
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Barry Sheene, as motos e o marketing
Fez há um par de meses 15 anos sobre a data do
desaparecimento do grande Barry Sheene, que aqui lembramos.
andardemoto.pt @ 24-5-2018 08:08:40 - Paulo Araújo
Nunca cheguei a conhecer muito bem aquele que foi o último campeão Britânico de GP500. Por um lado, já ele era Campeão Mundial quando comecei a envolver-me na cena das motos em Inglaterra. Isso, por si só, já dificulta as aproximações: quando conheci Fogarty, por exemplo, ele era apenas um piloto das 250cc nacionais em Inglaterra, e quando se tornou famoso, já eu tinha o seu número de casa e conhecia o pai George, a mãe, a irmã e a namorada Micaela, que seria a futura esposa do 4 vezes campeão de Superbike... quase todos os outros que vim a conhecer de perto, como Steve Hislop, ou Scott Russell, ou Randy DePuniet, ou Colin Edwards, etc., já convivia com eles antes de se tornarem mesmo famosos a nível internacional.
Por outro lado, até 1984, quando surgiu a nossa primeira
revista semanal, nem sequer havia um órgão de comunicação social nacional cuja
colaboração desse cobertura como uma desculpa para falar com ele... em
Silverstone, ou Donington, por vezes trocámos conversa de ocasião no “paddock”,
duas palavras de circunstância sobre o estado da pista, da moto, ou coisa
parecida, sempre interrompidos constantemente por fans que queriam fazer o
mesmo, ou apenas ser vistos ao lado dele, nesses dias pré-selfie.
Mesmo assim, ou por isso mesmo, tenho de reconhecer a grande abertura da Suzuki Inglaterra que, quando contactada, íamos em 1985, para perguntar
como se poderia conseguir uma entrevista com o grande homem, se limitaram a
dizer:
“Porque não lhe telefonas? O
número de casa dele é o XXXX, e ele normalmente atende em pessoa!...”
Quando recuperei do espanto, cheguei mesmo a fazê-lo. Depois de um par de tentativas lá o apanhei em casa, isto na altura em que a sua filha Sidonie tinha acabado de nascer. Dei-lhe os parabéns e ficamos de marcar a tal entrevista... que infelizmente nunca chegou a acontecer, já que entretanto ele se mudou para a Austrália, e um jornalista português dum órgão de comunicação com um nome que parecia copiado do de uma revista francesa bem conhecida, era decerto uma prioridade baixa para o já então multimilionário...
Enfim, do que queria falar mesmo, mais do que deste devaneio
pessoal só para os situar no tempo, era da importância que Barry Sheene teve,
nem tanto no motociclismo, havendo outros com bem maior número de títulos do que
os seus dois de GP500 em 1976 e 1977, mas da sua utilização das modernas
técnicas de marketing...
Tal como o efeito Lamy em 1993, que via o português
aparecer em todo o lado, desde expositores de baterias a anúncios a bancos (parece que
o mesmo está a acontecer agora com a modelo Sara Sampaio e o Pedro que me
desculpe desde já, se eu disser que ela é muito mais gira do que ele!) na
Inglaterra dos anos 70, Sheene prestava-se a promover de tudo (seguramente,
pelo preço certo!).
Desde a loção aftershave Brut a um polimento de mobília que era o Mr. Sheen (sheen quer dizer brilho ou patine - estratégico, portanto), a luvas, fatos de cabedal e capacetes (só de nome, porque por baixo do autocolante, toda a gente podia ver que era um Bell!), aos serviços financeiros da Heron Suzuki GB ou às altas fidelidades Bose (lembram-se, antes dos MP3 fazerem toda a música soar igual e a lata?), sem esquecer, claro, um ou outro anúncio da Prevenção Rodoviária e das Suzuki propriamente ditas, a cara e o nome do mediático campeão do mundo apareciam por todo o lado, nos jornais, em cartazes, na TV, nas lojas de motos...
