Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Mundiais de Velocidade - A Honda NS/NSR500
Outra moto incontornável na nossa
continuada história das espantosas 500 de Grand Prix foi a NS/NSR500 da Honda. Entre
ambas, e entre 1983 e 2001, a Honda foi capaz de obter nada menos que 12 títulos
de pilotos.
andardemoto.pt @ 1-3-2018 13:27:21 - Paulo Araújo
A Honda NS500 original foi uma moto de corrida de 500cc do início da década de 80, com um motor V3 de dois tempos. Criada para substituir a malograda NR500 de pistões ovais, inovadora mas sem sucesso, a moto foi contra a preferência da Honda por máquinas de quatro tempos, mas provou ser muito eficaz e rapidamente ganhou o Campeonato Mundial de 500cc de 1983 com Freddie Spencer.
Spencer foi capaz de usar o menor peso e maneabilidade superior da NS500 para alcançar velocidades em curva mais altas, e acelerar mais cedo à saída das curvas. Ron Haslam também ganhou o Grande Prémio de Macau de 1983 numa NS500. No entanto, a concorrência evoluía de tal modo que a Honda sentiu a necessidade, após um período de vida relativamente curto, de a substituir pela nova versão de motor V4 a dois tempos, a NSR500. A Honda NSR500, desenvolvida pela HRC (Honda Racing Corporation) e Erv Kanemoto, com um ainda jovem Jeremy Burgess, estreou em 1984 nas 500.
A Honda acabaria por ganhar dez campeonatos mundiais de 500cc com a NSR500, de 1984 em diante, seis deles consecutivos, entre 1994 e 1999. Com mais de 100 vitórias a seu crédito, a NSR500 foi a força dominante nos Grand Prix da época. A NSR500 de 1989, que ganhou o terceiro campeonato mundial da Honda 500 com Eddie Lawson é um exemplo da potência, aceleração e velocidade que sempre foram sinónimos dos V4 a dois tempos da Honda nas 500 cc.
Com base nas lições aprendidas com a sua antecessora de três cilindros, o novo V4 usou uma única cambota, tornando-a mais leve e compacta do que os adversários que usavam cambotas duplas. Apesar de atrasada pela tecnologia de chassis pioneira na sua primeira temporada, a NSR500 evoluiu para conquistar o segundo título de 500 da Honda em 1985. A abertura do ângulo do V a 112 graus em 1987 abriu mais espaço para lá colocar um quarteto de carburadores Keihin de 36 mm, que assim podiam ser alimentados com mistura mais fresca.
O novo arranjo também permitia ao motor expelir os gases mais eficientemente através das quatro câmaras de expansão artisticamente entrelaçadas. Ao final do ano, a Honda ganhou um terceiro Campeonato Mundial de 500 com o australiano Wayne Gardner.
De novo totalmente redesenhada para 1988, a NSR500 apareceu com um quadro rígido em duplo berço de alumínio e várias mudanças ao motor. As mudanças feitas na moto de 1988 foram de tal modo que chegaram a tornar a pilotagem algo problemática para os pilotos, especialmente na primeira metade da temporada. Wayne Gardner teve dificuldades na defesa do seu Campeonato Mundial de 1987 e, apesar de ter acabado com os problemas da moto e ter ganho três corridas consecutivas a meio da temporada (Assen, Bélgica e Jugoslávia), só conseguiu terminar o campeonato em segundo lugar atrás da Yamaha de Eddie Lawson.
As
principais queixas sobre a NSR500 de 1988 foram que o motor, sem dúvida o mais
potente nas 500cc, era muito pontudo e tinha de ser usado na faixa alta de
rotações para se tirar o melhor proveito dele. Além disso, a geometria da
suspensão da moto não era tão boa como em 1987 e a moto era visivelmente mais
difícil de pilotar em curva do que as rivais Yamaha YZR500 e a nova RGV500 da
Suzuki. Enquanto a vantagem de potência dos motores se notava nas pistas mais
rápidas, como Suzuka (que é de facto propriedade da Honda), Assen, Spa ou Paul
Ricard, em pistas mais sinuosas, como Jarama e Jerez, a NSR500 de 88 estava
fora do ritmo da frente devido ao seu comportamento.
Mais melhorias deram à NSR500 de 1989 para cima de 165 cavalos de potência às
12.000 rpm - basicamente o dobro da Honda RC181 de quatro tempos de 1966. Capaz
de mais de 310 km / h, as motos de 1989 tinham maior velocidade e aceleração do
que qualquer outra coisa em pista. Para conter todo esse músculo, o chassis de
alumínio foi tornado mais rígido e usava um braço oscilante curvo, para
acomodar por baixo panelas de escape mais eficientes. O resultado foi um pacote
implacável, mas brutalmente rápido, que deu à Honda um quarto Campeonato
Mundial de 500 cc em 1989, graças a Eddie Lawson, que se juntou à fábrica
apoiada pela Rothmans ao lado de Gardner e do jovem australiano Mick Doohan.
Embora
o V4 de 499 cc pudesse produzir mais de 200 cavalos de potência, o
desenvolvimento do chassis, a gestão de motor sofisticada e especialmente, um
australiano chamado Mick Doohan, fizeram da NSR500 uma lenda na década de 1990.
Testes extensivos em 1991 levaram a um novo chassis de alumínio baseado na bem
sucedida RVF750 de resistência.
Mas a Honda ainda tinha mais truques na manga,
e em 1992 revelou ao mundo a ideia revolucionária de um V4 programado para
disparar todos os quatro cilindros dentro de 65-70 graus de rotação da cambota
- o chamado motor "Big-Bang". Juntamente com um veio balanceiro que
neutralizou os efeitos giroscópicos do motor, a NSR500 de 1992 foi um grande avanço.
