Paulo Araújo

Paulo Araújo

Motociclista, jornalista e comentador desportivo

OPINIÃO

MotoGP 2018 - Decisão histórica

O Grande Prémio de Inglaterra de Motociclismo de 2018 acabou por ser cancelado devido à chuva, não se realizando qualquer das 3 corridas programadas.

andardemoto.pt @ 29-8-2018 23:58:00 - Paulo Araújo

Não há memória, recente ou mais antiga, de outro Grande Prémio de motos ter sido cancelado por causa de chuva, pela simples razão de que isso nunca tinha acontecido, desde que o Campeonato teve início em 1949… 

Depois do fiasco do fim-de-semana de 25 e 26 de Agosto de 2018, vieram as desculpas da nova superfície não drenar como devia, e a controvérsia por terem deixado 90.000 fãs, durante horas, à chuva e com temperaturas de 13 graus, quando podiam, realisticamente, ter anunciado o cancelamento da prova muito mais cedo, com a justificação da decisão de cancelar, em última análise correctíssima, pelo argumento de que a segurança tem de vir em primeiro lugar.

Entre a hora prevista para a corrida, cerca do meio-dia e as quatro da tarde, o “safety car” cruzou regularmente o traçado, tarefa descrita pelos elementos da segurança a bordo, de que fazem hoje parte os dois ex-campeões Loris Capirossi e Franco Uncini, como assustadora, já que até o BMW M4, a velocidades modestas e sendo um pouco mais pesado (aí dez vezes!) que uma MotoGP, não conseguia evitar grandes derrapagens nas zonas alagadas do circuito.

Quando se fala de locais onde corridas poderiam ser canceladas por chuva, Silverstone foi sempre um dos fortes candidatos. Já em 1985, ano histórico no Mundial, pois vimos Freddie Spencer conquistar ambos os títulos de 250GP e 500GP, saltando ao longo da época de uma para a outra moto, o Grande Prémio decorreu sobre um verdadeiro dilúvio, e se o natural da Luisiana ganhou nas 500, nas 250 ganhou Anton Mang, bastando a Freddie nessa ocasião o quarto lugar para garantir o título. 

Nesse dia, o jovem mas maduro Spencer soube lidar com a pressão e sobrepor prudência à eventual vaidade de ganhar todas as corridas, perante as condições, mas mesmo assim, posteriormente, ainda ganhou seis corridas de 500 e sete de 250 nesse ano.


Até o Safety Car assustava

Até o Safety Car assustava

Embora haja memória de outros sítios onde é normal chover torrencialmente (Malásia e Áustria vêm imediatamente à memória), e onde, portanto, marcar um Grande Prémio de motos é sempre um risco, a escolha judiciosa da data da corrida permite minimizar o risco inerente.

Não é à toa que o GP de Inglaterra, desde que deixou de ser o TT da lha de Man em 1977, foi sempre disputado em fins de Julho ou princípios de Agosto, os meses menos prováveis de terem muita precipitação nas Ilhas Britânicas.

Já agora, outro aparte interessante e igualmente histórico é que essa foi exatamente a época em que Barry Sheene venceu os seus dois títulos mundiais de 500GP, sendo sobejamente conhecido o facto de se ter recusado a correr na Ilha de Man por achar o circuito perigoso demais… 

Como venceu então o seu primeiro Campeonato, em 1976? Fácil… apesar de não ter posto os pés na Ilha de Man, venceu 6 das 10 corridas do ano, as de França, Áustria, Itália, Holanda, Bélgica (de que ainda retém o recorde das 500!) e Suécia, suficiente para roubar o título com 24 pontos de vantagem ao Finlandês Tepi Lansivuori.

Em 1987 o Grande Prémio de Inglaterra passou a ser disputado em Silverstone, (Sheene ganhou!) e lá permaneceu sem interrupções até 1986, tendo mudado para Donington a partir de 1987. Mais recentemente, já na era das MotoGP, a partir de 2010, regressou a um muito alterado e melhorado traçado de Silverstone. 

Assistimos presencialmente a algumas das versões do início dos anos oitenta - e levámos sempre com chuva! - em que as duas curvas em redor da recta da meta, Woodcote e Copse, dadas para ai em 3ª a fundo, ainda tinham aqueles paus verticais a agarrar redes nas escapatórias, e que partiam pernas em caso de queda…


Spencer na grelha prestes a fazer história

Spencer na grelha prestes a fazer história

Agora, o facto de que nunca antes deste último fim-de-semana ter havido um Grande Prémio de moto cancelado é, no mínimo, irónico, já que os mais bem protegidos (e dotados de 4 rodas) bólides de Formula 1 podem gabar-se de nada menos de, em nove ocasiões, terem um Grande Prémio cancelado devido a chuva… e não só, pois por vezes, também por múltiplos acidentes. 

A lista começa no Brasil de 1974 e vem até o recente GP do Brasil de 2016, com a Áustria a poder gabar-se da distinção dúbia de ter tido dois cancelamentos, em 1975 e 1978… Outro facto interessante é que alguns dos países onde houve cancelamentos nem são conhecidos por terem grandes chuvadas, como é o caso da África do Sul em 1979 ou da Austrália em 1991… o que só vem mostrar que podia ter acontecido em qualquer lado.


A chuva não ajudou nem a pilotar...nem a fotografar!

A chuva não ajudou nem a pilotar...nem a fotografar!

De qualquer modo,voltando às motos e a esta ocasião inédita, a razão técnica para o cancelamento do GP de Inglaterra foi a incapacidade da nova superfície alcatroada do circuito em drenar a água suficientemente rápido, para permitir aos pneus, mesmo os amplamente sulcados Michelin de chuva, romper a camada de água e impedir o aquaplaning, que se é assustador num automóvel a 100 ou 120km/h, nem quero imaginar numa moto de 160 quilos de peso a 300 Km/h…
Segundo o chefe da divisão de duas rodas do fabricante francês, Piero Taramasso, “os nossos pneus escoam 4 litros de água por segundo a 300 Km/h… isto provou ser insuficiente e as motos ainda estavam a andar sobre uma camada de água…” Assim, depois de ponderada consideração de todos os factores envolvidos, e de uma espera inglória a ver se as condições melhoravam, o Grande Prémio de Inglaterra de 2018 foi cancelado em nome da segurança, com a concordância de praticamente todos os pilotos. Um facto que ficará para a história da modalidade.


Chuva e mais chuva

Chuva e mais chuva

andardemoto.pt @ 29-8-2018 23:58:00 - Paulo Araújo

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