
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Histórias do Mundial – As poderosas 500
Quantos ainda se lembram da classe rainha da velocidade ser disputada com assustadoras 2 tempos de 500 cc, em vez das comparativamente mais fáceis de pilotar, embora mais potentes, 4 tempos da MotoGP actual?
andardemoto.pt @ 14-12-2017 10:10:31 - Paulo Araújo
Já foi há 16 anos que as primeiras deram lugar às últimas, mas muitos ainda falam da era Doohan, ou se lembram das peripécias de Kevin Schwantz ou da precisão de condução de Wayne Rainey e por aí fora...
As 500 eram motos violentas, que “mordiam o dono”, não hesitando em cuspir do selim o piloto tímido que hesitasse na hora de abrir o gás, ou o temerário que o fizesse intempestivamente. Leves, potentes, caprichosas, terríveis, elas dominaram a competição quase três décadas. Só números não podem fazer justiça ao quanto estas motos eram rápidas... a Honda com que Valentino Rossi venceu o último Mundial disputado com as 2T pesava apenas 130 Kg, mas debitava quase 200 cavalos e atingia os 320 km/h.
Descendentes algo distantes das MZs beneficiárias das descobertas de Walter Kaaden sobre os princípios da expansão dos gases de escape a altas temperaturas (Degner, Kaaden e a MZ, XXXXX) as 500 de GP tinham aniquilado a geração anterior de quatro tempos em 1974, as últimas das quais foram as MV Agusta de Phil Read e Giacomo Agostini. Foi justamente Agostini que se rendeu às 2T, passando para a Yamaha para conquistar de novo o título no ano seguinte, 1975. Porém, quem possibilitou isso nessa era foi outro campeão brilhante, o inglês Barry Sheene.
As 500, devido à sua capacidade cúbica e funcionamento simples duma 2T, sempre debitaram grandes potências, mas era difícil controlar a quantidade certa de óleo a fornecer ao motor para o impedir de gripar. Quanto a equilibrar a entrega furiosa desses motores com as ciclísticas de então, era considerado impossível.
Pelo menos, até Sheene ter metido ao barulho um preparador inglês de nome Colin Seeley. Sheene acreditava no rápido motor Suzuki preparado pelo seu pai Frank, proveniente duma TR500, mas queria dotá-lo duma ciclística dócil como as das velhas Norton ou Matchless, para fazer uma combinação capaz de lutar com as Kawasaki de 3 cilindros que apareceram pela mesma altura.
O resultado foi uma moto que projectou Sheene das pequenas 50 e 125, onde tinha sido piloto oficial Kreidler e Bultaco, (razão porque, raro para um inglês, falava fluentemente o espanhol) para as poderosas 500.
Por muito bom que o TR500 da Suzuki fosse, no entanto, ele era um motor de estrada convertido, que dava, quando muito, 70 cavalos e os primeiros a verem o potencial comercial dos GP foram os homens da Yamaha, que, juntando duas 250 bicilíndricas produziram a primeira TZ500. Por certo, a OW23 que deu o tal título a Agostini era muito mais que a junção de duas 250s, mas o conceito básico veio daí... Já a Suzuki, também usando a sua 250 de GP como base, apareceu no GP de França de 1974 em Clermont-Ferrand com uma tetra cilíndrica de válvulas rotativas, a primeira das lendárias RG500, que dariam títulos a Sheene em 1976 e 77, depois a Luchinelli em 1981 e Uncini em 1982, e durariam nas suas várias versões até ao título de Kenny Roberts, filho, em 2000.
Essa primeira RG já era uma moto capaz de produzir 100 cavalos e atingir os 290 Km/h, e lutaria de igual para igual com as sucessivas OW da Yamaha, com as quais Kenny Roberts levou o título em 1978, 1979 e 1980. Por essa altura, já se esperava que uma 500 debitasse alguns 130 cavalos, mas a fiabilidade ainda era errática.
A Honda, conhecida no mercado pela fiabilidade das suas 4 tempos, foi a última a entrar na moda, até porque as suas exóticas quatro tempos multi-cilíndricas tinham dominado as classes de 125 e 250 nos anos 60, com configurações de 4, 5 e 6 cilindros.
A sua solução foi a 4 tempos NR500 de pistões ovais, a mais sofisticada moto de GP da sua era, mas um fiasco em termos de competir com as 2T da Yamaha ou Suzuki. Envergonhada por uma moto que a imprensa logo apelidou de “Nearly Ready” – quase pronta – a Honda rendeu-se ao inevitável e, sempre ciosa de procurar soluções únicas, encarregou o engenheiro Shinichi Myiakoshi da HRC de produzir uma 2T muito diferente. A solução deste génio, vindo do Motocross, foi sacrificar potência em troca de leveza, na NS500, que com apenas 3 cilindros, dois para cima e um para baixo, mas suave e fácil de guiar, deu dois títulos a Freddie Spencer em 1983 e 1985.
Eventualmente, a Honda percebeu que a escalada de potência impunha uma V4 e adoptou essa solução com a NSR500, que dominaria com Gardner (1987), Lawson (1989), e depois com Doohan e Crivillé entre 1994 e 1999.
Claro que pelo meio, tivemos a “era Rainey”, em que o californiano discípulo de Kenny Roberts venceu com a YZR500 em 1990, 91 e 92, só batido por Schwantz na Suzuki RGV em 1993 por ter acabado a sua carreira com a espinha partida numa queda em Misano.
Por essa altura, uma 500 de GP era um animal brutal, com aceleração estonteante, que estraçalhava pneus, levantava a frente ao mesmo tempo que derrapava de traseira, e em geral, fazia o seu melhor para cuspir o piloto a cada curva se este não soubesse dominá-la.
Finalmente, em 2001, como vimos, entrou-se na era Rossi: um ano para aprender e um ano para ganhar foi a norma também nas 500, e o italiano tornou-se no último Campeão Mundial a vencer com uma 500 – e no primeiro a vencer em MotoGP, já agora! A verdade é que, se as 500 tivessem continuado, com a sua leveza adicionada à actual infusão de electrónica a amansar as coisas e a evolução normal, elas continuariam a ser as máquinas a dominar. Não somos nós que o dizemos, são Kevin Schwantz, Mick Doohan ou até Valentino Rossi...
As 500 não acabaram por estarem obsoletas, antes por já não encontrar contrapartida comercial que se aplicasse a motos de estrada que justificasse o seu caríssimo desenvolvimento. Considerações que nada tinham a ver com a parte desportiva, em última análise, ditaram o fim da 500 de 2 tempos e o encerrar de uma era... mas que memórias gloriosas deixaram!andardemoto.pt @ 14-12-2017 10:10:31 - Paulo Araújo
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