Paulo Araújo

Paulo Araújo

Motociclista, jornalista e comentador desportivo

OPINIÃO

McLaughlin e a criação das Superbike

Aos leitores mais atentos, especialmente os que seguem as Superbike, o nome de Steve McLaughlin (pronunciado macloclin) não será decerto inteiramente desconhecido. O Californiano, agora com 77 anos de idade e a viver na Alemanha, é geralmente creditado com a invenção do Mundial de Superbike. Mas a história tem muito mais que se lhe diga... 

andardemoto.pt @ 21-6-2017 21:43:14 - Paulo Araújo

McLaughlin com Yoshimura

McLaughlin com Yoshimura

Tudo começou em Daytona, na Flórida, onde um certo William France se empenhou em transferir as originais corridas na praia, disputadas desde 1902, para um circuito, mais apto para lidar com os milhares de pessoas que acorriam à pequena cidade, nos anos 50 do século passado, para verem as corridas ali realizadas.

Assim nasceu em 1953 a Daytona Speedway, onde acabaram por surgir, além das séries Nascar de automóveis, as famosas 200 Milhas de Daytona para motos. Famosas porque Bill France Jr., filho do France original, soube atrair os grandes pilotos estrangeiros da época, para enfrentar os americanos e assim granjear prestígio para a prova.

Uma coisa seria dizer que, em Daytona, competiam os melhores americanos, outra completamente diferente era reclamar a presença dos melhores pilotos do mundo: Agostini, Sheene, Saarinen, Hailwood. Todos eles atraídos por grandes prémios em dinheiro . Só para lhe dar uma ideia, a “pole position” dava como prémio um Rolex de ouro com um valor de cerca de 30.000 Euros!

Porém, com a profissionalização nos Grande Prémios a partir dos anos 80, a lista de pilotos proibidos por contrato de fazer provas extra-campeonato aumentou drasticamente, e com a sua ausência, também diminuía o prestígio da prova dos France, que então era disputada em 750cc a 2 tempos.


Steve actualmente

Steve actualmente

Bill France foi pródigo em convencer a AMA, a Federação Americana de Motociclismo, a disputar o Campeonato Americano com Superbikes, onde competiam monstros de 1100cc a 4 tempos, a estraçalhar os pneus de então, nas mãos das estrelas da época com nomes como Wes Cooley, Freddie Spencer, Eddie Lawson e, claro, McLaughlin, que ganhou logo a primeira prova de Superbikes em Daytona, em 1976! 

O problema com as Superbike era que, sem Campeonatos semelhantes na Europa, não havia estrangeiros de renome para dar réplica aos americanos, e assim perpetuar o prestígio de Daytona como a mais espectacular prova do mundo da velocidade em duas rodas. 

Impunha-se portanto, e neste particular não se pode acusar Bill France de pensar em pequeno, criar um novo campeonato mundial. E quem melhor para ser encarregue de viajar pela Europa com cheques em branco, e convencer os Europeus dos méritos e popularidade das Superbikes, do que Steve McLaughlin?

Para lá das suas proezas nada desdenháveis como piloto, que incluíam ganhar Daytona com uma BMW R90S, ser piloto oficial Suzuki Yoshimura, Kawasaki e Honda, Steve McLaughlin era também notável tanto como afinador de chassis como promotor da modalidade, já que foi praticamente o responsável pelo nascimento da Moriwaki e de ainda ter aliciado um certo jovem de nome Freddie Spencer, como reforço para a equipa oficial da Honda.

Steve, que vim a conhecer quase intimamente, é um personagem único... 

As histórias que conta, quando fica à vontade, como a da sua aventura com a Suzuki Yoshimura:

"Nos treinos, tinham-me dado uma Suzuki tão rápida que passava pelos outros como se estivessem parados... A corrida estava garantida! Chego à pista, no dia da prova, uma hora antes da partida, e o motor estava todo desmontado, no chão... e diz-me "pops" Yoshimura:

"Ah, Steve-san, tive um sonho de mais 4 cavalos!” – "Mas tu estás louco? Podes TIRAR 4 cavalos que eu ganho na mesma!”

