
Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Pneus de MotoGP
De todos os fatores que afetam o
desempenho duma máquina de MotoGP, os pneus são, de longe, o fator que mais
influência tem no comportamento e na segurança.
andardemoto.pt @ 29-11-2017 20:17:24 - Paulo Araújo
Os pneus são o componente mais
frequentemente referido pelos pilotos como causador de problemas de desempenho, ou quedas.
É
também um dos componentes que mais evolução tem sofrido ao longo dos anos, facto bem ilustrado pelos
problemas sentidos pela Michelin no seu regresso ao MotoGP no ano passado, após o reinado da Bridgestone.
Houve casos de pessoas ingénuas, ou ignorantes deste facto, que se puseram nas redes sociais a insultar o desempenho das borrachas francesas quando, em certas pistas o ano passado, nenhuma das soluções da marca funcionava em pleno e os pilotos se queixavam frequantemente.
Na
verdade, a Michelin não fazia um pneu de MotoGP desde que, em 2009, a
Bridgestone se tornou o fornecedor exclusivo, situação que durou até 2015.
Se a
Michelin, ausente 7 anos da classe rainha, pudesse voltar logo na primeira
corrida com pneus ao nível dos Bridgestone, teria sido esta a incompetente!
A evolução dos pneus é contínua, constante e multifacetada. Quando comecei a saber um bocadinho de pneus de competição, percebi que... não sabia nada! Tal como se costuma dizer, até para saber que nada sabemos, temos de saber um bocadinho...
As variantes que influem o desempenho de um pneu são imensas! Só assim para começar: tamanho da jante, formato, perfil, espessura e rigidez da carcaça, número de telas, número de fios que as compõem, material de que são fabricados, orientação das mesmas, altura da parede lateral do pneu, rigidez e inclinação da mesma, pressão e temperatura de operação e, finalmente e ainda, aquela que toda a gente conhece e a que muitas vezes são atribuídos todos os males, a mistura. Acresce ainda o desenho, quantidade e orientação dos sulcos, se não se tratar de um pneu “slick”.
A composição dum pneu, qualquer um e não só os de competição, é hoje em dia à base de borracha sintética, mais um composto, apelidado de carbon black, que faz exactamente o que o nome sugere, ou seja, dá a cor negra ao pneu, mas que também lhe confere características fundamentais, juntamente com a sílica, (aquele pó branco que vêem os tenistas esfregar nas mãos suadas para a raquete não escorregar) relativamente à aderência.Depois há as telas fabricadas numa mistura de tecido e kevlar e, finalmente, os aros de metal que formam de cada lado um talão, que segura as extremidades da carcaça, dando-lhe rigidez e ao mesmo tempo impedem, em princípio, que o pneu (e o ar) saia do aro.
Como já vimos, em 2016 a Michelin assumiu, por contrato com a Dorna, o cargo de fornecedor oficial de pneus de MotoGP, depois de sete épocas em que foi a Bridgestone a desempenhar essa função. A temporada de regresso às pistas revelou-se uma enorme curva de aprendizagem, quer para a Michelin, quer para os pilotos.
A Michelin teve que enfrentar o facto inegável
do avanço tecnológico das motos desde a última vez que fabricou pneus para
a classe principal de GP, enquanto os pilotos e as equipas tiveram que lidar
com a melhor maneira de configurar as suas máquinas, para aproveitarem ao máximo
as (novas) características das borrachas Michelin.
Esta adaptação, pelos pilotos e mecânicos, é melhor ilustrada pela onda de quedas por derrapagem no início da temporada de 2016, que em grande parte desapareceu até o final do ano, à medida que a Michelin, os pilotos e as equipas técnicas foram trabalhando juntos para alcançar o objetivo comum.
No MotoGP, o desempenho de um pneu tem que ser quase perfeito, uma vez que a confiança,
e em última análise a segurança dos pilotos, depende disso mesmo.
A cada prova de MotoGP, a Michelin leva para o "paddock" nada menos do que 1.200 pneus, número que inclui slicks e pneus de chuva, dos quais nem todos serão usados durante o fim de semana.
Fornecidos por contrato com a Dorna,
o custo dos pneus não é quantificado como tal, no entanto quando as equipas os
pagavam, estima-se uma média de 500 Euros por cada pneu de MotoGP normal,
até valores obscenos e incalculáveis se tivessem que ser fabricados de um dia para o
outro para satisfazer a exigência duma pista, marca, ou piloto em particular.
Na pista, trabalham cerca de 20 técnicos da Michelin, incluindo os informáticos que operam na área do paddock, e 10 montadores que operam as máquinas e efetuam todas as mudanças de pneus, recebendo as rodas das equipas, devidamente identificadas por piloto, moto e sessão, antes de voltarem a montar pneus frescos, calibrados e montados segundo os desejos das equipas ou pilotos.
Quando a Michelin concorria diretamente com outras marcas, uma ligação à fábrica em tempo real com vídeo, som e gráficos de todos os parâmetros, permitia aos técnicos que ficavam na base ver, em direto e em tempo real, como a sua última evolução estava a funcionar.
Nos dias de hoje, como fornecedor exclusivo e com o número de pneus limitado, isso não é necessário. Antes, no "pit lane", nove técnicos acompanham sempre as mesmas equipas ao longo da temporada, aconselhando e auxiliando na seleção de pneus com base no seu conhecimento do estilo do piloto e das exigências específicas da sua moto.
Durante o fim de
semana, os técnicos também rastreiam a temperatura dos pneus e da pista, e verificam o
desgaste para recolher dados, que são transmitidos a cada piloto e à Michelin.
