Paulo Araújo

Paulo Araújo

Motociclista, jornalista e comentador desportivo

OPINIÃO

Bons velhos tempos nas Superbike

Muitas vezes, quando sigo uma prova do Mundial de Superbike na actualidade, dou por mim a recordar os “bons velhos tempos” dos primeiros anos do Campeonato.

andardemoto.pt @ 1-8-2018 23:52:00 - Paulo Araújo

Há 1 Kawasaki, 4 Ducati e 10 títulos mundiais nesta foto

Há 1 Kawasaki, 4 Ducati e 10 títulos mundiais nesta foto

Há organizações cada vez mais comerciais que se apressaram a destruir, em nome da profissionalização e da venda dos direitos televisivos, o equilíbrio do Campeonato do Mundo de Superbikes.

Esquecem-se no entanto da componente mais importante, que nos primordios da modalidade atraia privados de todos os países, pois então, com uma moto decentemente afinada e bem pilotada, lugares e bolsas de prémios atraentes estavam ao alcance de qualquer um… foi assim que apareceram neste campeonato estrelas como Rymer, Fogarty ou Slight, que depois, tendo atraído a atenção das equipas oficiais, fizeram carreira profissional.

Não só as corridas eram espectaculares, frequentemente com 8 pilotos e 6 marcas a lutar pela vitória (nos primeiros anos eram a Honda, a Ducati, a Bimota, a Yamaha, a Kawasaki e a Suzuki) mas o ambiente no “paddock" era de descontração, convívio e ajuda mútua. 

Perdi a conta ao número de churrascos para que fui convidado, ou daqueles em que “penetrei”, mas os do clã Pirovano eram efectivamente lendários e insequecíveis. Ai conheci Davide Brivio, que agora gere a Suzuki de MotoGP.

De facto muitos dos homens que agora são fulcrais no Mundial de Velocidade vieram desses tempos - Tardozzi, que gere a Ducati, Virginio Ferrari, que primeiro pilotou e depois geriu também a Ducati, Uncini, agora responsável pela segurança dos pilotos na MotoGP, Chris Pyke, da Honda e muitos outros.


Mugello, 1992. Polen em destaque

Mugello, 1992. Polen em destaque

A coisa começou algo timidamente em 1988, quando ainda ninguém se conhecia, ou seja, quando os ingleses conheciam os ingleses, os italianos os italianos e por ai fora… 

No ano seguinte, 89, era como se fosse uma família a reencontrar-se. Vários mecânicos tinham circulado, e portanto as nacionalidades estavam menos polarizadas. Havia mecânicos Brasileiros, Jugoslavos, Suecos, Irlandeses, além dos habituais Australianos e Kiwis que parecem estar por todo o lado… 

A constatar isto, muito mais pilotos portugueses do que o leitor provavelmente possa pensar, iam a provas com alguma regularidade, estou a lembrar-me só assim de caras de alguns nomes como Baptista, Manuel João, Fidalgo, Rui Carvalho, José Pereira, Laranjeira e, nas primeiras provas em Portugal (em 88 e 93, ambas no Estoril) ainda muitos mais. Nessas participaram o Armando Clemente, o Paulo Almeida, o Telmo Pereira, e outros.

Internacionalmente, por alturas de 1990, atingiu-se o que parecia ser um equilíbrio ideal: as equipas de fábrica já (a)pareciam organizadas e tinham uns camiões respeitáveis (o da Ducati que pertencia ao Virginio Ferrari tinha uma janela redonda panorâmica onde se via um pequeno ginásio dentro), mas isso não era garantia de que um Suiço ou um Italiano qualquer, chegado numa modesta carrinha Iveco, não os fosse "aviar" vergonhosamente  nos treinos… 

A variedade de preparações também era grande, com novidades como os primeiros “shifters”, invenção do alemão Tellert, e muita importância a ser dada a coisas como o fluxo correto do ar dentro das “airboxes”, o reforço dos braços oscilantes, etc.


