Paulo Araújo

Paulo Araújo

Motociclista, jornalista e comentador desportivo

OPINIÃO

Histórias do Mundial – Gary Nixon, o campeão que nunca chegou a ser...

Gary Nixon foi um grande campeão americano, daqueles pilotos da velha guarda que eram duros em pista e um bocado loucos fora dela. Há histórias das maluqueiras que ele e Barry Sheene cometiam pelo mundo fora, a passarem de boca em boca...

andardemoto.pt @ 21-12-2017 11:06:43 - Paulo Araújo

Natural de Oklahoma, nascido a 25 de Janeiro de 1941, Gary Nixon faleceu a 5 Agosto de 2011, e recordo-o bem no GP de Portugal de 2004, naquela que deve ter sido uma das suas últimas viagens à Europa... mas o seu momento de glória passou-lhe ao lado em 1976, quando competiu na recém-criada Formula 750...

De facto, em 1976, a Kawasaki parecia ter ganho a edição inaugural dessa nova Formula 750 (destinada a tornar-se num campeonato Mundial no ano seguinte), com uma KR 750 muito especial, preparada pelo lendário Erv Kanemoto. Mas depois a FIM, devido a uma confusão sobre o número de voltas, cancelou um dos resultados, mudando a história.

Esta classe, baseada em motos de 750 a dois tempos, vinha ganhando uma crescente popularidade nos Estados Unidos no final dos anos setenta. Atraídos pela espectacular fórmula, que mais a mais prometia animar as corridas atraindo alguns americanos ao Continental Circus, a Federação Internacional planeava introduzir a nova classe no Mundial, a partir de 1977.



Kanemoto e a KR750

Kanemoto e a KR750

Como tal, organizou uma "Cup" (troféu) no ano anterior, uma espécie de pré-mundial, para avaliar a aceitação da nova Fórmula a nível internacional. Com eventos como Daytona no calendário, corridas na América Latina e muitos pilotos já a competirem nesta nova classe, os americanos iam ter sempre uma palavra a dizer.

A classe era, no fundo, uma consequência do aparecimento das poderosas dois tempos japonesas. Motos explosivas, com cavalagens que agora nos parecem modestas, mas então muito respeitáveis. O problema era que os frágeis quadros e os pneus da época mal podiam lidar com essas potências...

A Yamaha tinha as descendentes da OW21, construídas a partir de 1973 especialmente para Daytona. A Suzuki tinha a GT 750 em versão de pista e a Kawasaki… orgulhava-se da potente KR 750, uma três cilindros em linha que era uma espécie de versão refrigerada por líquido das famosas KH de estrada.

De facto, em termos do frágil quadro tubular, a diferença era mínima, por isso, ao pensar em competir na nova fórmula, o Nipo-Americano Erv Kanemoto projectou uma versão melhorada da moto. Melhorada queria dizer, para começar, com um quadro novo. Em vez do tubo de aço estreito e pesado do elemento de origem, Erv fez o seu quadro em tubo de aço Reynolds, de maior diâmetro, mas mais fino e resistente, conseguindo muito maior rigidez com menos peso! Os amortecedores foram também mudados da sua posição original, muito vertical, para ângulos mais inclinados, para os fazer trabalhar com maior curso, oferecendo ainda maior progressividade...


Como o motor da KR era potente, com cerca de 120 cavalos mesmo no seu estado de afinação média, antes das “mãozinhas” de Kanemoto lhe tocarem, era de crer que, com algum desenvolvimento e um piloto menos mau, a equipa ia ter boas hipóteses de conquistar o novo título. A preparação completa incluía cortar 2 mm da saia do pistão para melhorar as trocas de gases e o regime máximo, subir a taxa de compressão e montar escapes de rendimento.

Quanto ao piloto, como já vimos, Gary Nixon era um dos “enfants terribles” da cena americana. Tinha um eterno sorriso de miúdo e uma cabeleira ruiva encaracolada. Era quase tão famoso pelas suas quedas e consequentes fracturas como pelos seus bons resultados, tendo passado ao lado de uma carreira nas 500GP quando se partiu todo num teste da Suzuki que Barry Sheene lhe tinha arranjado no Japão, não antes de vencer uma corrida do campeonato local. Antes, pilotara para a Triumph pelas feiras dos EUA, vencendo muitas corridas apenas para ser vaiado pelos fanáticos da Harley Davidson que eram a maioria dos espectadores.

Até ao fim da sua vida viveu da venda de “merchandising “da sua própria marca, Gary Nixon Enterprises, participando ocasionalmente em corridas de clássicas. Já no seu tempo Barry Sheene tinha tornado a marca de Gary famosa, ao usar sempre uma T-shirt Gary Nixon por superstição, visto que usava uma quando sobreviveu à sua grande queda a 290 kilómetros hora, em Daytona. Aliás é impossível encontrar uma foto de Sheene após essa data sem a referida T-shirt.



Voltando à "Cup 750" inaugural, esta começou justamente pelas 200 Milhas de Daytona e Gary Nixon ficou em segundo lugar, o que se traduzia num bom e promissor começo. Seguiu-se a ronda da Venezuela, onde Gary aparentemente ganhou, mas houve confusão à chegada… e indecisos quanto ao número voltas percorridas, os comissários acabaram por dar a vitória a Steve Baker, outro Americano, mas da Yamaha...

É que o organizador da prova era um tal Andrea Ippolito, pai do actual presidente da FIM Vito Ippolito … e importador da Yamaha para a Venezuela! Claro que não dava mesmo jeito nenhum que uma Kawasaki ganhasse quando a prova tinha sido feita pelo, e para benefício do, importador local da Yamaha! 
A Kawasaki Kanemoto apelou da decisão e enquanto a FIM não se pronunciava, o campeonato continuou, acabando o título por reduzir-se a uma batalha entre Gary Nixon e o grande campeão espanhol da época Victor Palomo. No final da época, no papel, Gary e a Kawasaki eram os vencedores, por apenas um ponto sobre Palomo.

Então veio a decisão da FIM… e em vista da confusão com os pontos na corrida da  Venezuela, eliminava-se essa pontuação do somatório! Roubado assim de uma vitória, Nixon desce na pontuação para segundo, atrás de Paloma, que assim que se sagrou vencedor.


No ano seguinte, Steve Baker viria a ganhar a primeira edição da Formula 750, já oficialmente como modalidade de Campeonato Mundial. É por isso que ele é geralmente recordado como o primeiro Americano que conquistou um título mundial da velocidade… As séries, rodeadas de controvérsia desde o início, não durariam muito mais tempo, até porque uma 750 a dois tempos era uma coisa espectacular mas ao mesmo tempo um anacronismo.

Quando à Kawasaki que quase fez história, descansa agora no Museu de Motos do Ohio, testemunho do génio de Kanemoto, e completa com o número 9 de Gary Nixon… o Campeão que nunca chegou a ser!

andardemoto.pt @ 21-12-2017 11:06:43 - Paulo Araújo

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