
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Grande Prémio de Macau de 1986 - O primeiro com portugueses - 1ª parte
Esta semana, com a presença de apenas um piloto português
nas motos, André Pires, corre-se o 51º Grande Prémio de Motos de Macau, o que
quer dizer que vai fazer 31 anos que portugueses competiram pela primeira vez
no território.
@ 15-11-2017 09:16:25 - Paulo Araújo
Sim, pode parecer estranho, mas nas primeiras 20 edições de um evento que era, na altura, organizado sob a égide da extinta Federação Portuguesa de Motociclismo, NUNCA tinham corrido portugueses!!
Isto devia-se sobretudo ao facto dos pilotos participantes serem convidados individualmente por um consultor na Europa especialmente contratado para o efeito. Devido às especificidades do Circuito, este convidava sobretudo homens que tinham corrido na Ilha de Man ou nos restantes circuitos urbanos, e principalmente britânicos – onde é que já ouvimos isto antes?
Os pilotos portugueses tinham na altura um nível muito fraco e não se aventuravam no estrangeiro. Logicamente, não eram conhecidos, nem convidados. Quanto à Federação, convidada pela organização milionária do evento, era uma boa oportunidade de levar a família dos delegados para uma viagem exótica, "à pala", apesar de facilmente terem podido usado a sua influência para colocar pilotos nacionais na lista de convidados.
Resta explicar que o tal consultor era Mike Trimby, ele próprio piloto, anos antes, mas mais conhecido como o fundador da IRTA, a associação das equipas de GP que começou a lutar pelos direitos das equipas e pilotos do Mundial de Velocidade nos anos 80.
Na verdade, a missão de Trimby era angariar uma grelha internacional, mas com os numerosos Britânicos da Ilha de Man à mão, bastava juntar 2 americanos, 1 francês e um par de alemães, para dar um paladar internacional, e a coisa estava feita.
Quando descobri esta situação, falar
com Trimby e pôr dois portugueses na lista foi fácil.
Na altura, este vosso escriba acompanhava dois pilotos portugueses regularmente: Um, que era o meu companheiro de equipa em Inglaterra, que já se tinha distinguido mais ou menos nas corridas de clube, Joe Domingues, e outro que, justamente, estava a olhar para a internacionalização, Pedro Baptista.
Claro que a ida para Macau, sem o hábito de participar em eventos internacionais, era uma aventura. Em termos de expedição das motos, como agora, a organização trata de tudo, mas era preciso prever a possibilidade de qualquer avaria e levar o máximo de equipamento. Aliás, como viríamos a descobrir, os pilotos americano costumavam levar um motor inteiro a mais num caixote...”just in case”!
Os Britânicos, com a presença das melhores equipas de fábrica de Inglaterra e alguns pilotos do Mundial, esperavam naturalmente dominar, e de facto, olhando ao longo dos anos anteriores, boa parte das vitórias tinham ido para Mick Grant ou Ron Haslam.
Do nosso lado, o Joe Domingues, que corria em Inglaterra com uma Yamaha RD350, tinha de arranjar uma moto capaz para as longas retas de Macau, sendo o mínimo aconselhável uma 750.
O Pedro tinha uma Suzuki GSXR750 das primeiras “marrecas”, assistida pelo “mestre” Carlos Figueiredo de Linda-a-Velha e combinou-se que, para treinar, ao trazer a moto para Inglaterra, iria participar numa corrida de Clube em Brands Hatch. No final, mesmo com uma noitada numa garagem improvisada no Norte de Londres para acabar de preparar a moto, tudo se atrasou e a participação não chegou a realizar-se.
No dia apontado, encontrou-se tudo no Aeroporto, um estranho grupo de mal-vestidos, alguns carregando embrulhos com pneus debaixo do braço, aonde só os entendidos reconheceriam muitas caras famosas. Por causa de Vila Real, nós já conhecíamos muitos dos futuros companheiros de viagem, homens como Andy McGladdery ou Danny Shimmin, para não falar dos mesmo conhecidos como Ron Haslam (pai de Leon Haslam) ou o Belga Didier de Radigues. Logo de seguida iríamos conhecer muitos mais...
É difícil descrever, e mais difícil ainda imaginar, o efeito de 180 marmanjos ligádos à competição a entrar num Jumbo 747 da British Caledonian, a extinta companhia escocesa... à medida que iam entrando no enorme avião, cada qual se sentou perto dos seus colegas e amigos, onde bem achou, e como resultado as hospedeira tiveram de sentar os restantes passageiros nos lugares que sobravam.
Não diria que a malta das motos bebe muito, mas mudei de
ideias quando, na escala de Dubai, uma fila de empregados filipinos se aprestava
a embarcar uma quantidade razoável de grades de cerveja... é que a maioria de
irlandeses e escoceses do grupo tinham secado o avião!
Para aquela gente simples e relativamente rude, habituados a dormir na parte de trás de um furgão e comer feijão directamente da lata, Macau era um luxo impensável...
Logo na Quinta-feira, um cocktail dado por Teddy Yip a toda a comitiva, deu o mote: pirâmides de gambas alinhadas numa fila de mesas centrais, por entre as quais empregados de "libré" se apressavam a distribuir canapés e todo o tipo de bebidas, e por aqui e ali se vislumbravam caras que mais tarde viriam a ser famosas: Senna, Damon Hill, Schumacher, todos passaram por Macau!
O Grande Prémo em si, disputado em duas corridas no Sábado, não teve grande novidade... o plantel incluía tde udo, desde motos 500 de Grande Prémio (Ron Haslam, que venceu, Didier de Radigues, os dois Peter suecos, pilotos da Força Aérea do seu país e por ela patrocinados, Skold e Linden, o Americano Randy Renfrow, e um ou outro japonês), a grandes Kawasaki 1000, motos de TT F1, e ainda as favoritas dos americanos, um par de Yamaha TZ750 pilotadas por Henri de Gouw, um veterano, e por um sino-americano chamado Rick Shaw...
Não, a sério! Além dos já mencionados a grelha incluía nomes como Steve Parrish e Keith Huewen, actuais comentadores de motos na TV, Steve Henshaw, piloto de ponta dos campeonatos ingleses, (a ponto de ser ele que partilhava o quarto de hotel com Haslam) e muitos regulares da Ilha de Man e Vila Real.
Comparados com o plantel
de topo, os 2 portugueses, sem experiência internacional, estavam em
desvantagem logo à partida. Nos treinos, Pedro Baptista andava pelos lugares à
volta do 18º (de cerca de 28 pilotos participantes) e Joe Domingues, com uma
Suzuki GSX1000 emprestada, e que até buzina tinha, fazia o melhor que podia entre
o pelotão de trás.
O momento de fama de Pedro Baptista veio nos treinos, quando a sua Suzuki 750 o cuspiu na curva do Pescador, a segunda de duas direitas feitas de "prego a fundo" no regresso à meta, pois numerosos fotógrafos locais estavam no local e apanharam o português a rodopiar pelo ar, antes de se estatelar no chão e partir um pulso. A foto saiu em todos os jornais locais, que faziam o Correio da Manha parecer um órgão sério e isento. Game Over!
Para a prova, ficou o Joe Domingues, que começava a tirar partido da sua GSXR, a ponto de ter nas duas corridas bons picanços, a caminho de um possível 18º lugar...
Mas essa primeira participação dos portugueses em Macau foi uma coisa tímida, que aparte os
órgãos da especialidade, passou despercebida... Por isso mesmo, merece ser aqui
lembrada... Desde então, nunca mais deixou de haver portugueses na grelha!
@ 15-11-2017 09:16:25 - Paulo Araújo
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