Esta, entre outras histórias menos relatáveis sobre o uso de “substâncias controladas”, para ajudar as diretas a que os mecânicos se impunham enquanto preparavam os motores, em banco de ensaio, nas vésperas de provas importantes...

Exímio a promover-se, sempre a falar pelos cotovelos a ponto de ter como alcunha “motor mouth” (boca a motor) McLaughlin concebeu um campeonato acessível a todos, com motos de produção com modificações mínimas, e uma escala de prémios atraente. Quando dizemos acessível, de Portugal nesses anos participaram pilotos como Manuel João, Armando Clemente, Paulo Almeida, Vítor Fidalgo, Alex Laranjeira, Pedro Batista, José Pereira e vários outros.

Outra particularidade era cada prova ser disputada em duas mangas, dando aos fans um dose dupla de acção e aos pilotos a hipótese de redimir algum azar na corrida logo a seguir



De novo com Yoshimura, ainda com Kawasaki

De novo com Yoshimura, ainda com Kawasaki

Os portugueses, em particular, ficaram a conhecer a sua determinação quando, ao marcar no ano inaugural das séries uma prova no Estoril, o Americano descobriu que o maior impedimento à realização da prova era o patrocínio do SG Gigante ser impedido pela letra da lei.

Esta estupidamente consagrava o desporto motorizado como uma excepção à lei da proibição da publicidade ao Tabaco, mas utilizava a palavra “automobilismo”. É famoso que McLaughlin deu um murro na mesa e disse: “Marquem-me uma reunião com o Ministro!” Resultado: a lei foi mudada e a prova foi realizada!

Assim, as Superbike surgiram, com muitos circuitos a quererem chamar a si o novo campeonato. Basta dizer que no ano inaugural as séries visitaram o Canadá, Nova-Zelândia, Sicília e Portugal, além das mais previsíveis França, Itália, Alemanha, e, claro, Inglaterra, onde tudo começou a 3 de Abril de 1998 (http://www.andardemoto.pt/opinioes/31306-regresso-as-origens-nas-sbk/).

Porém, a organização tinha enormes dificuldades de financiamento e passou por várias mãos até se consolidar com os irmãos Flammini, que acabaram por profissionalizar as séries e vender os direitos à InFront e esta, por sua vez e mais recentemente,  à Dorna.

Como diz o ditado: De pequenas sementes...

andardemoto.pt @ 21-6-2017 21:43:14 - Paulo Araújo

Outros artigos de Paulo Araújo:

Ligar o complicómetro

Oliveira da Serra (Algarvia)

O Dakar e os portugueses

As tribos motard

Quando o cliente é o menos importante

A questão da Honda Repsol

Novos horizontes

A MotoGP em 2023: Mais eletrónica, mais técnica, mais difícil

Decidir sem pensar

As (minhas) motos ao longo dos anos

A hora da Ducati

Aonde vai isto parar?

Oliveira e os descrentes

Época tola na MotoGP: Tudo muda em 2022

A evolução da espécie

E as Superbike ?

A esbater as fronteiras

Miguel Oliveira - De herói a vilão

Os que ficaram em 2021

MotoGP, Testes pré-época em Valencia

O Campeão tranquilo

Milão mostra as tendências globais

Superbike - Rea é o culpado da crise?

Marquez, 7 vezes Campeão - De outro mundo

Leon Haslam vence Britânico de Superbike - Meio século de glória para o clã Haslam

Por dentro dos Grand Prix Legends...

Das duas para as quatro rodas

Frank Sinatra e Eddie Lawson: a teoria do afastamento precoce

Departamento de truques sujos

Curiosidades - As marcas e os nomes

Mundial de Superbike chega a Portimão ao rubro – previsão

MotoGP 2018 - Decisão histórica

O preço de economizar

As motos e os miúdos

Porquê raspar o joelho?

