Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Moto GP – Como vai ser 2018? – 3ª Parte – A Suzuki e a KTM
As marcas “de trás do pelotão” são as que mais terão de se
esforçar em 2018, ajudadas pelas novas regras da Dorna... entre elas, a Suzuki e a KTM.
andardemoto.pt @ 24-1-2018 19:47:41 - Paulo Araújo
A SUZUKI
A Suzuki tem muito que fazer em 2018 para apagar a memória de um 2017 sombrio. Qualquer equipa de fábrica está sob muita pressão; mas provavelmente nenhuma mais estará mais do que a Suzuki, cuja administração nunca pareceu muito dedicada às corridas de Grand Prix.
Ao contrário
da Honda e da Yamaha, a Suzuki andou a entrar e sair da classe principal nas
últimas décadas, por isso este ano, Andrea Iannone e Álex Rins. precisam mesmo de bons
resultados para que a Suzuki Motor Corporation continue a aprovar os avultados orçamentos do MotoGP.
A Suzuki voltou aà classe raínha em 2015, após uma ausência de três anos, e marcou a sua
primeira vitória em MotoGP, no seco, em 2016. A nova GSX-RR era uma moto soberba:
ágil para o piloto, e precisa em condução; Tudo o que precisava era de uma
componente electrónica mais robusta e completamente desenvolvida.
Em 2016, Maverick Viñales fez um total de quatro pódios, enquanto Aleix
Espargaró foi rápido, mas rebelde. Quando Viñales desertou para a Yamaha, a Suzuki
decidiu abandonar Espargaró, o que os levou para 2017 com um alinhamento de
pilotos novo e arriscado: um novato e um maníaco.
No ano passado, a equipa gerida por Davide Brivio não conseguiu um único pódio. Os melhores resultados foram dois quartos lugares, com Iannone em Motegi (18 segundos atrás do vencedor) e Rins em Valencia (13 segundos atrás do vencedor).
A melhor corrida, em termos de tempos, foi o GP da Austrália, onde Iannone terminou em sexto, a 3,8 segundos do vencedor; mas Phillip Island pode ser enganadora...
"Estamos sempre a trabalhar para melhorar a moto, mas por vezes vamos na direcção errada", reconhece o chefe técnico da Suzuki, Ken Kawauchi. "No ano passado, algumas partes da moto melhoraram, mas outras partes ficaram pior em relação a 2016. Nalgumas pistas, a moto funcionou bem, noutras foi muito pior".
A Suzuki tem uma enorme lacuna a preencher, mas qual é o foco principal?
Os pilotos certamente precisam de se ajustar. Rins teve um ano de novato no MotoGP, lidando com lesões e, conseguiu alguns resultados apenas nas últimas corridas. No entanto ainda tem muito a aprender. E depois há Iannone, o auto-denominado Maniac...
Todos os principais pilotos precisam de ser ao mesmo tempo cientistas e guerreiros. Na década de 1960, podiam-se ganhar campeonatos mundiais sem saber nada da moto, mas actualmente isso já não é possível. Iannone precisa de trabalhar na sua mentalidade, introduzindo mais ciência à sua abordagem, e acalmando o seu temperamento.
Kawauchi acredita que Iannone e Rins serão bons. "Na última temporada, Iannone teve que aprender a Suzuki e nós também tivemos que aprender a trabalhar com Iannone, o que demora", diz ele.
Por fim, depois da metade da temporada, Iannone pareceu melhor. Rins lesionou-se no Texas e não esteve realmente apto até depois do intervalo de verão. De Brno em diante, ele continuou a melhorar.
Os engenheiros da Suzuki precisam fazer a GSX-RR melhor, e encontrar mais aderência nas saídas de curva; por outras palavras, os mesmos objectivos que a maioria das equipes de MotoGP. Durante o ano passado, a Suzuki jogou com a massa da cambota. Na última temporada, eles aumentaram o peso da cambota para melhorar a tracção, mas foram longe demais e estragaram a entrada em curva, o que também pode ter um efeito negativo na aceleração à saída, porque se o piloto não conseguir virar a moto a meio da curva, ele começa a acelerar enquanto ainda está na borda do pneu, onde a superfície de contacto é menor, e o pneu irá perder tracção e começar a derrapar."Em 2016 lutamos muito com a tracção", acrescenta Kawauchi. "Logo, o nosso objectivo para 2017 foi melhor a tracção, facto que conseguimos nalguns circuitos, mas noutras pistas perdemos na travagem e performance, porque mudamos o equilíbrio para conseguir uma melhor saída de curva".
