
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
O preço de economizar
Porque será que as motos, como veículos a gasolina, são discriminadas enquanto veículos ao serviço de uma empresa? Isto fará sentido nos dias de hoje, quando a luta contra as emissões nocivas devia ser o critério mais importante na mente do legislador?
andardemoto.pt @ 22-8-2018 23:55:00 - Paulo Araújo
Já nos habituámos às constantes subidas e descidas do preço da gasolina serem justificadas por associação à velha desculpa do preço do barril de crude. Quando este sobe, ela sobe, quando desce, já o produto refinado permanece igual ou baixa muito ligeiramente apenas. Outra patranha mais recente é o argumento da reposição da receita fiscal perdida (???) pela suposta baixa de consumo. No entanto, neste carrossel de feira de subidas e descidas, uma coisa permanece constante: a discriminação contra quem escolhe utilizar um veículo a gasolina para fins profissionais. Ou, no caso das duas rodas, nem sequer tem escolha por não haver motos propulsionadas a gasóleo – na Índia, há uma versão diesel da vetusta Royal Enfield, mas não consta que seja comercializada na Europa. Ainda por cima, uma olhadela aos méritos relativos de cada combustível revela um cenário ainda mais desequilibrado:
Esquecendo por um momento o preço da cada combustível, com o preço por litro do gasóleo a oscilar entre os 1,30€ e os 1,40€ e o da gasolina entre os 1,56€ e os 1,68€, o que verificamos é que ainda há uma diferença de preços de cerca de 30 cêntimos entre um e outro. A outra peça fundamental da equação é que o preço do (mais barato) gasóleo é dedutível como uma despesa de negócio e o da (mais cara) gasolina, não.
Aparte a pergunta, perfeitamente legitima, de com que direito, autoridade moral ou prepotência pode um governo ditar aos empresários que combustível deviam escolher para impulsionar a sua frota, outra questão se levanta. Consideremos por um momento essa maravilha da internet moderna, flagelo das frotas de táxis, a maior empresa de táxis do mundo sem possuir um único veículo, a Uber. Decerto já repararam que agora pululam por toda a cidade, especialmente à volta de Pizzarias ou McDonalds, frotas de pequenas aceleras da Uber Eats, sempre conduzidas pelo proverbial adolescente borbulhento. A premissa é lógica e pertinente. Na era do “fast food”, quando só apetece comida já pronta sem mais delongas, porque não ter um serviço que a vem entregar à nossa porta?
Portanto, dum lado temos uma Uber para transportar pessoas, normalmente num moderno sedan de 4 portas, com menos de 2 anos de idade por imposição da empresa, e gastando, portanto, em cidade, digamos, 6 litros de gasóleo aos 100 Km. Do outro a Uber Eats, para transportar comida às casas das pessoas, normalmente uma moderna acelera chinesa com menos de dois anos também, gastando talvez 3 litros de gasolina aos 100 Km. Pela fórmula acima, o carro a consumir 6 litros a 1,30, por exemplo, gasta 7,80€. Já a opção acelera, a consumir sem-chumbo 95 a 1,60€, ficará pelos 4,80€. Ou seja, a acelera, com toda a discriminação fiscal contra ela, continua a gastar consideravelmente menos e a ser a mais barata de operar - se nos abstrairmos por um momento da diferença entre transportar 3 pessoas e 3 Happy Meals™, mas também poderíamos falar do custo de aquisição irrisório contra várias dezenas de milhar de euros do tal sedan. Vamos portanto puni-la com uma legislação fiscal menos favorável e… ahhh?
Espera aí, não devia ser exatamente o contrário? Punir o mais gastador – e portanto, mais poluente - e favorecer o mais económico e, portanto, menos poluente? Quer dizer, não só as empresas que escolheram utilizar motos – demos o exemplo da Uber mas há outras – veem que o Governo pouco se interessa pela sua escolha ser a mais económica, mas ainda por cima não a aceitam como uma legítima despesa duma empresa…
E o que irá acontecer quando a política de aproximação dos dois preços tiver a sua inevitável conclusão lógica, que é o seu cruzamento, um numa direção ascendente e outro a descer ou manter-se, e o gasóleo ficar mais caro que a gasolina? Passará então este a ser o combustível não admissível como despesa de negócio? Ou a coisa ficará ainda mais burlesca e a (então mais barata) gasolina continuará a ser o “patinho feio”, discriminada fiscalmente?
Decerto, estas coisas já estão a ser equacionadas em altos gabinetes de estudo por consultores altamente pagos (com os nossos impostos!) por essa Europa fora, e previsivelmente elas darão origem a outros tantos relatórios, que por sua vez darão origem a outra tanta legislação, ou alterações à legislação, numa tentativa de corrigir algumas destas distorções. Provavelmente, com o desaparecimento anunciado dos diesels para daqui a uns 10 anos, e a chegada em força dos veículos elétricos, a sua importância até vai ser relativa…
Agora, quanto vale a aposta de que, quando a maioria do parque em circulação for elétrico, alguém vai virar o bico ao prego e inventar umas taxas para esses também?
andardemoto.pt @ 22-8-2018 23:55:00 - Paulo Araújo
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