
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
O que vem a seguir em Moto2?
Em 2019, o motor das Moto2 vai passar a ser da Triumph... o que vai mudar?
andardemoto.pt @ 27-9-2017 15:17:22 - Paulo Araújo
Como já tínhamos noticiado, em 2019 a Triumph substitui a Honda como fornecedor dos motores para a categoria de Moto2 do Mundial de Velocidade.
A decisão, que basicamente se deve ao fim do contrato entre a Dorna, entidade detentora dos direitos do Mundial, e a Honda, mas também ao anunciado fim do modelo CBR600RR, que não vai ser actualizado pois o motor já não é compatível com o Euro4, representa um grande salto evolutivo para a categoria intermédia do mundial. Vamos ver porquê.
Importa debruçarmo-nos um pouco sobre as regras da categoria: A ideia por trás da Moto 2 era fornecer motores de controlo, quase idênticos em potência de uma unidade para a outra, e fiáveis o bastante para fazerem 3 corridas sem problemas, apenas com uma muda de óleo e velas.
A preparação dos motores inclui cabeças trabalhadas, cames HRC, molas de válvulas reforçadas, ECU, alternador e uma primeira relação de caixa mais longa. Tudo o resto, incluindo os pistões, cambota, bielas e caixa de velocidades são componentes da CBR de origem.
Os motores iguais, são testados em banco de ensaio, para garantir que a variação de potência não é superior a 1,2 cavalos e entregues por sorteio às diversas equipas, selados na tampa da distribuição, tampa do alternador, embraiagem e cárter para impedir modificações internas.
Nesta classe, apenas a ciclística pode fazer a diferença de uma moto para a outra.
OK, a ciclística e alguns elemantos periféricos ao motor ainda assim bastante importantes, como a configuração do escape, a airbox, a posição do motor no quadro, a refrigeração, etc. Todas estes parâmetros são críticos quando, para mais, o motor é fornecido num estado de preparação médio, para privilegiar a fiabilidade e evitar quebras.
Em toda a história da Moto2, desde que em 2012 a espanhola ExternPro de Aragón passou a ser a preparadora por troca com a Suiça Geo Technology, houve apenas 5 quebras de motores. Destas, 3 foram identificadas como tendo sido provocadas pela fadiga dos pernos da biela, aparentemente porque a remoção do motor de arranque alterava as harmonias do motor. Um perno e anilha de freio modificados curaram esse problema.
O controlo vai ao ponto de até o óleo usado, 12 litros de Liqui Moly sintético, ser fornecido junto com o motor, exactamente o bastante para as 3 corridas que este tem de durar.
Os motores são ainda aferidos para rodar em segurança, até regimes próximos das 15.000 rpm, sendo limitados electronicamente às 15.900 rpm. No entanto, em redução, quando o limitador não funciona visto que o motor está apenas a ser “empurrado” mecanicamente pela roda, chegam a atingir as 17.000 rpm.
Um dos pontos importantes desta política de motores é dar aos diferentes fabricantes de “chassis” a oportunidade de se distinguirem pela maior eficiência da sua própria solução.
Dentro das dimensões regulamentares as soluções de ciclística são livres, e de facto acabam por ser muito semelhantes, com a óbvia diferença da recém-chegada KTM que, fiel à filosofia da marca, usa uma quadro em treliça tubular de aço, contra a mais generalizada viga em alumínio.
Dos vários "chassis" disponíveis, o Kalex é de longe o de maior sucesso. Ironicamente, o quadro em viga de alumínio segue de muito perto o elemento de origem da Honda CBR, sendo apenas uma versão mais robusta.
Com a Triumph, tudo muda
A adopção do motor Triumph trará uma série de alterações à formula. A consequência mais directa da mudança é a necessidade de reconfigurar todas as ciclísticas para acomodar as dimensões e furações do novo motor. Até parece que ambos são muito semelhantes, pois ambos usam a compactação do comprimento total conseguida de há uns anos para cá através da colocação do veio secundário acima, em vez de paralelo, ao veio primário, reduzindo o comprimento total da unidade.
