
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Superbike - Rea é o culpado da crise?
Jonathan Rea domina há 4 anos o Mundial de Superbike. Ao mesmo tempo, a série está em crise, comparado com o glamour emprestado ao MotoGP… mas será, como alguns pretendem, culpa do Campeão?
andardemoto.pt @ 31-10-2018 23:55:00 - Paulo Araújo
Considerando o sorriso franco de Jonathan Rea cada vez que
presta declarações pós-corrida aos jornalistas, após mais uma vitória, quase
podemos perdoar-lhe ter, de certo modo, estragado uma das mais competitivas
épocas do Mundial de SBK com o seu domínio quase insolente das séries.
Competitiva? Sim, para além da dominante Kawasaki e da ameaçadora Ducati, a Yamaha
venceu também, e houve 9 motos diferentes de 4 marcas diferentes no pódio,
incluindo uma Ducati independente (Forés, nada menos que 5 vezes ao longo da
época, em 4 delas batendo os pilotos oficiais na sua Panigale Barni), além de uma Kawasaki de
um rookie (Razgatlioglu, na ZX10R da Pucetti, na segunda manga de Donington a 27
Maio).
Domínio insolente? Sim. Que mais se pode chamar a 17 vitórias, (as últimas 11 consecutivas) 22 pódios em 25 corridas, e ainda 2 "pole positions" pelo caminho, em que apenas e só numa corrida não pontuou? Jonathan Rea já era, mas reforçou isso em 2018, o piloto de maior sucesso na história das SBK, tendo batido os recordes de mais vitórias (71), mais vitórias com um único fabricante (56), mais pódios (134 de 243 corridas, um recorde melhor que 50%) tendo sido apenas batido no número de poles conseguidas, pelo até agora seu colega de equipa e “Mr. Pole Position” Tom Sykes. Adicionalmente, Rea bateu ainda o recorde de maior número de pontos conquistados numa só época (que já era dele), elevando-o para 545.
Olhando para os começos, Rea já vinha predestinado. O seu apelido pode ser visto nas carenagens das primeiras motos com que Joey Dunlop aparece na Ilha de Man, já que os seus tios, empresários de transporte na Irlanda do Norte, o patrocinaram quase desde a primeira hora.
Johnny Rea, pai do piloto, foi um concorrente de algum vulto na Ilha de Man, com pelo menos uma vitória no Junior TT de 1989 entre mais de 40 participações. Já o filho, nascido a 2 de Fevereiro de 1987, começou a correr em pista em 2003, após uma curta carreira no Motocross infantil, e chegou ao Mundial de Supersport em 2008, onde logo se sagrou vice-campeão. Até chegar à Kawasaki, aonde claramente o seu talento encontrou expressão na capacidade da máquina como nunca até então, já tinha conseguido 15 vitórias numa menos competitiva Honda, entre 2009 e 2014. E chegou com estrondo, vencendo logo a sua primeira corrida, justamente em Phillip Island, a sua pista favorita, na terra de onde provém a sua esposa Tatia.
Nas 3 épocas seguintes averbou mais 39 vitórias (14 em 2015, nove em 2016 e 16 em 2017) e 3 títulos, um feito já de si inédito por estes terem sido consecutivos. Claro que essas marcas foram substancialmente melhoradas pelos números conseguidos em 2018, já citados acima, elevando a fasquia para 4 títulos de enfiada.
A conquista levou-o a comentar, a propósito do anterior recordista, Carl Fogarty: “O Carl é uma lenda, o maior de todos os tempos, pelo menos até eu ter conseguido este quarto título. Mas ser o piloto com mais vitórias é algo de que me orgulho verdadeiramente!”