Recordes em pista - A tender para zero?

Bons velhos tempos nas Superbike

A Honda RC30 tem 30 anos

A alegria do faça-você-mesmo

Superbike- Irá a nova BMW fazer diferença?

Mundial Superbike 2018 – Uma época à procura de maior equilíbrio

Moto GP- Qual é o problema com a Yamaha?

MotoGP - Silly season - a época tola

História repetida?

Uma crónica acerca de... nada!

"Tudo é possível" - uma aventura em Vespa

Ilha de Man 2018 - Recordes batidos, e ainda vamos nos treinos!

Barry Sheene, as motos e o marketing

Meninas e Motos

A Norton Commando

Mundial SBK - A evolução da Yamaha YZF-R1

Do avião à moto

Convivendo com Graziano Rossi

O jogo do empresta

Curiosidades – Os homens da Força Aérea Sueca

Histórias do Mundial - Santiago Herrero: Campeão sem coroa

Curiosidades - Evinrude e os Davidson

MotoGP - Previsão de uma época histórica

Mundiais de Velocidade - A YZR500, ou OW – A 500 de GP da Yamaha

Mundiais de Velocidade - A Honda NS/NSR500

Foi-se Tony Scott

Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte II

Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte I

Mundiais Velocidade - A evolução

Oportunidades perdidas

Moto GP – Como vai ser 2018? – 3ª Parte – A Suzuki e a KTM

Moto GP – Como vai ser 2018? – 1ª Parte – A Honda e a Yamaha

Os famosos e as motos – Uma inevitável atração?

Corridas de moto no Natal?

Histórias do Mundial – Gary Nixon, o campeão que nunca chegou a ser...

Histórias do Mundial – As poderosas 500

Histórias do Mundial - Degner, Kaaden e a MZ

Pneus de MotoGP

Retrospectiva – MotoGP 2017

Grande Prémio de Macau de 1986 - O primeiro com portugueses - 1ª parte

Mundial Superbike – Retrospectiva 2017

Mundial Moto 3- Retrospectiva

A Moriwaki – Um prodígio à Japonesa

Quando os Grandes Prémios serviam para sonhar - A ELF500

Yoshimura, o mago dos motores

Harris YZR500 - A aventura no Mundial

O que vem a seguir em Moto2?

Técnica MotoGP - “Chatter” e como o evitar

Porquê raspar o joelho?

GP San Marino Moto GP – A ausência de Rossi

A Ducati e Doug Polen

Curiosidades do Mundial de outrora...

Mundial de Superbikes - A corrida no México

O que é o Northwest 200?

As gloriosas 350

O Mundial de velocidade, como era há 30 anos...

Recordando as 8 Horas de Suzuka

As corridas de Clube em Inglaterra

Recordando a magia de Spa- Francorchamps

Ainda as Superbike...

Como resolver a crise nas SBK?

McLaughlin e a criação das Superbike

Karma, ou o ciclo da vida…

Mundial MotoGP - Itália - Chega o novo Michelin

É tempo de Ilha de Man de novo

Regresso às origens nas SBK

Nicky Hayden, o adeus

As origens da KTM de Miguel Oliveira

Recordando momentos...

Jerez de la Frontera: Destino obrigatório

Mundial de Superbikes chega a Assen

Porque correm os Ingleses?

Quando menos era mais...

Parentescos - Porque há cada vez mais famílias no MotoGP?

A propósito de Motoshows por esse mundo fora...

Moto2 revela equilíbrio antes da prova inicial em Losail, no Qatar

Novos pneus Michelin em foco nos treinos MotoGP

O Artesão dos Escapes

Adeus, Sir John

O adeus às asas traz mais problemas do que os que resolve?

O Regresso das SBK


Clique aqui para ver mais sobre: Desporto