
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Convivendo com Graziano Rossi
É uma pessoa muito particular, o pai de Valentino Rossi,
que acabei por conhecer bem, mas quase completamente por acaso.
andardemoto.pt @ 18-4-2018 21:49:56 - Paulo Araújo
Já sabia, por ouvir dizer, que não gostava de voar, preferindo guiar a sua carrinha BMW Série 5 para as provas, e dormir nela, num saco-cama improvisado na traseira. Numa ida a Jerez de la Frontera, para o Grande Prémio de Espanha, em 2004, fiz exactamente a mesma coisa. As vantagens disso, especialmente num Grande Prémio em que se podem esperar cerca de ¼ milhão de espectadores, são óbvias: Não nos arriscamos a ficar retidos em filas intermináveis de trânsito a caminho do circuito e perder as corridas. Acorda-se de manhã já no Paddock, com chuveiros à mão de semear, onde com sorte ainda encontramos algum mecânico semi-famoso enquanto estamos a fazer a barba, e nos sentimos mesmo parte do ambiente. E estar no Paddock à hora que ainda não há público tem outras vantagens em si... os pilotos andam de um lado para o outro livremente, tem-se tempo de falar com velhos amigos que, duas horas depois quando a azáfama já começou, nem nos passam cartão, etc.
Assim, nessa tarde, com o sol a pôr-se, encontrei-me a adaptar a traseira da minha Mercedes para a noite a cerca de 50 metros de Graziano Rossi, que fazia o mesmo à sua BMW... “Também tu?” foi o que parecemos dizer um ao outro, numa troca de olhares que não passou disso nessa altura. Graziano sempre foi um excêntrico, nunca usava as roupas da equipa a que, em princípio, como pai do piloto-estrela, teria direito. Antes trajava gangas com suspensórios coloridos sobre a camisa, e ainda tinha o cabelo bastante comprido e não necessariamente penteado.
No dia seguinte, já nem me lembro bem como, encontrámo-nos no Paddock e pusemo-nos a conversar. Às tantas ele pegou-me pelo braço e disse: “Anda, vamos almoçar à Yamaha.” Lembro-me de entrar com ele na "hospitality" da marca, de onde normalmente, não sendo nem ingleses nem italianos, éramos imediatamente corridos, ainda que delicadamente.
Desta vez,porém, ninguém sequer pestanejou, e sentámo-nos a um canto, onde logo nos serviram aperitivos, etc. Poucos minutos volvidos, veio sentar-se ao nosso lado Masao Furusawa. Cabe aqui explicar que Furusawa, retirado em 2010, era o engenheiro “apaga-fogos” da Yamaha que tinha vindo da sua missão (bem sucedida) de resolver um problema com as motos de água da marca, nos EUA, para a equipa de MotoGP para fazer a combinação vencedora da YZR-M1 (quadro e motor) ao gosto de Valentino Rossi, recém-chegado da Honda, para lhe permitir vencer.
Não fica mal explicar também que o então manager da equipa, e
o homem responsável por atrair “Vale” da Honda para a Yamaha, e o actual manager
da Suzuki de MotoGP, era Davide Brivio, meu conhecido dos tempo das SBK, em que
geria a equipa Yamaha de Fabrizio Pirovano e se descrevia modestamente como “um
empregado da Yamaha.”
Quando este chegou e me falou com descontração como a um
velho amigo, também não há-de ter passado despercebido aos restantes
presentes. Durante a refeição, Furusawa contou
alguns pormenores da já conhecida história de como pôs cerca de 5 quadros e 3
motores à disposição de Rossi, anotando mentalmente qual seria a combinação
escolhida, mas sem dizer nada ao piloto. Quando Vale escolheu exatamente a
mesma combinação de quadro/motor, sabia que podiam vencer! E o resto é história!
Escusado será dizer que, na ausência de Valentino, cuja refeições são levadas à
motorhome numa “scooter” por um dos “minions” da equipa, a mesa de honra tornou-se aquela em que
estavam Graziano e Masao Furusava, e este escriba, claro, a quem entretanto se tinham juntado Brivio, Lin
Jarvis, diretor da Yamaha e mais uns quantos nomes mais ou menos famosos do "paddock".
