Paulo Araújo

Paulo Araújo

Motociclista, jornalista e comentador desportivo

OPINIÃO

Curiosidades do Mundial de outrora...

Sabiam que quase todos os pilotos são muito supersticiosos, adotando rituais sem os quais não se sentem seguros ao sair para a pista? Ou que há anos atrás, faziam tantos disparates antes das provas que alguns ficaram banidos de alugar carros em qualquer parte do mundo? Hoje em dia, com as redes sociais a providenciarem mediatização imediata de tudo que um piloto faz ou diz, já pouco fica a coberto dos fãs mais inquisitivos, mas houve um altura em que os pilotos do Continental Circus, como se costumava chamar o Mundial de Velocidade, ou MotoGP, se quiserem, eram verdadeiros personagens, de que ainda hoje se contam peripécias incríveis.

andardemoto.pt @ 30-8-2017 13:58:12 - Paulo Araújo

A suposta “patada” de Valentino ou especulativos conluios dos nossos dias entre espanhóis para favorecer um ou outro não são nada comparados com algumas cenas do Mundial de outrora... e estas, as que se podem contar de todo!

Um dos personagens mais mediatizados, de facto provavelmente o que começou, em grande parte, a própria mediatização, obtendo patrocinadores fora do espectro das motos, como perfumes, aparelhagens ou produtos de limpeza doméstica, foi sem dúvida Barry Sheene... as suas partidas a outros ficaram famosas, frequentemente secundadas, ou mesmo arquitectadas, pelo seu colega e amigo íntimo, o agora comentador da BBC Steve Parrish.

A relação entre os dois é quase lendária, Steve, um rapaz do campo de Steeple Morden, perto de Cambridge, entrou na cena das corridas quando Sheene já era famoso e, fascinado pela vida de playboy da cidade deste, começaram a passar imenso tempo juntos fora das corridas, muito passado a imaginar e pregar partidas incríveis...

Ao mesmo tempo, procurava sempre ter uma vantagem psicológica, de que fazia parte chegar de Rolls Royce (matrícula BS7) e apresentar a equipa sempre impecável. Sheene era um piloto completo, um poliglota que se propôs aprender espanhol fluente após ter sido piloto de fábrica da Bultaco e Derbi, e francês mais tarde. Há muitos vídeos em que fala com repórteres na língua local e até aprendeu Japonês para se certificar que a sua Suzuki tinha tudo do melhor.

Armado com essa fluência, pouco habitual num inglês, quanto mais num miúdo “cockney” que deixou a escola muito cedo, uma das vezes que foram correr à Venezuela, subornou os funcionários do armazém onde as motos tinham sido descarregadas para o Grande Prémio local para colocaram todas as outras grades no fundo do armazém com mais caixas por cima... quando os outros finalmente libertaram as motos e chegaram à pista, já ele e Parrish estavam a treinar há várias horas!

Profundamente supersticioso, Sheene procurava fazer tudo da mesma forma antes de uma prova, exemplo disso é a T-shirt de Gary Nixon com que aparece em muitas fotos: era a que usava quando sobreviveu à sua queda a 300 Km/h em Daytona, e desde aí nunca mais correu sem uma!

Parrish, normalmente piloto secundário da Suzuki, não aspirava aos resultados de Sheene, mas perfazia isso com uma fama de brincalhão que ainda hoje o persegue... esteve anos banido de entrar em Macau por ter atirado um daqueles petardos múltiplos que vão rodopiando e explodindo para dentro de uma casa de “massagens” frequentada por outros pilotos... ainda hoje se fala do granel que se seguiu, com meninas e clientes a virem para a rua semi-nus, no que quase criou na altura um sério incidente diplomático...

Comparado com isso, piadas que costumávamos fazer nas SBK como esvaziar o quarto de hotel a um piloto amigo e esconder toda a mobília nas escadarias (imaginem chegar dum bar às 2 da manhã e ter o quarto vazio!) eram inocentes...

A matrícula personalizada do seu Mercedes 300, PEN1S também causou algum furor, mas para lá disso, Parrish também não podia alugar carros em nenhuma parte do mundo, em parte porque, um ano, em Daytona, tentou saltar um pontão na praia de Daytona com um daqueles enormes Chevrolet Camaro... claro que o carro acabou destruído e ele preso...

Doutra, de que confesso fui vítima, andava pelo “paddock” a oferecer bombons... que quando se derretiam na boca tinham dentro um preservativo!

Frequentemente, grande trabalho e criatividade eram empregues nas partidas... como quando numa corrida do Mundial desapertaram todas as porcas e parafusos das rodas de um Mini Moke do team Bike, que prontamente de desfez assim que começaram a andar com ele!

Do lado das partidas com um claro objetivo de afetar os adversários psicologicamente, o grande Phil Read colocou uma vez, acho que num GP da Bélgica, um moto parcialmente coberta por uma lona de onde se viam sair quatro escapes... para convencer os seus rivais nas 250 que a Yamaha lhe tinha dado uma moto de fábrica especial de 4 cilindros!

Na cena inglesa, também havia pilotos frescos, de uma das vezes que fomos a Cadwell, lá muito ao Norte, começámos uma batalha de comida entre “motor homes” que consistia em ir aos frigoríficos a cada paragem nos semáforos e atirar tudo o que havia aos outros... ovos, tomates, pacotes de leite abertos... a luta durou a inteira travessia da vila de Market Rasen, não tendo ficado registado quanto tempo levou a lavar ovos e tomates dos vidros posteriormente...

Mais perto de casa, Max Biaggi costumava trazer para as corridas, atrelado à sua motor home, um reboque fechado com um pequeno Smart que depois usava para se deslocar incógnito... Um ano no Estoril, na sua ausência, outros pilotos de GP que não mencionarei, mas incluíam Colin Edwards e Alex Hofmann, sacaram o Smart do reboque e puseram-se a fazer piões no “paddock” até inevitavelmente o capotarem... para de seguida colocar o Smart, muito maltratado, como podem imaginar, de novo no reboque como se não fosse nada... podem imaginar a fúria que Biaggi teve quando foi sair com o carro a seguir e este sai do reboque todo torto!

Não sei se é pena, ou fracamente mais saudável para o desporto, que essa era tenha praticamente desaparecido... mas recordá-la traz sempre um sorriso aos lábios.


andardemoto.pt @ 30-8-2017 13:58:12 - Paulo Araújo

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