Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Recordando a magia de Spa- Francorchamps
Lembro-me perfeitamente quando me apaixonei pelas corridas
do mundial de resistência e lembro-me perfeitamente porquê: comecei pelo que
era talvez o lugar mais mágico de todos (o Campeonato já não o visita), Spa-Francorchamps
na Bélgica, e comecei logo a acompanhar um piloto que faria história na
Resistência: Terry Rymer.
andardemoto.pt @ 12-7-2017 10:29:29 - Paulo Araújo
Só para situar a coisa, estávamos em Agosto de 1988, a 2 meses de Ayrton Senna conquistar o seu primeiro título de Campeão Mundial de Formula 1, e achei-me (já não me lembro como fui, sequer, mas envolvia sempre arrancar de madrugada, atravessar o Canal da Mancha num furgão, entre motos e tralha, mais a dormir que acordado) nas boxes de um dos mais míticos circuitos do Mundo.
Do lado de cima das boxes, situadas numa descida, os pilotos passavam tão devagar e tão perto, no Gancho de La Source, que podia ter dado um “carolo” no capacete de alguns. No outro extremo, ao fim das boxes ficava a temível Eau Rouge, uma esquerda-direita que se dava para ai a 240 Km/h, com a moto tão descompensada que uma foto tirada de frente revela a roda dianteira em contra-brecagem, quase como um carro de Rally.
O Terry tinha sido convidado (e na altura eu ia para onde ele ia!) para ser o terceiro homem na Honda RC30 da Windsor Motorcycles, que contavam com a ajuda logística dum grande senhor da resistência de 20 anos antes, Peter Darvill.
Darvill, já muito velho, obeso e a sofrer de gota, ainda tinha nos olhos o brilho da paixão pela modalidade onde fizera furor entre 1960 e 1971. O autocarro adaptado onde nos acomodávamos para descansar era dele.
A moto da Windsor Motorcycles, que viria para Portugal pouco depois, seria partilhada com os gémeos Green, prestes a tornarem-se meus bons amigos, como quase metade da grelha de resistência de então: Fui-me apresentar a Alex Vieira, já lendário na altura e a pilotar para a Honda France, entrevistei-o para uma revista inglesa e outra portuguesa, e conheci também vagamente na altura, os homens da Suzuki, Hervé Moineau, Thierry Crine, os da Kawasaki Igoa e Bouheben e muitos outros.
A atmosfera das boxes de Spa é eléctrica: as minúsculas garagens favorecem isso mesmo, aprende-se a andar com muita atenção, a ter olhos nas costas, com motos a entrar e sair, e foi assim que no final dos treinos, graças à estreia internacional de Rymer e ao seu ritmo, nos encontramos em 5º na grelha...
Com 1 Honda, 1 Suzuki, e duas Kawasaki oficiais, isto é o mesmo que dizer que éramos a primeira moto privada e no final dos treinos o jovem do Sul de Londres já não era nenhum desconhecido... aliás, a sua chegada à cena até deu algumas cenas cómicas...
Rymer, fresco de uma carreira fulgurante em clube, em que venceu 168 de 172 corridas começadas (não, mesmo!) não estava habituado a ser ultrapassado de novo quando passava um piloto... só que desta, o ultrapassado foi um tal Alex Vieira, na RC30 da Honda France, que prontamente lhe devolveu a manobra na curva seguinte... visivelmente admirado, quando chegou à boxe, Rymer pergunta-me: “Quem é este Vieira? Ele é rápido?”
Nesse ano, com a Suzuki de Dominique Melliand (ainda sem um cabelo branco!) a dominar e a sair da “pole”, esperava-se que uma regra não-escrita se cumprisse: como a Suzuki em princípio iria ganhar, davam à Honda a hipótese de andar à frente no começo da prova 2 ou 3 voltas, e assim todos brilhavam...
Esqueceram-se de dizer ao Terry, ou não contaram com o privado Inglês de 21 anos, pelo que no arranque apareceu ele à frente de todo o pelotão, e lá ficaria 2 ou 3 voltas, entregando a moto ao primeiro dos gémeos Green, Ian, em quarto.
Mesmo com o andamento algo inferior dos gémeos a baixar a equipa para sétimo na tabela, cada vez que Rymer fazia um turno, subiam de novo para 5º, pelo que se adivinhava um bom resultado.
Alás, a Resistência tem destas coisas, e durante a noite às 2:00 da manhã, um dos gémeos (penso que o Andy) caiu, encetando um penoso regresso às boxes com a moto muito danificada (Em Spa cai-se depressa!).
Reparar a moto, incluindo substituir o radiador roto, baixou a equipa para 22º, pelo que nem com todos os esforços de Rymer, a fazer mais turnos pela manhã, se conseguiu melhor que 14º... mas este jornalista estava viciado, e da próxima visita a Spa, em 1990, vim como “team manager” dos Green, que nesse ano acompanharia ainda a Le Mans, Bol d’Or e Suzuka...
Nesse ano, ainda consegui interessar alguns portugueses na resistência, como Pedro Baptista, que mais tarde participaria no Bol d’Or com Alex Laranjeira e Manuel João num “Team Portugal”... anos depois, viria a Suzuki Shell, que nos cobriria de glória, vencendo mesmo as 24 H de Spa em 1999.
andardemoto.pt @ 12-7-2017 10:29:29 - Paulo Araújo
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