Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
MotoGP - Previsão de uma época histórica
A época de MotoGP que vai ter início este fim de semana no Qatar é histórica, a 70ª edição do Mundial de Velocidade desde que este começou oficialmente em 1949. Efemérides aparte, afigura-se como uma das mais, se não mesmo, a mais competitiva de todos os tempos. Primeiro, é uma época muito longa, que se estende até à final em Valencia a 18 Novembro, com muitas corridas, dezanove, um número sem precedentes. (O ano passado foram só 18!).
andardemoto.pt @ 15-3-2018 08:02:21 - Paulo Araújo
Depois, fruto de uma política de regulamentos de controlo, nenhuma marca ou equipa vai, à partida, ter qualquer vantagem automática, como aconteceu nalguns anos com a Honda, Ducati ou Yamaha. Não só os pneus da Michelin são um factor de controle, como limites de motores, ECU e controlo de tracção comuns a todos estreitam mais que nunca as possibilidades de uma qualquer marca se superiorizar. A Michelin já simplificou as coisas, revelando que não haverá mudanças à construção dos pneus a meio da época, só às misturas disponíveis.
Uma das guerras em curso vai ser a eterna procura de maneabilidade: impedidos de forçar a entrada em curva como na era da Bridgestone pelo simples facto de que os dianteiros da Michelin simplesmente não oferecem o mesmo nível de aderência, as marcas vão-se virar para uma de duas respostas possíveis: velocidade em curva, quando irão precisar de mais inclinação e encontrar de novo os limites dos pneus, ou maneabilidade, ou seja, virar no mais curto espaço possível para endireitar a moto o mais cedo possível e acelerar mais cedo.
Só que isto mexe com as capacidades, e preferências, individuais de muitos pilotos. Já o ano passado isto se fez sentir, por exemplo, com os medíocres resultados de Lorenzo na Ducati, um piloto de pura velocidade em curva e suprema suavidade de pilotagem, numa moto que pede para ser guiada com agressividade, quase violentamente.
“Rookies” em dificuldade
“Rookies” como Takaaki Nakagami, cuja velocidade a meio da curva espanta mesmo os pilotos de MotoGP mais sazonados, poderão estar em dificuldades perante a necessidade de sacrificar a velocidade em curva, e em vez dela, atirar a moto para a corda, mudar de direcção bruscamente e levantá-la de novo em plena aceleração. O caminho para conseguir isto é bem conhecido: Levantar a traseira, radicalizando o ângulo de direcção, o que sacrifica estabilidade em recta mas dá entrada imediata em curva. Zarco já afina a sua moto assim, e todos vimos o que podia fazer na época passada com uma moto satélite.
Este ano, em vista das dificuldades evidenciadas pela Yamaha Movistar oficial, Zarco vai quase de certeza conseguir ganhar em MotoGP, quem sabe já este fim de semana no Qatar. Há outra vantagem inerente à capacidade de erguer a moto logo à saída das curvas: Permite acelerar ao máximo sem exceder as capacidades da borracha dentro dos limites do mais básico controlo de tracção imposto pela Dorna. Pilotos que sempre foram contra excessiva intervenção da electrónica, como Dovi ou Crutchlow, poderão beneficiar deste estado de coisas.
Outro factor crítico, e até agora não sancionado pela Dorna, pode
muito bem vir a ser a flexão dos quadros. É sabido que um quadro rígido,
à partida desejável, se torna num problema quando a rigidez é
demasiada, pondo os pneus sobre stress demasiado, provocando reacções
bruscas e tornando a pilotagem, no geral, desagradável e imprevisível.
Assim, uma certa medida de flexão é desejável: Por um lado, na fase de inclinação máxima, quando os garfos e amortecedores são inúteis pois não estão a ser comprimidos longitudinalmente, mas sim de lado. Por outro, quando o pneu derrapa e, mais uma vez, algum movimento lateral ajuda a minimizar o efeito. Se a flexão não é – nem se vê como poderia vir a ser – limitada por regulamento, decidir o quanto e aonde é um problema delicado. Para já, depende imenso do gosto individual de cada piloto: é sabido, por exemplo, como Capirossi pedia as suas motos com uma rigidez desconcertante, sentindo-se mais confiante assim, quando outros pilotos que usam muito a frente, como Stoner ou Rossi, gostam dum pouco mais de flexão a suavizar as reacções da traseira.
Para já, a Honda poderá ter a vantagem inicial aqui, pois tem
experimentado com escoras de carbono, onde a flexão pode ser quase
infinitamente ajustada em cada zona e diferentes soluções experimentadas
rapidamente, até pela direcção, sobreposição e acumulação das fibras ao
longo da peça final. Por outro lado, a Ducati já desistiu de usar o
motor como membro esforçado, justamente porque ter um motor de cárteres
super-rígidos a meio da ciclística impedia qualquer tentativa de
construir flexibilidade no conjunto.