Cada piloto tem à sua disposição um
máximo de 10 pneus dianteiros e 12 pneus traseiros durante o fim de semana de prova. Além
disso, as regras especificam o número máximo de compostos específicos por cada fim
de semana de corrida. Por exemplo: cada piloto pode selecionar entre um máximo
de 5 pneus macios, 5 médios e 5 duros. A seleção do pneu é feita no início do fim de
semana.
No entanto e se necessário, o piloto tem a oportunidade de fazer mudanças até um máximo
de quatro pneus durante o fim de semana. Uma vez que os dois
melhores pilotos da Qualificação 1 passam à "QP2", estes podem usar um conjunto
adicional de pneus para disputar a sua posição final da grelha de partida. Um
dos problemas que ocorre é que, quando só um pneu funciona, todas as
equipas o solicitam, e depois não há unidades que cheguem para todos...
Os pneus são meramente emprestados às equipas, permanecendo assim propriedade da Michelin. Cada pneu possui um código de barras que é lido no momento em que é tirado do camião. Os números de série dos pneus são também digitalizados enquanto estão no "pit lane" e registados novamente ao serem devolvidos - novos ou usados - à Michelin.
Segundo o representante da Michelin: "Sabemos em cada momento onde cada pneu está e quem o está a usar." Se houver troca de pneus sem aviso, os pilotos podem até ser desclassificados. Enquanto os pneus estão em poder das equipas, a informação sobre o número de voltas, temperatura e pressão dos pneus, tempos e outras informações são registadas pelos técnicos.
Nas fotos acima, as marcas dos pneus mostram a cruz inscrita na parte superior que significa
que o pneu não pode ser reutilizado. Abaixo está o número do piloto e, finalmente,
o número de série para fácil visualização nas grades de armazenagem. Todos os pneus voltam
para o centro de tecnologia da Michelin onde são analisados e, uma vez inspecionados,
destruídos.
Uma vez que o TPS (sensor de pressão do pneu) de cada roda tem o seu próprio
código e frequência, para 2017 a Michelin tem vindo a experimentar o
emparelhamento dos pneus com o TPS. O objectivo é ler cada roda antes do
início da corrida, a fim de melhor acompanhar os pneus que cada piloto
escolheu.
Os fãs mais atentos ainda podem procurar o código de cores que é
usado, como um meio visual, para determinar o composto de cada pneu, uma ideia
que sugeri às marcas há uns 8 ou 9 anos, a começar pela Formula 1 e que, finalmente, as MotoGP também implementaram. Uma barra branca denota mistura macia, amarela marca compostos
rígidos e nenhuma cor indica o composto médio.
Na foto acima, com o pneu na máquina de calibrar, onde se vê um fio que sai duma caixa, esta contém um dos cinco lasers que medem o desvio do pneu (a variação da distância do rebordo da jante, quando a roda gira). Uma tolerância admitida de menos de 1mm garante que o pneu está perfeitamente encaixado na jante. Pneus que não cumpram esta medida rigorosa são obrigatoriamente substituídos.
Devido à natureza volátil dos produtos químicos utilizados nestes pneus especiais, eles viajam da fábrica para a pista em contentores com controle térmico. Esses contentores são aquecidos para transporte de avião, pois idealmente os pneus devem permanecer entre 10 e os 21° Celsius, até serem finalmente aquecidos antes de serem utilizados.
Embora os técnicos ofereçam orientação, o piloto tem a decisão final sobre o
pneu a utilizar. Por vezes, esta é polémica, como quando em 2016, na Áustria, Andrea
Iannone decidiu, no último minuto, montar um pneu dianteiro macio, causando extrema consternação
aos técnicos da Michelin, que não pensavam que a mistura aguentasse. A escolha
“errada” do piloto acabou por dar à Ducati, em MotoGP, a primeira vitória desde 2010.
Em 2016, fruto do regresso da Michelin após um hiato de 7 anos em que a Bridgestone reinou, as mudanças nos pneus foram rápidas e constantes. Mas isso não
é um cenário típico. Geralmente, os compostos são criados com base na
experiência de corridas e testes anteriores. Considerando que cada pista é
diferente, diferentes compostos, tornam os pneus específicos para essa pista.
Por exemplo, Losail usa um composto assimétrico devido ao uso acrescido do lado direito do pneu, já que mais de metade das curvas são direitas. Outro caso deriva da areia de Losail, que torna a pista mais abrasiva, pelo que requer compostos diferentes dos que seriam utilizados, novamente por exemplo, nos EUA.
Basta olhar para o problema do desgaste a alta velocidade dos pneus de Scott Redding, no GP da Argentina de 2016, para se perceber como a Michelin pode dar uma resposta rápida quando necessário. No fim de semana da corrida em que a falha ocorreu, a Michelin não podia fazer nada para além de restringir o uso dos pneus com o potencial problema, e pedir aos pilotos que usassem outro pneu com uma construção de carcaça mais rígida.
No entanto os engenheiros da Michelin conseguiram, em apenas três dias, criar novos pneus com o problema resolvido, e enviá-los para os EUA, a tempo do Grande Prémio seguinte.
Sem dúvida, os pilotos vão continuar a exigir mais dos pneus. E a melhoria destes irá revelar novos problemas de "chassis" que, quando resolvidos,irão exigir ainda mais dos pneus, que se terão de tornar ainda mais aderentes, e etc. por aí fora e infinitamente, à media que recordes forem sendo batidos e este nosso desporto de paixão se vai tornando cada vez mais impressionante.
andardemoto.pt @ 29-11-2017 20:17:24 - Paulo Araújo
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