Iannone estava a ser muito criticado a meio da época... como não conseguia fazer a Suzuki funcionar a seu gosto e se fartou de cair, deixou de atacar... O problema é que, sem atacar, não se desenvolve a moto, e é para isso que os pilotos são pagos... Na fase inicial da época, não foi surpresa vê-lo em dificuldades, dado as diferenças abismais da Desmosedici para a GSX-RR: uma é uma moto que curva com a traseira e a outra, curva com a frente.
Apesar de parecer confiante, por alturas de Barcelona Iannone já estava mais cabisbaixo: “Precisamos de melhor controle de tração, de electrónica, mas o pior é a frente, que quando a tento inserir em curva, se vai embora... acabo por guiar a meio segundo do meu ritmo para não cair!”
Kawauchi acredita que agora encontraram o compromisso certo na massa da cambota. A equipe testou um protótipo de motor 2018 em Aragão, após o GP de Setembro passado, e ambos os pilotos adoraram; devido ao limite de motores por temporada, eles não conseguiram usar esse novo motor nas últimas corridas de 2017.
"Durante o teste de Aragão combinamos os melhores pontos das nossas motos de 2016 e '17", explica Kawauchi. "Usámos um protótipo de motor '18 num chassis revisto de '17, com uma rigidez diferente. Os pilotos ficaram muito felizes com essa combinação. O motor de '16 foi feito para mais rotação, o motor '17 para mais tração, e o de '18 está algures no meio!”Embora a Suzuki não tenha podido utilizar o seu novo motor nos GPs japoneses, australianos, malaios e valencianos, utilizou as partes do chassis revistas, o que explica a melhoria dos resultados no final da temporada. As outras principais preocupações da Suzuki são desbloquear todo o potencial da electrónica Magneti Marelli forncida pela Dorna, e melhorar a escolha dos pneus.
"A nossa electrónica não está ao mesmo nível de algumas das outras fábricas", diz Kawauchi."O problema é que todos os bons engenheiros da marca já estão ocupados..."
A escolha do pneu é agora mais importante do que nunca, mas a Suzuki ainda não conseguiu aperfeiçoar a arte de afinar as suas motos com os Michelin e depois escolher os pneus correctos para a corrida. A escolha do pneu era relativamente simples durante a era Bridgestone, porque havia apenas duas versões para a roda traseira e, geralmente, era óbvio qual seria o melhor pneu de corrida. Agora, as equipas têm uma escolha de três pneus, com cada um deles oferecendo uma estreita janela de performance, por isso escolher o pneu certo para cada piloto, máquina e traçado é um trabalho muito mais complicado.
"Os Michelins são pneus de muito alto desempenho, mas fazer a escolha certa é difícil", termina Kawauchi. "Nós pensamos que já encontramos algo para ajudar nessa área".
Mas nem tudo é negativo na temporada 2017 da Suzuki. A falta de resultados da fábrica coloca-os ao abrigo das medidas especiais da Dorna para ajudar as equipas de trás, de modo que a equipa contará com várias concessões que poderão ajudar a fechar a diferença para os da frente. Tudo parte do plano da Dorna de ter todas as fábricas a um nível muito semelhante, para proporcionar corridas mais interessantes.
Assim, este ano a Suzuki poderá usar até nove motores por cada piloto, em vez dos cinco que são permitidos às outras equipas, e a fábrica poderá testar mais do que seus rivais.
Os engenheiros da Suzuki certamente se basearam nas melhorias feitas nas últimas quatro corridas de 2017, mas nunca é fácil tentar recuperar o atraso, porque sempre que os retardatários acham mais alguns décimos, as equipas da frente costumam fazer o mesmo.