Slight veio para as SBK com 19 anos

Slight veio para as SBK com 19 anos

Por outro lado, a organização ainda era um bocado “ad hoc”: Um ano, em Donington não havia passes, não estavam prontos… 

Na prova seguinte, terá sido talvez na Alemanha, a Patricia Batta, da organização, abordou-nos a dizer que finalmente havia passes: "arranjem todos fotos, depressa…!" Claro que ninguém tinha fotos e ficou famosa a história de como as meninas recortaram caras de modelos de revistas, género Cosmopolitan, para "identificar" todos os participantes. Foi assim que a Micaela Fogarty passou o resto do ano com um passe com a foto da Claudia Schiffer. 

Nesse tempo nenhum piloto se armava em vedeta, todos conviviam depois das provas, frequentemente com uma cerveja na mão, juntamente com os mecânicos e os jornalistas, tudo ao molho.

Uma vez estávamos em Misano Adriático, muito antes da tragédia Simoncelli, quando o circuito ainda se chamava Santa Monica e a Micaela Fogarty diz-me: “Paulo, tu falas Italiano, não é? Vem jantar connosco para traduzir o menu” - um daqueles pedidos que não têm como se recusar… 

E lá fomos! O restaurante não era muito grande: uma sala muito alta sobre o comprido, de tal modo que ao fundo, tinha uma escada em caracol que dava para uma galeria onde havia mais mesas. 

Só reparamos quem estava lá em cima quando começámos a ser bombardeados com bolas de pão. Era o Raymond Roche, um homem a caminho de dar à Ducati o primeiro título de Superbike em 1990, mas um notório vândalo e brincalhão fora da pista. (Como exemplo, em 1993, no Estoril, sendo um apaixonado do golf ao ponto de não ir a lado nenhum sem os tacos, estava a praticar tacadas usando como alvo uma das torres de antenas da SIC para a transmissão em direto…)

No referido caso do restaurante, foi pior ainda, pois estava na mesa com Brian Kreisky, um realizador americano da Sky que foi um dos primeiros canais a interessar-se pelas SBK, além da Telemontecarlo com o imortal Giovanni DiPilo. 

Tinha-se, como se costuma dizer, juntado a fome à vontade de comer. Claro que o Fogarty não se ficou, e a escalada de alucinação e diversão foi tal que a coisa teve de ser acalmada quando Roche já estava a abraçar um jarrão de faiança do tamanho dum televisor para o mandar cá para baixo! 

Acalmados os ânimos, acabámos por nos juntar todos para café, e o resultado foi ter ficado de boas relações com o Americano, que era daqueles tipos muito extrovertidos e agressivos com quem não me dava antes disso...


Acho que nessa mesma prova (era Verão, estão a ver?) houve uma escalada importante nas guerras de água que se tinham tornado incontornáveis no “paddock”, depois das corridas… a coisa tinha começado inocentemente em Donington, com balões cheios para aí com meio litro de água, e tinha progredido para o nível daquelas metralhadoras onde se bomba para criar pressão, e que lançam um jacto a uns 4 metros de distância, e em Misano, alguém, creio que da equipa de Merkel (tinha de ser um americano, não é?) tinha feito um morteiro de ar comprimido que lançava um balão a uns 100 metros de distânica! 

Pode dizer-se que valia tudo: invadir as carrinhas, usar a balaustrada da zona VIP das boxes para bombardear cá para baixo, e o melhor era estar logo em calções para minimizar o estrago ao guarda-roupa. Inevitavelmente, a coisa acabou com a Flaminni, nesses dias a entidade responsável antes da gestão da Dorna, a proibir jogos de água no “paddock”. 

As Superbike permaneceram inocentes e informais até 1994, quando uma equipa que fizera alinhar Corser no Mundial de 500 mudou para as SBK… Com ela trouxeram uma grande hospitality, que eram obrigatórias nos Grandes Prémios, que no ano seguinte todos imitaram… 

Com as Hospitalitys à porta fechada e a selecionarem quem lá entrava, os italianos voltaram a andar com italianos, os franceses com franceses, o pessoal com blusões Kawasaki só convivia com os da Kawasaki, etc. 

Perdeu-se aquele convívio informal dos primeiros anos… tal como acontecera no Mundial de Velocidade talvez duas décadas antes. As coisas nunca mais seriam bem as mesmas… 

Pelo menos as corridas, essas mesmo com menos pilotos a lutar pela vitória, continuam ainda hoje a ser espetaculares…

andardemoto.pt @ 1-8-2018 23:52:00 - Paulo Araújo

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