Nesse fim de semana, fiz a primeira de várias entrevistas a
Graziano, e retive coisas giríssimas que me disse, talvez a mais importante para
explicar como a simpatia de Valentino era de um importância fundamental para a equipa, fazendo com que todos à sua volta trabalhem incansavelmente para lhe dar
a melhor moto possível.
Ainda me lembro da citação que escolhi de todas as de Graziano:
“Afinar a moto, eventualmente aprendes... mas se não sabes como cumprimentar o mecânico logo de manhã, estás f*****!”
Outra coisa gira que Graziano Rossi me contou, foi como sempre serviu para dar um toque de realidade a Valentino, para lhe manter os pés na terra: “Quando ganhou nas 125, disse-lhe que não se entusiasmasse, eram só as 125! Quando ganhou nas 250, dois anos depois, disse-lhe que não pensasse demais na coisa, ainda não eram as 500... mas quando venceu nas 500 também, tive de me render à evidência de que ele é muito bom!”
E outra: “Estão-me sempre a perguntar qual é a minha melhor memória do Valentino; Mas tenho tantas! Aí com 9 anos, íamos para os karts de aluguer e passava lá horas, não se queria vir embora! Quando tinha para aí 14 anos, pediu-me um Ape, aqueles triciclos da Piaggio, para ir para a escola. Assim que se apanhou com ele, ele e os amigos desmontaram-no todo no nosso barracão e puseram-lhe, em vez do motor de 50cc que era legal mas não andava nada, um de Vespa com alguns 200cc, com pistões de competição, escape de rendimento, sei lá! Quando dei por ela já fazia coisas incríveis com aquilo, ainda bem que tinham atado uma das portas com arame, porque uma vez despistou-se num campo e teria sido cuspido se a porta abrisse! Passava o tempo a jogar ao gato e ao rato com a Polícia local! Acho que aquilo deu origem a uma moda entre os miúdos italianos, à custa do Valentino, de andarem com Apes artilhados !”
Nesse fim de semana ainda me disse que a sua carrinha BMW também estava artilhada, como a marca era patrocinadora da Dorna, insistiram que ele fosse a um concessionário em Itália por um “chip” na séries 5 e ela ficou uma coisa feroz!
Noutra ocasião, numa das raras em que voou para um Grande Prémio, encontrámo-nos em Donington e ficamos para segunda-feira, depois das corridas, para seguir os treinos privados que iam ter lugar.
À tarde, e era típico dele não querer incomodar ninguém, estava entalado para chegar ao aeroporto de West Midlands, nas imediações do circuito, para não perder o voo de regresso a Itália. Eu, que estava de carro alugado, claro que fui lá levá-lo, depois de ter de insistir muito com ele que não, não era chatice nenhuma, era na boa. Ai contou-me que na zona do Adriático de onde vinha, e de onde são a grande maioria dos pilotos Italianos, como Cadalora, Reggiani, etc. havia um grupinho que tinha começado a fazer “buggies” com velhos motores de FZR1000.
O “Expert", que tinha feito o primeiro, era o Luca Cadalora,
e agora havia um grupo que ia correr para uma pedreira abandonada e só faziam
porcaria, em geral. Às vezes, e lembremos que nessa altura residia em Londres, até
o Valentino se juntava a eles! Do grupo, além de Cadalora e Reggiani fazia
parte o famoso Aldo Drudi, que pinta os capacetes de Rossi e é cunhado de
Reggiani, que eu já sabia por ter ido a um restaurante que ele costumava ter em
Rimini e que era ponto de encontro obrigatório nas idas a Misano. Outros eram o ex-GP Fabio Billiotti, que agora é o homem da assistência da AGV nas corridas, Rino Salucci, amigo de infância de Graziano e pai do companheiro de Valentino, Uccio, que gere o "fan club" deste, etc.
O caso é que, mais tarde nesse ano, Graziano começou a fazer o seu famoso encontro de fim de época: Moto e Miti, motos e mitos, mais conhecido como MoMi, em que os pilotos andam de moto, carros de Rally e Autocross e convivem com os fans. É todos os anos em Novembro e entretanto, desde então cresceu para se tornar num grande evento com patrocinadores e tudo organizado a sério. Convidou-me para lá aparecer, mas claro que nunca consegui ir! Ficam as memórias...
andardemoto.pt @ 18-4-2018 21:49:56 - Paulo Araújo
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