

Foi-se Tony Scott

Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte II

Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte I

Mundiais Velocidade - A evolução

Oportunidades perdidas

Moto GP – Como vai ser 2018? – 3ª Parte – A Suzuki e a KTM

Moto GP – Como vai ser 2018? – 1ª Parte – A Honda e a Yamaha

Os famosos e as motos – Uma inevitável atração?

Corridas de moto no Natal?

Histórias do Mundial – Gary Nixon, o campeão que nunca chegou a ser...

Histórias do Mundial – As poderosas 500

Histórias do Mundial - Degner, Kaaden e a MZ

Pneus de MotoGP

Retrospectiva – MotoGP 2017

Grande Prémio de Macau de 1986 - O primeiro com portugueses - 1ª parte

Mundial Superbike – Retrospectiva 2017

Mundial Moto 3- Retrospectiva

A Moriwaki – Um prodígio à Japonesa

Quando os Grandes Prémios serviam para sonhar - A ELF500

Yoshimura, o mago dos motores

Harris YZR500 - A aventura no Mundial

O que vem a seguir em Moto2?

Técnica MotoGP - “Chatter” e como o evitar

Porquê raspar o joelho?

GP San Marino Moto GP – A ausência de Rossi

A Ducati e Doug Polen

Curiosidades do Mundial de outrora...

Mundial de Superbikes - A corrida no México

O que é o Northwest 200?

As gloriosas 350

O Mundial de velocidade, como era há 30 anos...

Recordando as 8 Horas de Suzuka

As corridas de Clube em Inglaterra

Recordando a magia de Spa- Francorchamps

Ainda as Superbike...

Como resolver a crise nas SBK?

McLaughlin e a criação das Superbike

Karma, ou o ciclo da vida…

Mundial MotoGP - Itália - Chega o novo Michelin

É tempo de Ilha de Man de novo

Regresso às origens nas SBK

Nicky Hayden, o adeus

As origens da KTM de Miguel Oliveira

Recordando momentos...

Jerez de la Frontera: Destino obrigatório

Mundial de Superbikes chega a Assen

Porque correm os Ingleses?

Quando menos era mais...

Parentescos - Porque há cada vez mais famílias no MotoGP?

A propósito de Motoshows por esse mundo fora...

Moto2 revela equilíbrio antes da prova inicial em Losail, no Qatar

Novos pneus Michelin em foco nos treinos MotoGP

O Artesão dos Escapes

Adeus, Sir John

O adeus às asas traz mais problemas do que os que resolve?

O Regresso das SBK


Clique aqui para ver mais sobre: Desporto