As recompensas materiais também não tardaram a vir, como a Ducati descobriu, segundo palavras de Paolo Ciabatti da marca, quando lhe fizeram uma aproximação antes do Irlandês confirmar a renovação com a Kawasaki por mais 2 anos este Verão: “Descobrimos que ele já tem um salário muito interessante!” Considerando que o topo das SBK anda algures pela média dos pilotos de MotoGP, a remuneração de Rea deve situar-se, especulativamente, em cerca de 1,5M€ por ano.
Voltando ao resto do pelotão, os grandes perdedores foram sem dúvida a Honda, que nunca conseguiu resultados de vulto, apesar dos melhores esforços de Leon Camier, e a Aprilia, que mesmo com uma melhoria notória a meio da época após Brno, ficou claramente aquém dos objetivos propostos por Shaun Muir para as RSV com as cores da Milwaukee.
Com Laverty em 8º nos pontos e apenas 2 terceiros lugares sob o seu nome (apesar de consecutivos em Laguna Seca e Misano) e Savadori ainda mais abaixo, em 10º, com dois quintos lugares como melhor resultado, o ano pode bem ter custado a relação entre a marca de Noale e a SMR de Shaun Muir, que se diz estar a falar com a BMW e a Ducati para montadas alternativas.
Quanto à BMW e MV Agusta, esforços solitários com Baz e Torres, respetivamente, nunca iriam dar mais que os ocasionais resultados, com Baz a colocar como melhores resultados, a máquina da Althea em dois sextos lugares, em Portimão e Losail, e o “Elvis Espanhol” a conseguir um quinto e meritório lugar em Imola, numa moto que pouco ou nenhum desenvolvimento tem visto, antes de ser libertado, a 2 rondas do fim do campeonato, para disputar o fecho da época de MotoGP.
Que podemos esperar então de 2019? Para já, uma entrada em grande da Ducati com a nova V4, que segundo o ensaiador oficial, Michele Pirro, “já é melhor que a Panigale em tudo”. O facto de que chegará pilotada por um especialista da Desmosedici de MotoGP em que a moto se baseia, Alvaro Bautista, que já afirmou que com a V4 está pronto a andar à frente logo de início, pode dar o mote para uma renovada concorrência à formação campeão de Rea a que se junta Leon Haslam, fresco do seu título Britânico de SBK.
Por outro lado, com três vitórias e 13 pódios em 2018 e um final de época forte para Alex Lowes e V D Mark, que chegou a ameaçar o vice-campeonato de Davies, a Yamaha Pata não vai descansar no defeso, e deverá regressar mais competitiva.
Pelo menos dois “rookies” deste ano prometem agitar as coisas a partir detrás, o Turco Razgatlioglu e o recém-chegado Ruiu, que com apenas 18 anos, se tornou no mais jovem piloto a marcar pontos neste mundial, quando averbou dois 13º na Argentina para a Kawasaki Pedercini.
Estes fatores podem bem ajudar a dar algum interesse ao Mundial em 2019, mas e os que dizem que foi o domínio de Jonathan Rea que matou esse interesse? O próprio tem opiniões fortes, e diametralmente opostas à dos promotores Dorna, sobre a crise: “As Superbike precisam de quem as mediatize, quem conte as histórias, que abundam no paddock, mas ninguém aproveita…. Rivalidades? Choque de personalidades? Desenvolvimento em segredo? Pilotos novos? Marcas interessadas em entrar? A culpa não é minha se eu ganho as corridas, se eles não conseguem promover o interesse no Campeonato!”
Segundo o nosso amigo Paolo Gozzi, um dos mais antigos jornalistas a seguir a SBK, a promoção nas redes sociais é mal feita, citando o facto de que na recente estreia na Argentina (só por si um facto digno de notícia) estava apenas… UM jornalista estrangeiro na sala de imprensa. Esta decaída é notória desde há muito mais tempo do que Rea tem dominado, e no entanto, pode ser invertida, como os números recorde de espetadores presentes este ano em Portimão bem demonstram… quem salvará as SBK??
andardemoto.pt @ 31-10-2018 23:55:00 - Paulo Araújo
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