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Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
O Mundial de velocidade, como era há 30 anos...
Muito mudou na velocidade mundial, felizmente, quase tudo para melhor... mas sempre fica alguma nostalgia.
A primeira vez que assisti a um Grande Prémio, como
espectador, perde-se nas brumas da memória... provavelmente, foi o primeiro GP
de Inglaterra disputado na Grã-Bretanha, quando por causa dos crescentes
protestos dos pilotos, a Ilha de Man como ronda do Mundial foi abandonada.
andardemoto.pt @ 2-8-2017 10:44:14 - Paulo Araújo
Nesse caso, terá sido Silverstone, em 1977. Agora, do primeiro a que fui como jornalista credenciado já me lembro muito bem: O Grande Prémio de Espanha em Jarama, 1983.
Fui desafiado por alguns amigos, eles trataram das credenciais e eu do transporte, e lá me achei no ambiente do “paddock” do Continental Circus, fascinante mas tão diferente do de agora a ponto de parecerem dois mundos diferentes. Quase tudo circulava pelo “paddock” livremente, os pilotos dormiam nos furgões ou, quando muito, em pequenas caravanas e trabalhavam nas motos ali mesmo. A seguir aos treinos, penduravam os fatos e equipamento a secar ao sol e não raro, em países como Espanha ou Itália, algum do equipamento era roubado por "fans"...
Para dar uma ideia de como as coisas eram à época, tenho uma imagem distinta de um piloto da altura, sentado na rampa de carga de uma camião, a aplicar fita americana amarela nos joelhos do fato. Amarela, porque a equipa era a famosa Suzuki HB... o piloto era Randy Mamola.
Pouco me lembro do resto... Kenny Roberts tinha aparecido com um então quase desconhecido jovem californiano para o ajudar a preparar a sua eminente retirada como piloto. O jovem, que ostentava o Nº 4 na sua Yamaha YZF500 Marlboro chamava-se Eddie Lawson e em breve daria que falar.
Nesse ano, porém, foi outro jovem, esse de fato azul e vermelho, numa Honda, a chamar as atenções do mundo, ao tornar-se o mais jovem campeão mundial de 500 de sempre, com 21 anos. Frederick Burdette Spencer era o seu nome e vê-lo pilotar era espantoso.
Lembro-me de ver Ron Haslam, e de já na altura reconhecer alguns dos privados ingleses de nome e pouco mais. Lembro também que nesse ano alinhava um português, de nome Henrique Sande e Silva, que era acompanhado por um jovem mecânico já a dar os primeiros passos para a fama: João Santos.
Como era hábito nos portugueses da altura, Sande e Silva alinhou nas 50 na parte de trás da grelha e depois das habituais dificuldades nos treinos com um problema qualquer na moto não pontuaria na prova. Acompanhamento por parte da Federação de então, nem vê-los...
A classe de 350 tinha acabado no ano anterior, as 50 não se tornariam 80 senão no ano seguinte (em que apareceu um jovem brasileiro filho dum português, chamado Alexandre Barros) mas havia ainda os “sidecar”, ruidosos e fumarentos, a animar as coisas.
De resto, as classes eram mais ou menos dominadas por nações: Nas 50, os Espanhóis, com Nieto, Tormo e etc., disputavam o domínio a Italianos como Lazzarini ou alemães como Dorflinger- que, de resto, se tornaria nesse ano no último Campeão da classe antes de passar a 80cc.
Nas 250, uma legião de franceses, entre eles Jaques Bolle,
Jean–François Baldé, Hervé Guilleux, Guy Bertin, Jean-Louis
Tournadre ou Eric Saul dominavam a classe, enquanto as 500, com a época
Agostini já passada, eram foro dos pilotos de língua inglesa, Australianos,
Americanos, Sul-Africanos, Irlandeses, enfim...
Sheene, Lawson, Spencer, Roberts, Mamola, Gardner, e muitos outros, nesses tempos em que bastava ter uma moto, uma carrinha, mãozinhas – para a pilotagem e para a mecânica! – e aparecer. Namoradas eram opcionais e, se havia, faziam de tudo desde mudar a viseira do capacete a carregar material para a grelha, ou até ajudar a trabalhar na moto.
Escusado será dizer que todas as 5 classes de então (50, 125, 250, 500 e sidecar) eram disputadas com motores a dois tempos, adicionando à experiência um sentido que se perdeu hoje: o do olfacto. Só quem já esteve à entrada de uma sessão de treinos, perdido na cacofonia de motores a acelerar e rodeado do fumo ácrido de Castrol R saberá o que quero dizer...
Se cá fora, as condições eram básicas, no gabinete de imprensa então era um abismo para os dias de hoje... Não havia assessores de imprensa, nem comunicados, nem televisões, a única concessão à diferenciação das classes era que os resultados eram impressos a stencil em papel colorido conforme a classe: amarelo para as 500, verde claro para as 250, etc.
Pouco depois, estive num Silverstone tão encharcado que o meio da manhã parecia o anoitecer e foi impossível tirar fotos decentes, mas algumas que acompanham este artigo testemunham o feito único quando Freddie Spencer venceu os dois mundiais de 250 e 500 no mesmo ano.
As corridas, essas, eram puras e duras, disputadas com uma mistura de bravura e estratégia, pois nenhuma moto da altura aguentava 25 voltas prego a fundo... a escolha era brilhar umas poucas voltas ou aguentar até final para disputar então a vitória ao sprint. Não raro, os pilotos combinavam entre eles dar espectáculo e só corriam a sério as últimas 3 ou 4 voltas.
A segurança não é o que é hoje, todos os anos vários pilotos perdiam a vida, os comissários eram voluntários sem formação, as regras um bocado “ad hoc” e as cronometragens feitas a olho davam ensejo a situações menos claras por vezes... podemos dizer que, se muito mudou desde então, felizmente (quase) tudo mudou para melhor!
andardemoto.pt @ 2-8-2017 10:44:14 - Paulo Araújo
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