KTM
As KTM, com Brad Smith e Pol Espargaró também tive a sua quota parte de dificuldades, principalmente, mais uma vez, em conseguir sacar todo o partido dos pneus Michelin, como explica Bradley Smith:
“Dos Bridgestone, eu conseguia tirar partido, mas agora sinto que não consigo guiar a KTM como ela quer ser pilotada, que é “apontar-e-virar”. Com os Michelin não dá para fazer isso... Quer o Pol quer o Mika Kallio (piloto de testes que fez alguns “wild cards”) têm um estilo mais ao género das 250, de manter velocidade em curva, mas eu não... Mesmo já antes, com a Yamaha, tive de adaptar a moto para conseguir pilotar dessa forma, apontar para a curva e sair logo a acelerar.”
Uma vez resolvidos os problemas de tracção, as motos começaram subvirar, revelando um problema de chassis. Claro que, como "recém-chegada" à grelha de MotoGP, a KTM tinha a menor quantidade de dados com que se basear.
Depois, também começou a época com a configuração de motor que todos os outros já tinham abandonado, um motor “screamer”, muito parecido com o da Honda, ou seja, um V4 a 90º com a cambota a rodar na direcção da moto, considerado o melhor para pressionar a frente contra o chão... embora tivesse desenvolvido paralelamente um “big bang” para utilizar a meio da época.
De facto, logo nos testes, com Mika Kalio em LeMans, o segundo motor provou-se tão bom que a KTM fez um esforço titânico para colocar mais 2 motores em produção, e dar a cada um dos pilotos um dos novos motores a 180º para o GP de França.
Uma vez que o motor funcionava bem, revelou o problema seguinte, com o quadro em treliça tubular exclusivo da KTM: a mostrar-se demasiado rígido. Só que mudar quase simultaneamente de motor e de quadro era um jogo arriscado, e a marca austríaca acabou por esperar até Setembro para introduzir o novo chassis, que permitia aos pilotos uma maior agilidade em curva.
Ajudados pelo facto de um chassis tubular ser fácil e barato de fazer, a fábrica chegou a testar 6 evoluções diferentes, com progressiva flexibilidade, até finalmente acertar.
O melhor de Smith até aí tinha sido então um 13º no GP de França... quando as condições eram especiais, como sob chuva.
Com Kallio ansioso por regressar a tempo inteiro, a pressão nos pilotos regulares era ainda maior, o que levou a equipa a testar um novo chassis logo em Aragón, que surtiu um grande efeito. “Pela primeira vez acabámos a apenas 14 segundos dos da frente”, explica o patrão da marca, Piet Beirer.
Até então, Smith confessava ter falta de confiança na moto, o que lhe trazia problemas nos treinos cronometrados e deixava a equipa sem saber o que fazer.
Uma das tentativas foi tentar afinações mais radicais, como a moto muito empinada de traseira, para facilitar a inserção em curva e permitir ao piloto ajustar a sua técnica aos Michelins.
“Até tentámos levantar a moto atrás e baixar a frente, o que estraga a estabilidade na travagem, para eu não poder travar como costumava e entrar na curva solto... tentava confiar no pneu dianteiro ao limite e parecia estar a ajudar... antes disso travava até ao apex, mas os Michelin não parecem reagir bem a isso...”
A equipa também testou vários componentes diferentes, como bielas de suspensão diferentes para alongar ou encurtar o curso da traseira, para ver se a sensação melhorava.
Kallio, que só era para ter tido uma saída como “ wildcard”, no Red Bull Ring, a pista “de casa” da KTM, acabou no melhor resultado de sempre da marca, num 10º, o que lhe granjeou outro “wild card” para Aragón. Como ai ficou em 11º, acabou por também alinhar em Valência para fechar a época... o que não é claro é se, ter de acomodado mais um piloto na box, ajudou ou atrapalhou a equipa técnica...
Resolvido o problema de chassis, com a moto a virar como os pilotos queriam e precisavam, restava aperfeiçoar a relação entre a moto e a electrónica imposta pela Dorna. A época de 2018 vai ser mais uma vez um delicado equilíbrio entre colocar o máximo de potência no solo sem destruir prematuramente o pneu traseiro ...
É sabido que a KTM, apesar de ter alguns técnicos de outras marcas a bordo, não tem nem a dimensão nem os anos de experiência das outras marcas... e vale a pena lembrar que o “nosso” Miguel Oliveira testou a máquina de MotoGP a meio da época, sem pretensão de tirar conclusões. Foi apenas uma espreitadela do que poderá estar para vir...
andardemoto.pt @ 24-1-2018 19:47:41 - Paulo Araújo
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