Doohan usou esse motor para ganhar cinco dos sete primeiros Grand Prix de 1992. Embora uma fractura de uma perna lhe negasse o título nesse ano, ele regressaria em força. A partir de 1994, Doohan e a NSR500 ganharam cinco campeonatos mundiais consecutivos de 500. Ganhando 12 das 15 corridas em 1997, ele quebrou o recorde de vitórias numa temporada que fora estabelecido em 1972.
Combinando 54 vitórias em Grand Prix em total, nenhum homem e máquina na história moderna dominaram o Campeonato Mundial de 500 tão completamente. Por volta de 1997, a NSR500 apresentou em alternativa novamente o motor "Screamer" mais antigo, que alguns pilotos de fábrica como Sinichi Itoh preferiam, apesar de ser muito mais difícil de aproveitar, com Mick Doohan preferindo o débito superior do “Big Bang”.
A verdade é que, com o Big Bang, pilotos como Puig, Crivillé e outros puderam começar a disfrutar da NSR500 e dar à Honda mais Campeonatos Mundiais de 500, com Alex Crivillé em 1999 e novamente com Valentino Rossi, já em 2001. Os regulamentos para o campeonato mundial de 500 foram então mudados drasticamente para 2002, com a introdução de motores a quatro tempos até 990 cc e até seis cilindros.
O nome da classe foi alterado para MotoGP e esta limitada apenas a protótipos de corrida. Por causa dessas mudanças, a Honda lançou a RC211V em 2002, para correr ao lado das NSR500. A maior capacidade, aliada a facilidade de pilotagem, da RC211V e das outras quatro tempos dominaram a série e a NSR500 foi finalmente eliminada da classe, juntamente com todas as outras motos a dois tempos.
andardemoto.pt @ 1-3-2018 13:27:21 - Paulo Araújo
Outros artigos de Paulo Araújo:
Quando o cliente é o menos importante
A MotoGP em 2023: Mais eletrónica, mais técnica, mais difícil
As (minhas) motos ao longo dos anos
Época tola na MotoGP: Tudo muda em 2022
Miguel Oliveira - De herói a vilão
MotoGP, Testes pré-época em Valencia
Milão mostra as tendências globais
Superbike - Rea é o culpado da crise?
Marquez, 7 vezes Campeão - De outro mundo
Leon Haslam vence Britânico de Superbike - Meio século de glória para o clã Haslam
Por dentro dos Grand Prix Legends...
Frank Sinatra e Eddie Lawson: a teoria do afastamento precoce
Curiosidades - As marcas e os nomes
Mundial de Superbike chega a Portimão ao rubro – previsão
MotoGP 2018 - Decisão histórica
Recordes em pista - A tender para zero?
Bons velhos tempos nas Superbike
Superbike- Irá a nova BMW fazer diferença?
Mundial Superbike 2018 – Uma época à procura de maior equilíbrio
Moto GP- Qual é o problema com a Yamaha?
MotoGP - Silly season - a época tola
Uma crónica acerca de... nada!
"Tudo é possível" - uma aventura em Vespa
Ilha de Man 2018 - Recordes batidos, e ainda vamos nos treinos!
Barry Sheene, as motos e o marketing
Mundial SBK - A evolução da Yamaha YZF-R1
Curiosidades – Os homens da Força Aérea Sueca
Histórias do Mundial - Santiago Herrero: Campeão sem coroa
Curiosidades - Evinrude e os Davidson
MotoGP - Previsão de uma época histórica
Mundiais de Velocidade - A YZR500, ou OW – A 500 de GP da Yamaha
Mundiais de Velocidade - A Honda NS/NSR500
Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte II
Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte I
Mundiais Velocidade - A evolução
Moto GP – Como vai ser 2018? – 3ª Parte – A Suzuki e a KTM
Moto GP – Como vai ser 2018? – 1ª Parte – A Honda e a Yamaha
Os famosos e as motos – Uma inevitável atração?
Histórias do Mundial – Gary Nixon, o campeão que nunca chegou a ser...
Histórias do Mundial – As poderosas 500
Histórias do Mundial - Degner, Kaaden e a MZ
Grande Prémio de Macau de 1986 - O primeiro com portugueses - 1ª parte
Mundial Superbike – Retrospectiva 2017
A Moriwaki – Um prodígio à Japonesa
Quando os Grandes Prémios serviam para sonhar - A ELF500
Harris YZR500 - A aventura no Mundial
Técnica MotoGP - “Chatter” e como o evitar
GP San Marino Moto GP – A ausência de Rossi
Curiosidades do Mundial de outrora...
Mundial de Superbikes - A corrida no México
O Mundial de velocidade, como era há 30 anos...
Recordando as 8 Horas de Suzuka
As corridas de Clube em Inglaterra
Recordando a magia de Spa- Francorchamps
Como resolver a crise nas SBK?
McLaughlin e a criação das Superbike
Mundial MotoGP - Itália - Chega o novo Michelin
É tempo de Ilha de Man de novo
As origens da KTM de Miguel Oliveira
Jerez de la Frontera: Destino obrigatório
Mundial de Superbikes chega a Assen
Parentescos - Porque há cada vez mais famílias no MotoGP?
A propósito de Motoshows por esse mundo fora...
Moto2 revela equilíbrio antes da prova inicial em Losail, no Qatar
Novos pneus Michelin em foco nos treinos MotoGP
Clique aqui para ver mais sobre: Desporto