Outro ponto que vai atrair a atenção dos engenheiros é a direcção de rotação e massa das cambotas: Cambotas mais pesadas aumentam, pelo efeito giroscópico, a estabilidade, que é o mesmo que dizer, a aderência em curva, mas resistem à aceleração brusca à saída de curva. Cambotas mais leves, além de permitirem acelerar melhor, têm menos forças giroscópicas, que contrariam as mudanças de direcção, a atuar sobre elas, pelo que facilitam mudanças de direcção à entrada e saída das curvas.
Ainda por cima, nesta era de motores selados, já não há questão de adicionar ou tirar pesos da cambota a bel-prazer dos técnicos, pelo que acertar à primeira no equilíbrio certo é quase obrigatório.
Depois, a direcção de rotação da cambota tem influência, com todas as marcas menos a KTM a utilizar cambotas contra-rotativas. Para não falar do facto que um quatro-em-linha tem uma cambota mais
larga que um V4, por exemplo, e requer, portanto, muito mais força dos
braços do piloto para inserir em curva.
A Ducati, especialmente com Dovizioso, pelo contrário, costuma dar-se
bem no traçado de Losail e este ano, a marca vai apontar decisivamente
às vitórias mais que a meros pódios. Até porque Lorenzo já foi avisado
sem lugar para dúvidas que tem de começar a justificar o ordenado, cerca
de três vezes mais que o seu mais vencedor colega de equipa Italiano...
e não podemos esquecer que ainda detém o recorde da pole em Losail,
onde já venceu três vezes.
Poderia parecer que o V4 tem uma vantagem inicial, mas o domínio dos
motores Honda e Ducati o ano passado, aparentemente, deve-se não tanto a
isso, mas às duas marcas jogarem melhor, ou terem entendido mais cedo,
as limitações da electrónica imposta pela Dorna. Isto não acontece por
acaso, mas porque essas limitações foram desenhadas, e introduzidas,
para aproximar todos os concorrentes sem dar, à partida, vantagem a
ninguém...
Marquez, o candidato lógico
Olhando para as equipas individualmente, decerto a Honda estará numa
posição muito forte: Não só Marc Marquez da Honda Repsol já vai em seis
títulos, mas sacou quatro nos últimos cinco anos, permanecendo o
incumbente, e portanto, o homem a bater. Se Pedrosa poderá brilhar
nalgumas pistas onde parece ser mais eficiente, como Aragón ou Valencia,
já Crutchlow, com maquinaria supostamente idêntica apoiada pela HRC e
Castrol este ano, poderá ser a surpresa nalguns traçados. Dito isto, a
primeira corrida da época, no Qatar, não costuma ser um dos pontos
fortes da marca.
A Yamaha Movistar seria a terceira força em campo, em teoria, mas quer
Viñales, quer Rossi, demostraram dificuldades em fazer, justamente,
aquilo que referimos no início do artigo, obrigar as motos a virar
depressa sem perda de aderência a meio da curva. Rossi, no entanto,
demonstrou sobejamente que consegue superar com experiência e pilotagem
inteligente pontos fracos da sua máquina. Com 39 anos feitos, sabe que é
decerto a última época com uma hipótese, ainda que remota, de
conquistar mais um título na classe rainha e isso será, decerto a sua
maior motivação.
Falando da Yamaha, Johann Zarco, na equipa satélite, já está mais que
maduro para uma vitória, e no ano em que Poncharal anunciou que abandona
a marca de Ywata, e vai estar com a KTM em 2019, vencer com a moto
satélite à partida “inferior” seria uma estalada de luva branca à
hierarquia japonesa.
Se do lado da Yamaha uma moto satélite pode ser a surpresa, já do lado
da Ducati, isso pode muito bem ocorrer igualmente e não só com um
único piloto.
Danilo Petrucci (Pramac Ducati) está em linha para um contrato oficial se não se esticar e só sofre por ser o maior e mais pesado piloto na categoria, embora eventualmente, na moto que, por ser mais física, perdoa mais isso mesmo. O seu colega Jack Miller poderá bem explorar o binário da Desmosedici melhor que as exigentes RC213V da Honda que tem vindo a pilotar e aparecer nos resultados mais acima que o esperado.
No restante, como vimos, também, os “rookies” da categoria dificilmente farão a diferença, e marcas como a Suzuki, ou a Aprilia ou KTM, que o ano passado brilharam por vezes mas lutaram com ainda mais problemas de tração que as restantes equipas, embora possam vir a beneficiar do efeito equalizador dos regulamentos para andar mais perto das equipas dominantes, dificilmente se imporão a estas, pelo menos em 2018.
andardemoto.pt @ 15-3-2018 08:02:21 - Paulo Araújo
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