Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Técnica MotoGP - “Chatter” e como o evitar
Há
dias, falámos da forma como inclinar o corpo fora da moto influencia a forma de
curvar, hoje vamos falar de outro factor que tem uma influência preponderante,
normalmente negativa, na capacidade de uma moto curvar em velocidade: o “chatter”.
andardemoto.pt @ 20-9-2017 23:36:02 - Paulo Araújo
“Chatter” pode definir-se como trepidação, só que é uma trepidação causada por ressonâncias de alta-frequência na ciclística, suspensão ou pneus. Ninguém sabe exactamente o que a provoca, ou seja, sabe-se de um modo genérico, mas não em termos específicos e mesuráveis.
Na verdade, o que se está a passar são pequenos ciclos de derrapar/agarrar, repetidos tão rapidamente que o próprio movimento tende a perpetuar-se. O que os causa, também não é complicado. Pensem numa suspensão a funcionar com a moto direita, ou pouco inclinada, as bainhas a afundar nas jarras do garfo à medida que ressaltos ou outras forças em jogo comprimem e distendem o sistema, e tudo está bem. Porém, no limite de inclinação de mais de 60º de uma moto de Grande Prémio moderna, a suspensão já não pode operar correctamente, pois as forças que sobre ela actuam deixam de ser lineares.
Com o garfo quase horizontal, a pressão exercida já não é de cima para baixo contra a estrada, mas em ângulo. Logo, em vez de carregar o pneu (só) contra o solo, carrega-o também para o lado, causando no limite um ligeiro escorregar do pneu. Porém, assim que esse escorregar tem lugar, alivia a pressão nas molas e o pneu volta a agarrar. Ao voltar a agarrar, volta a tentar comprimir a suspensão, que volta a causar derrapagem, etc. - já perceberam.
Pior ainda, os ciclos repetem-se a uma frequência tão rápida, de centenas de eventos por minuto, que excedem a capacidade da suspensão de recuperar - às vezes, ela ainda está a afundar quando a roda está de novo a derrapar e vice-versa. Isto resulta em várias coisas, todas elas negativas: para o piloto, a sensação é por vezes descrita como estar a pilotar uma betoneira, uma máquina de lavar avariada ou um martelo pneumático. Para o pneu, induz desgaste pronunciado e prematuro, provocando aquelas zonas escafeadas que por vezes se podem observar na lateral do pneu no fim de uma corrida.
Para a suspensão, pode causar aquecimento excessivo e degradação do comportamento normal. Convém explicar que é perfeitamente normal que uma suspensão aqueça (afinal, ela é apenas um dissipador térmico que absorve o movimento da suspensão convertendo-o em calor) mas se os ciclos de movimento são demasiado rápidos e repetitivos, não há hipótese de dissipar o calor assim gerado e o sistema começa a operar mal. Finalmente, até o quadro, em última análise o elemento final da suspensão, pode começar a flectir demasiado, por sua vez pondo ainda mais “stress” nos outros componentes do sistema e ajudando a perpetuar o efeito.
Isto é a causa do “chatter” em linhas gerais, mas não nos permite saber que combinação de carga, inclinação e afinação vai provocá-lo ou não. Segue inevitavelmente que, não sabendo exactamente o que o provoca, ele também não pode ser evitado à partida. Por vezes, alterar um dos parâmetros (peso da jante, rigidez do braço oscilante, quantidade de fluído, seja o que for) livra-se do “chatter” por deixarem de se reunir as condições que provocam as tais ressonâncias de alta-frequência.
Até
há casos contados por pilotos em que adoptar uma cambota ligeiramente mais pesada
no motor teve efeitos positivos no “chatter”- o que por sua vez quer dizer que
este também é influenciável pelas características da entrega de potência!
Depois, para piorar as coisas, os controlos electrónicos de uma MotoGP tornam
pior a emenda que o soneto: Os sensores interpretam o “chatter” como
derrapagem, e quando o piloto se tenta livrar dele acelerando, limitam a acção
do acelerador, causando... yep, adivinhou, ainda mais “chatter”!
Frequentemente, os pobres fabricantes de pneus são culpados pela aparição de “chatter”, quando o pneu apenas está a reagir a uma série de parâmetros negativos e não pode por si só causar “chatter”, mais do que uma moto parada pode derrapar! É verdade que a Michelin andou um bocado aflita quando em 2016 substituiu a Bridgestone, justamente com a aderência da dianteira em que tantos pilotos da geração de Stoner, Marquez, Viñales, etc., tinham vindo a depender. Nicholas Goubert, o técnico máximo da marca, explica isso facilmente: “Nos 8 anos que estivemos fora, as coisas evoluíram, como é natural, e levámos algum tempo a acertar!”
Ultimamente, leia-se as duas últimas épocas, já não se fala tanto do aparecimento de “chatter” como um factor condicionante da entrada em curva, o que provavelmente aponta para o facto de que a nova geração de pneus, usados com menores pressões para aumentar a superfície de contacto com o solo, também são mais macios e logo, mais propícios a evitar o “chatter”- ainda bem: qualquer piloto concordará que não fazia cá falta nenhuma!
andardemoto.pt @ 20-9-2017 23:36:02 - Paulo Araújo
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