
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Harris YZR500 - A aventura no Mundial
Quando há 25 anos a Yamaha licenciou o seu motor para
tentar revitalizar o Mundial de 500...
andardemoto.pt @ 4-10-2017 09:21:07 - Paulo Araújo
Ao longo dos anos 70 e 80 do Mundial de Velocidade, actual MotoGP, as grelhas eram preenchidas na sua maioria por pilotos privados. Muitos, aliás quase todos, eram ao mesmo tempo hábeis mecânicos e conseguiam por vezes, dadas as condições certas, fazer motos suficientemente boas e bem afinadas para bater as equipas oficiais, equilibrando o plantel.
A chegada de modelos competição-cliente como a RG500 da Suzuki, NS500 da Honda ou a TZ500 da Yamaha facilitaram ainda mais esse estado de coisas, pondo à disposição de qualquer um motos quase idênticas às de fábrica, por preços acessíveis.
No entanto, chegada a década de 90, as coisas complicaram-se. Havia um guerra total entre pelo menos três fábricas, a Honda, a Suzuki e a Yamaha, para não falar da mais pequena Cagiva, pela supremacia em pista, que tinha influência nas vendas das motos de estrada. A escalada de custos inevitável com as fábricas a procurar componentes mais sofisticados e mais exóticos para diminuir peso e aumentar prestações aumentou o intervalo entre as motos oficiais e as competição-cliente.
A dificuldade em competir fez muitos pilotos privados desistir, resultando numa diminuição das grelhas. Por exemplo, no Mundial de 1976, nos anos dourados de Barry Sheene, pontuaram 50 pilotos, pouco depois, em 1987, apenas uma década depois, só 25. Pouco depois, no início dos anos 90, Doohan ganhava, mas atrás dele arrancavam por vezes apenas 13 ou 14 motos, diminuindo o espectáculo e a competitividade das séries.
As própria marcas japonesas foram as primeiras a reconhecer isto, e para inverter este estado de coisas, em 1991 a Yamaha decidiu colocar à venda uma série de motores YZR500, o motor de fábrica da OWC1 de Wayne Rainey, mas com pequenas modificações destinadas a reduzir o custo. Por exemplo, os cárteres de magnésio passaram a ser de alumínio e os carburadores eram mais baratos.
Havendo motores disponíveis, estes só faziam sentido se se criasse um chassis para os receber. Depois de alguma pesquisa, a Yamaha seleccionou duas empresas para o efeito: A ROC francesa de Serge Rosset, baseada na zona franca de Anemasse entre a França e a Suíça, e a Harris Performance dos irmãos Harris, baseada, como ainda hoje, em Hertfordshire, Inglaterra, um pouco a norte de Londres.
As duas seriam oficialmente licenciadas pela Yamaha para fazer os quadros a receber o motor, a partir dos dados de chassis disponibilizados pela marca japonesa. Não admira que quando ambas apresentaram as suas soluções, elas fossem muito semelhantes: A ROC apresentava algumas soluções mais polidas que a mais básica Harris, mas também era um pouco mais cara, orçando ambas pelas 120.000 libras.
Tive o privilégio de fotografar uma das primeiras unidades da SLS500, (foto de abertura) que foi arrematada pela Padgett’s para o seu piloto Sean Emmett. A sigla SLS era uma auto-homenagem aos 3 sócios da Harris, os irmãos Steve e Lester Harris e o comercial Steve Bayford. A moto impressionava pela leveza, cerca de 130 Kg para 155 cavalos, e vinha equipada com tudo do melhor: carburadores de corpos de magnésio, que sozinhos custavam cerca de 12 mil libras, jantes Marvic, garfos e amortecedor Ohlins de GP, bem como o amortecedor de direcção, (a Harris são representantes da Ohlins em Inglaterra!) manetes de travão e bomba de travão AP Lockheed, e carenagens em fibra modeladas nas das Yamaha Marlboro de Kenny Roberts, que de qualquer modo eram estilizadas pelo designer inglês John Mockett.
Cada um dos “fabricantes” viria a alinhar com um número de motos no Mundial, ou a fornecê-las a equipas privadas de ponta, e muitos pilotos do Mundial tiveram as suas primeiras experiências nas 500 a bordo de uma, como Carl Fogarty, Kevin Mitchell, Terry Rymer, Sean Emmett, Darren Dixon (pai do actual piloto do BSB Jake Dixon), Neil Hodgson, John Reynolds, James Haydon e outros.
Até pilotos estabelecidos, como Niall Mackenzie ou Simon Buckmaster aderiram à fórmula. Do continente, também alguns pilotos com Cees Doorakers, Laurent Naveau, Juan Lopez-Mella, os irmãos Garcia e José Kuhn, entre outros, utilizaram as ROC ou Harris como uma forma barata de competir na classe rainha. As motos não eram um passe instantâneo para o estrelato, mas Niall Mackenzie ainda fez um pódio com uma no GP de Inglaterra em 1993.
Estranhamente, estas motos todas (e estima-se que entre as francesas e as inglesas se tenham construído uns 30 chassis) desapareceram. No início do século, muitas competiam ainda num campeonato alemão “open” que aceitava justamente este tipo de motos de GP obsoletas, certamente encontrando-se hoje nas mãos de coleccionadores as unidades sobreviventes. Pouco depois, o regresso às 4 tempos ditou o fim dessa era, de que nos ficam as boas memórias dos sons, dos cheiros e do espectacular comportamento em pista de uma 2 tempos de Grande Prémio...
andardemoto.pt @ 4-10-2017 09:21:07 - Paulo Araújo
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