A combinação de sotaque Londrino, claramente da classe
operária, com um talento natural para relações públicas, e um sorriso franco e
descarado capaz de enfeitiçar os pássaros das árvores, transvasava o universo
das motos, e nem sequer ser condecorado pela rainha com a Ordem
do Império Britânico em 1987 viria a mudar isso.
Se Giacomo Agostini ou Phil Read foram pioneiros em atrair patrocínios às motos, uns anos antes, o que distinguiu Sheene foi, justamente, ir buscar esses patrocínios muito mais além, a produtos genéricos, para lá do óbvio: as tabaqueiras e as marcas de óleos e velas.
Eterno Gitanes ao canto da boca, mau hábito que lhe custou a vida prematuramente aos 53 anos, Sheene viveu a vida a 200 à hora, sonegando completamente a famosa frase do professor, que quando o apanhou a sonhar acordado na aula, mais uma vez, exclamara: “estuda e deixa lá as motos, que nunca há de ser com elas que vais ganhar a vida!”.
Mas nem lesões constantes, que acabariam a carreira dum piloto menos determinado, o conseguiriam afastar das pistas por muito tempo.
O facto é que, filho do conceituado preparador Frank Sheene, Barry nasceu mesmo no centro de Londres, na Gray's Inn Road, com motores e motos ao seu redor, e pré-adolescente já era um expert em preparação muito antes de ter idade para correr. Outra história famosa prende-se com estar a olhar por cima do ombro dum piloto qualquer que afinava a moto em Brands Hatch a dar palpites –corretos - perante a estupefacção do outro... pois Sheene tinha só 11 anos nessa altura!
Também poderíamos mencionar que Don Paco Bultó, criador da Bultaco e avô de “Sete” Gibernau, o considerava como um filho, estabelecendo com ele uma relação como piloto da marca, que fez com que Sheene viesse a passar tempo suficiente na fábrica, e em Espanha em geral, e acabasse por vir a falar Espanhol fluentemente, apesar de, como já vimos, não ter inclinações académicas... só que aqui tratava-se de conseguir a melhor moto possível, coisa que o Londrino nunca descurou.
Em termos de promoção, nenhum negócio era trivial demais ou
insignificante demais, e frequentemente, satisfeitos com os resultados,
em vista da popularidade transversal de que Sheene gozava, pequenos orçamentos
iniciais tornavam-se em investimentos substanciais...
Basta dizer que a
sua matrícula personalizada BS7 deve ter custado quase tanto como o
Rolls Royce Silver Shadow em que era exibida... o mesmo carro que, numa ocasião memorável, Sheene usou
para fazer uma auto-estrada holandesa fora de mão, com escolta policial,
quando estava atrasado para o Grande Prémio da Holanda, em Assen,
em vista dos engarrafamentos provocados pelas multidões que acorriam à
“catedral” nessa altura.
Claro que outras vezes utilizava apenas o helicóptero que, entretanto, tinha adquirido e aprendido a pilotar, ele que foi decerto um dos primeiro milionários das duas rodas.
Muito antes da chegada dos relações públicas, que se sentam ao lado dos pilotos nas entrevista e filtram e registam tudo que estes dizem, muito antes de marcações duas ou três provas antes para falar com um dos homens da MotoGP, ou proibições de fotografar este ou aquele, pois há um fotógrafo que tem exclusivo, já Sheene tinha tudo organizado a seu favor... e ter casado com uma modelo por sua vez famosa, Stephanie McLean, que abriu a porta a que fizessem anúncios publicitários a dois, como um casal, também não o prejudicou.
Eventualmente, como vimos, por alturas de 1986, Sheene mudou-se para a Austrália, onde para lá de comentar as motos na TV, usou o conhecido charme e olho para o negócio para construir uma fortuna ainda maior, com investimentos imobiliários, mas não sem antes nos deixar os imortais duelos com Kenny Roberts ou Freddie Spencer de que os fãs ainda hoje falam. Outros voltariam a usar o 7 em corridas... mas para muitos, o número permanece sinónimo de um dos mais completos pilotos de sempre!
andardemoto.pt @ 24-5-2018 08:08:40 - Paulo Araújo
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