Ambos os motores têm a embraiagem no mesmo sitio, do lado de trás direito e a distribuição por corrente feita a partir da extremidade direita da cambota. As semelhanças acabam aí. Com 4 cilindros e 599cc, o motor Honda tem uma cilindrada unitária de 150cc, enquanto o "triple" da Triumph, sendo um 765, apresenta uma capacidade unitária de 255cc., com pistões bem maiores, portanto.
Isto em si vai limitar o regime máximo, já que a massa depende da aceleração linear (a velocidade que o pistão atinge quando está prestes a esmagar-se contra a cabeça, antes de regressar para baixo puxado pela biela) e varia exponencialmente com a velocidade – simplificado, quanto mais pesado é o bocado de metal às voltas, menos velocidade ele pode atingir em segurança.
Por outro lado, é natural que, forçados a começar do zero pelas dimensões do novo motor e, como veremos adiante, características da suspensão, é natural e expectável que os fabricantes de "chassis" aproveitem para incorporar melhorias aerodinâmicas entretanto descobertas ou desenvolvidas na ciclística anterior, mas que seriam morosas ou caras de mais para homologar no modelo actual.
Por tudo isto, a mudança de motor e a sua colocação no(s) quadro(s) vai fazer uma enorme diferença.
Outro factor de mudança importante prende-se com a entrega de potência dos motores. Os 118 cavalos do CBR de origem são debitados às 13.500 rotações, pelo que teoricamente é um motor, mais a mais em versão preparada, que ronda os 130 cavalos, muito “vazio” em baixos e médios regimes.
Já o "triple" da Triumph, segundo Steve Sargent, Chefe de Produto da Triumph Motorcycles, e após os testes com o ex-campeão Mundial Julian Simon (pode saber mais clicando aqui), está “à frente das expectativas” em termos de entrega de potência.
O motor de origem da Speed Triple desenvolve um pouco mais de potência que o da CBR, no caso 123 cv às 11.700 rpm, mas produz muito mais binário. De facto, são mais 11 Newton metros com menos 550 rpm.
A Magnetti-Marelli está a desenvolver um ECU específico para o Triumph de Moto2, que por regulamento custará apenas 650 Euros, permitindo uma série de parâmetros de afinação e leitura. Como antes com o da CBR, a fábrica vai saber como cada equipa tratou os motores, como por exemplo qual a rotação máxima que cada piloto atingiu e por quanto tempo.
Após preparado, é natural que tenhamos um motor com mais cavalagem que o Honda – talvez por volta de 140 cv – mas sendo um três cilindros, muito mais redondo, com potência útil a partir de tão baixo como 6 ou 7.000 rpm. O que significa isto para os fabricantes dos chassis, a Kalex, Suter, Tech3, Speed-up ou KTM?
Se o motor é mais redondo e produz mais potência a regimes inferiores, os pilotos vão poder – e querer – acelerar mais cedo à saída das curvas, com a moto mais inclinada. Isto vai exigir suspensões mais suaves na parte inicial do movimento, para não reagirem em sacões, e com características de deslizamento ideais, para não “agarrarem” quando estão a trabalhar quase horizontais – para ver o meu artigo anterior acerca do “chatter” clique aqui.
Toda esta mudança também vai criar dores de cabeça à Dunlop, a fornecedora exclusiva dos pneus de Moto 2 e Moto3, já que as suas borrachas vão ter de agarrar enquanto mais inclinadas e fornecer aderência sob maiores forças de aceleração a ângulos até agora impensados. Por outras palavras, uma Moto2 vai ser mais como uma MotoGP...
E não é essa a função da classe? Formar e definir as futuras estrelas da MotoGP?
Resta ver como os pilotos da categoria irão lidar com esta novidade, e quais se adaptarão melhor para tirar partido dela.
Os que o fizerem mais cedo terão uma vantagem competitiva considerável no início do Campeonato. Mas para isso vamos ter de esperar por 2019!
andardemoto.pt @ 27-9-2017 15:17:22 - Paulo Araújo
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